domingo, 2 de novembro de 2014

Luta contra o racismo

Ìjà mọ́ ìṣẹlẹ́yàmẹ̀yà: Iré-ijé láìlógo kan.
Luta contra o racismo: Uma corrida inglória.



Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário).

Ìjà = luta, conflito, briga.
Mọ́ = contra.
Ìṣẹlẹ́yàmẹ̀yà = racismo.
Aláìfẹ́irúẹ̀mọẹnìkéjì = racista.
Láìlógo = sem glórias, inglória, infeliz.
Iré-ijé = corrida, raça, competição.
Kan = um, uma.



Super 066
marco
1993

Para o filósofo e cientista político francês, apesar de todos os esforços para combater o mito das raças, a ciência está fadada a chegar eternamente em segundo lugar na corrida contra o preconceito.
Entre os cientistas, ganha mais força, a cada dia, a tese de que a humanidade tem uma origem única e o conceito de raça simplesmente não existe. Mas o racismo, teimosamente, insiste em sobreviver. Pierre-André Taguieff, filósofo e cientista político do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas), é considerado um dos homens mais habilitados atualmente, na França, a falar sobre esse fenômeno. Aos 45 anos, cinco livros publicados sobre o assunto, ele trabalha em Paris, no próprio apartamento, totalmente tomado por livros, recortes, jornais e revistas. “Gosto de trabalhar à moda antiga”, responde a qualquer um que tenta, em vão, descobrir onde se esconde seu computador. Da sala, o mar de papéis acabou transbordando, literalmente, para os demais cômodos. Até mesmo a cozinha, onde mesa e cadeiras são apenas silhuetas por trás das pilhas de documentos. A aparente desorganização, no entanto, não interfere na lucidez de suas análises. O problema do preconceito é infinitamente mais complicado do que se imagina, como se aprende em seu livro Face ao Racismo, de 1989. “Lutar contra o racismo, para citar uma alegoria do filósofo americano Rudolf Carnap (1891-1970), é como tentar consertar um barco que navega no oceano agitado por uma tempestade.” Nesta entrevista, Taguieff mostra de que maneira mudaram as manifestações racistas através do tempo, e explica por que é tão difícil banir o preconceito.
 
 
SUPER — Há cerca de cinqüenta anos, cientistas de todas as áreas se esforçam, com sucesso, para provar que o conceito de raça nem sequer existe. Como é possível que a ciência não consiga banir o racismo?
TAGUIEFF — O lado positivo do trabalho dos cientistas, após a II Guerra Mundial, foi universalizar os argumentos capazes de abolir todas as velhas teorias de raça. Mas muitos consideraram que, eliminando a palavra raça, o racismo seria suprimido. O problema é que raça não é apenas um conceito. É também uma realidade simbólica, um termo da linguagem popular que se identifica com imagens reconhecíveis, como a cor da pele ou o aspecto dos cabelos. Enquanto a percepção comum não pára de reelaborar a noção de raça, os cientistas passam seu tempo a dizer que esta noção é ilusória ou simplesmente não existe. Isso não funciona, não impede que a idéia de raça seja sempre reformulada pelo senso comum.
 
SUPER — Por que é tão difícil lutar contra os racistas?
TAGUIEFF — É mais fácil afirmar algo falso do que demonstrar que a afirmação é falsa. Isso demanda uma energia intelectual superior. O anti-racista está sempre atrás do demagogo para varrer seus erros. Mas sempre tarde demais. A dificuldade do anti-racismo é que se gasta esta energia toda para desmontar uma teoria demagógica, do tipo “os imigrantes são culpados de tudo”. Quando se consegue, o demagogo já está formulando um outro discurso, com as mesmas palavras de antes, só que um pouco modificadas e idéias deturpadas.
 
SUPER — E qual seria, hoje, a nova faceta da idéia de raça?
TAGUIEFF — O racismo foi redefinido sem que se tenham usado noções biológicas ou mesmo de desigualdade, comuns principalmente durante o apogeu do nazismo. Hoje, existe o que eu chamo de racismo cultural ou diferencialista. Cultural porque não se fala em termos de Biologia ou Genética, e sim, de etnias e culturas. Diferencialista porque não coloca estas culturas numa escala hierárquica, como era o caso para as raças “branca”, “negra” e “amarela”. Diz-se somente “existem culturas, homens que fazem parte dessas culturas e que não podem viver fora delas. Cada indivíduo é de uma cultura e de uma só — ele está limitado a ela”. Esse tipo de idéia está mais próximo da essência do racismo do que a própria teoria da desigualdade das raças, que é, paradoxalmente, menos radical. O racismo biológico supõe que existe um termo comum entre as diferentes raças, pois elas podem ser comparadas. Os que eu chamo de diferencialistas nem sequer aceitam comparação. Não existe nem porta ou ponte entre as diferenças culturais. Elas são entidades voltadas para si mesmas, uma fatalidade à qual não se pode fugir.
 
SUPER — Qual é, então, a essência do racismo?
TAGUIEFF — A essência do pensamento racista é que as raças são quase espécies, sem ligação entre si. Esta visão é muito difícil de sustentar em termos biológicos, pois existe interfecundidade entre as populações humanas. Os teóricos do racismo biológico se ajeitaram, no entanto, para rebater da seguinte forma: de fato, existe interfecundidade, mas o fruto desta mistura são seres caóticos. Um mestiço não é nem de uma raça nem de outra, nem de uma cultura nem de outra. A essência do racismo é o que chamo de mixofobia, um neologismo que criei para designar a fobia da mistura. Este é um dos raros mitos do mundo moderno: o mito da pureza.
 
SUPER — E como se luta eficazmente contra um mito?
TAGUIEFF — Pode-se, sem dúvida, lutar contra a pseudociência com a ciência. Sem problemas. Mas as teorias anti-racistas não estão funcionando porque elas utilizaram argumentos da “sabedoria”. Estes argumentos são levados em consideração unicamente no mundo em que eles são considerados sérios. Cada um vive, no entanto, em vários mundos: um científico, outro da experiência vivida, etc. No mundo da razão, cada um pode estar de acordo com o anti-racismo científico. Mas no mundo da experiência vivida, existe sempre aquele “mas”: “Você tem razão, mas você não o conhece. Sou eu que vivo lado a lado com alguém diferente, que come outra comida, ouve música exótica ou cheira mal”. Pode-se também lutar contra um mito com outro mito, como aconteceu a partir da década passada. A tática anti-racista foi fazer a apologia do mestiço: ele é mais bonito e mais “rico” que os outros, pois tem várias origens raciais e culturais. Um absurdo, pois voltamos ingenuamente ao racismo biológico. A crise anti-racista, a meu ver, se deve a estes dois fatores: quando o discurso é científico, ele passa ao largo do problema; quando é simbólico, faz parte do mesmo campo de idéias.
 
SUPER — Essa debilidade da ciência é um dos motivos da volta das manifestações racistas hoje em dia?
TAGUIEFF — São vários os motivos. Mas estamos vivendo hoje um fenômeno interessante para os sociólogos: o fim do pós-guerra, o fim dos efeitos do processo de Nuremberg e o fim do antifascismo, que leva a um envelhecimento do anti-racismo e do anti-fascismo. Também é o fim do mundo dividido em dois campos e, especificamente, do comunismo na Europa. No Leste Europeu, o comunismo deixou seqüelas, como as dificuldades econômicas, e elas são traduzidas em atos simples da humanidade. É a procura do bode ex-piatório de sempre. Além disso, toda etnia procura se constituir em nação. O comunismo congelou o curso natural deste processo e agora países que eram colchas de retalhos, como a Iugoslávia, têm de retomar o problema.
 
SUPER — Mas esse fenômeno não se restringe ao Leste Europeu.
TAGUIEFF — As manifestações racistas nos outros países da Europa e nos Estados Unidos têm razões e características diferentes. Na Alemanha os atos racistas não são acompanhados de uma teoria, enquanto, na França, uma verdadeira teoria neo-racista foi formulada a partir das diferenças culturais. Já nos Estados Unidos, a questão está ligada à decadência social. A França teoriza, a Alemanha pratica. Nos Estados Unidos, porém, a questão negra está integrada na realidade americana. Quer dizer, existe uma tradição organizada de autodefesa do afro-americano e uma ideologia de identidade chamada de negritude. O racismo branco se afronta com organizações racistas antibrancos, que pregam praticamente um apartheid.
 
SUPER — A volta do racismo na Europa significa a volta do nazismo?
TAGUIEFF — Nada disso. Os atos isolados dos neonazistas não têm quase nada a ver com o nazismo dos anos 30. Dão apenas uma folclorização. Se Hitler voltasse a viver, ele certamente consideraria os neonazistas e skinheads como delinqüentes vulgares e beberrões. Marginais que se fantasiam de nazistas, sem cultura sobre as teorias raciais e que jamais vão chegar ao poder.
 
SUPER — O homem é intrinsecamente preconceituoso?
TAGUIEFF — O racismo tem duas fontes: uma instintiva e outra histórica. A origem daquilo que chamamos racismo encontra-se enraizada no comportamento instintivo de preservação do território, da defesa deste território. É um comportamento primário, original. Mas não foi esta fonte que fomentou o racismo elaborado que conhecemos hoje. Este fenômeno data da modernidade ocidental, é histórico. O racismo elaborado não é instintivo, e sim, o fruto da sociedade em que vivemos, fruto da nossa história.