domingo, 30 de agosto de 2015

Atentado terrorista no Mato Grosso do Sul

 Ìṣẹ̀lẹ̀ ìdánilóró ti àwọn olóko mọ́ ẹ̀yà ènìyàn guaraní Kaiowá.
 Atentado terrorista de ruralistas contra etnia guarani Kaiowá.
                                                                      





Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário)
Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).

Ìṣẹ̀lẹ̀ ìdánilóró, s. Atentado terrorista.
Ti, prep. De (indicando posse). Quando usado entre dois substantivos, usualmente é omitido. Ilé ti bàbá mi = ilé bàbá mi ( A casa do meu pai).
Àwọn, wọn, pron. Eles, elas. Indicador de plural.
Olóko, s. Ruralista, fazendeiro, latifundiário.
Mọ́, prep. Contra.
Ẹ̀yà ènìyàn, s. Etnia.
Guaraní Kaiowá, s. Guarani Kaiowá.

1. Entidades e pessoas que apoiam o terrorismo e genocídio da etnia guarani kaiowá no Mato Grosso Sul:
- Governo federal (aliado do agronegócio).
-Agronegócio (aliado do governo federal).
-Justiça Federal (aliada do agronegócio).
-Bancada ruralista ( deputados do agronegócio).
-Neonazistas ( apoiam o agronegócio).
-Psicopatas ( sentem prazer em matar).
-Milícia rural e pistoleiros (trabalham para o agronegócio).
-Militares e policiais (protegem o agronegócio).

2. Ruralistas atacam e matam líder Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul

Inserido por: Administrador em 29/08/2015.
Fonte da notícia: Cimi - Conselho Indigenista Missionário

Após uma semana de preparativos, ruralistas atacaram famílias indígenas Guarani e Kaiowá, do tekohá Nhanderu Marangatu, e assassinaram uma de suas lideranças, na tarde deste sábado, 29 de agosto, em Antônio João, no Mato Grosso do Sul.

Nhanderu Marangatu é sabidamente uma terra indígena tradicional Guarani e Kaiowá. Foi reconhecida e homologada pelo Governo Federal em meados de 2005. No entanto, a suspensão dos efeitos da homologação, seguido por uma ordem de despejo proveniente do Poder Judiciário, destinou quase mil pessoas ao peso impagável de mais de uma década de beira de estrada, mortes e a obrigatoriedade de suportar condições sub-humanas de vida. Estas centenas de pessoas passaram a viver, desde então, em menos de 150 dos 9.500 hectares homologados. Cansados de sofrer, os indígenas decidiram retomar sua área originária há exatamente uma semana.



Para entender mais leia aqui:

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=8285
 http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8288&action=read

No início desta manhã, uma professora de Nhanderu Marangatu, tentava, de todas as formas, meios de sair de sua terra para buscar o rumo de Brasília, na esperança de garantir a paz e a segurança de sua comunidade. Porém, a professora foi impedida em seu direito de ir e vir e de exercer livremente sua cidadania por conta do bloqueio das estradas e pelas ameaças de morte, ambas ações realizadas pelos fazendeiros e sindicatos rurais que promoveram cerco sobre os indígenas por mais de três dias. Desesperada, a professora, que conhece de perto a brutalidade dos fazendeiros da região desde que seu próprio pai foi por eles assassinado, relatava que se podia “sentir no ar o clima de morte”.

Enquanto isso, da mesma forma que nos ataques realizados contra famílias Guarani e Kaiowá da Terra Indígena de Kurusu Ambá, município de Coronel Sapucaia, MS, ocorrido há exatos dois meses atrás (http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=8182), ruralistas e políticos se reuniram dentro de um sindicato rural, desta vez o de Antonio João, abandonaram a Justiça, os fóruns do Estado e a legalidade, armaram-se, vestiram coletes a prova de balas e decidiram atacar deliberadamente e criminosamente as famílias indígenas de Nhanderu Marangatu. A ordem de ataque foi proferida, segundo notícias locais, pela presidente do sindicato, Roseli Maria Ruiz (http://www.douradosnews.com.br/noticias/cidades/revoltada-presidente-de-sindicato-deixa reuniao-e-diz-que-vai-retomar-terra-invadida).
 Enquanto o agrobanditismo se organizava e preparava o ataque, que levaria a morte de mais um Guarani e Kaiowá, destacamentos da Força Nacional, que possuíam determinação para atuar no caso e deveriam estar no local, encontravam-se a mais de uma hora da região, na cidade de Ponta Porã, há 70 km, mesmo com a possibilidade latente e iminente do ataque de fazendeiros. Duas horas antes da investida ruralista, funcionários da Funai e o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados, Paulo Pimenta, buscaram sem êxito, junto ao Ministério da Justiça, o deslocamento da Força Nacional para as imediações de Nhanderu Marangatu. A Força Nacional somente começou a se movimentar após o anúncio de que o ataque ruralista havia começado.

Bem mais próximos dos fazendeiros, o que não é de se estranhar, estiveram destacamentos do D.O.F (Departamento de Operação de Fronteira). Apesar de não ter participado propriamente da ação, não impediu o armamento, nem o deslocamento dos fazendeiros armados, com intenções bem determinadas. O DOF deveria ter dado ordem de prisão à milícia rural. No entanto, em sua conivência e prevaricação, simplesmente assistiu ao ataque das forças paramilitares dos ruralistas sul mato-grossenses.

Sem nenhum impeditivo ou barreira, mais de 40 veículos invadiram as terras indígenas retomadas. Segundo líderes indígenas, dentre os fazendeiros estavam deputados e vereadores. Os criminosos dispararam de maneira franca e para matar. Aterrorizaram famílias inteiras em nome da continuidade do esbulho de seu território originário e ancestral. Depois de muitos disparos conseguiram por fim manchar de sangue novamente o solo sagrado de Nhanderu Marangatu. Já na presença da Força Nacional dentro do território indígena, Simião Vilhalva, irmão de uma liderança tradicional, tombou como Marçal e Hamilton Lopes, defendendo seu território, na esperança de um futuro menos dramático para seu povo.

3. Corpo de Guarani e Kaiowá assassinado é entregue à comunidade e quem disparou tiros de borracha num bebê de colo?

Inserido por: Administrador em 30/08/2015.
Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação - Cimi


Foto: Marcos Ermínio



Lideranças Guarani e Kaiowá relataram no início da noite deste domingo, 30, que o caixão com o corpo de Semião Vilhalva, indígena assassinado ontem durante ataque de fazendeiros contra o tekoha – lugar onde se é – Ñanderu Marangatu, foi entregue à comunidade por um motorista terceirizado da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

As autoridades policiais não informaram aos Guarani e Kaiowá ou à Fundação Nacional do Índio (Funai) se o corpo de Semião passou por perícia de legistas federais ou ao menos por exames cadavéricos. O Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul não foi chamado para acompanhar o procedimento ou informado de sua realização.  

Conforme agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), o indígena teria sido morto após levar um tiro na cabeça – os indígenas afirmam que o tiro acertou o rosto, saindo pela nuca. Os Guarani e Kaiowá, por questões envolvendo aspectos espirituais do povo, desejam enterrar Simão em uma das áreas retomadas de Ñanderu Marangatu, a Fazenda Fronteira.

No entanto, foram impedidos pela polícia. Os soldados fazem um cordão de isolamento entre a sede da Fronteira e os Guarani e Kaiowá. A fazenda é da presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz, que liderou o ataque dos fazendeiros. Depois da ação violenta deste sábado, a sede da fazenda ficou tomada pelos ruralistas. Os parentes de Semião afirmam que o tiro que o matou, às margens do córrego Estrelinha, partiu da sede da fazenda.  

Bala de borracha

Além do assassinato de Semião, os indígenas questionam de onde partiram os tiros de bala de borracha que acertaram as costas e a nuca de um bebê de um ano, que na hora do ataque dos fazendeiros estava no colo da avó (foto acima). A arma é usada por polícias de todo o país. Os tiros partiram da polícia ou dos fazendeiros? Se os disparos foram efetuados pela polícia, o que teria motivado agentes do Estado a atacar junto com os fazendeiros? Caso as balas tenham partido de armas empunhadas por fazendeiros, como eles as conseguiram? Essas são algumas perguntas que as autoridades públicas deverão responder aos Guarani e Kaiowá. 

http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8297&action=read


   MS

Nota Pública: Ruralistas comandam Estado Paramilitar no Mato Grosso do Sul

O assassinato de Simão Vilhalva, na manhã deste sábado, 29, no município de Antônio João, precisa ser investigado por forças federais de Brasília e pelo Ministério Público Federal (MPF)

Ñande Ru Marangatú: novas violações de direitos

Omissão do Estado brasileiro e milícias de fazendeiros produzem mais mortes

Ruralista do MS mente e divulga fotos de incêndio em fazenda como ataque de indígenas

Em texto que acompanha a postagem das fotos, Pedro Pedrossian Filho incita publicamente fazendeiros a ações violentas e clandestinas ao Estado contra os indígenas

Sindicato rural de Antônio João espalha boatos e incita violência contra indígenas de Ñanderu Marangatu

A população chegou a ser informada de que os Guarani e Kaiowá poderiam atear fogo à cidade, boato sem registros históricos de um dia ter sido cometido pelos indígenas

Bispo de Dourados, MS, se pronuncia contra ataques ao Cimi e a CNBB

"Tais calúnias refletem a insatisfação de quantos não aceitam o envolvimento da Igreja na defesa e na promoção dos excluídos e marginalizados"


Fonte: http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8294&action=read




Reino do Congo

Òṣèlúaráìlú ní Ilẹ̀ọba Kóngò Ayéijọ́un.
Democracia no antigo Reino do Congo.

Localização de Kongo
"Reino do Kongo"



Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário)
Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).

Òṣèlúaráìlú = democracia.
= no, na, em.
Ilẹ̀ọba = reino.
Ilẹ̀ Kóngò, Kóngò = Congo.
Ayéijọ́un = antigo.


“O Kôngo vivia em democracia quando os portugueses chegaram no século XV”, diz Patrício Batsîkama
24 de abril de 2015 16


                                                       Natalia da Luz, Por dentro da África


 

The Banza or Residence of the King of Kongo called S. Salvador.” – DAPPER, Olfert. Description de L’Afrique. Amsterdam: W. Waesberge, Boom et Van Someren, 1686. Pp. 343-344.




Mbanza-kôngo, Angola – No norte de Angola, Mbanza-Kôngo ganha destaque para a história da humanidade. Foi de lá que partiu a maioria dos africanos escravizados desembarcados nas Américas, foi de lá que saiu o primeiro embaixador africano enterrado no Vaticano, também foi lá onde a primeira igreja católica (Kulumbimbi) da África Subsaariana foi erguida. Com a missão de estudar o Reino do Kôngo (a grafia Kôngo é referente ao antigo Kôngo), um pesquisador angolano se dedica a encontrar as origens da região, destacando que, quando os portugueses chegaram por lá, “os africanos já conheciam a democracia”.

– O Kôngo era um Estado muito influente quando os portugueses chegaram. Já havia democracia, como comprovavam  os relatórios de viagem em 1491 (durante a evangelização). Foram os próprios portugueses que, depois de se familiarizarem com os Kôngo, nos chamaram de gregos de África! A região recebeu a primeira Catedral na África Subsaariana, os cidadãos do Kôngo foram ensinar Humanidades em Portugal, já nos séculos XVI e XVII, já uma vez que existiam escolas de qualidade em Mbânz’a Kôngo – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o historiador Patrício Batsîkama, autor de quatro livros sobre a região

Patrício lembra que o primeiro embaixador africano enterrado em Vaticano, Dom António Nsaku Ne Vunda, teve um funeral com pompas de príncipe europeu e que a revolução do Haiti, também conhecida como Revolta de São Domingos (1791-1804),  foi protagonizada pelos descendentes do Kôngo. Os militares haitianos fizeram o juramento em kikôngo, tal como se fazia entre os Mazômbo do Kôngo. O país caribenho foi o primeiro e o único a ter uma revolução de escravos bem-sucedida. O texto de libertação foi lido em kikongo, língua dos bakongo.

Descobertas

Nesse longo período de estudo, o angolano que escreveu As Origens do Reino do Kôngo, Reino do Kôngo e a sua origem Meridional, Reino do Kôngo consoante a Bibliografia e Tradição Oral e Lûmbu, descobriu muita coisa, principalmente, que há três grandes origens dos Bakôngo (grupo étnico que habitava a região). Patrício lembra que eles vieram do Norte, mas também do Leste e do Sul, desde Tsodilo Hills.


The Banza or Residence of the King of Kongo called S. Salvador.” – DAPPER, Olfert. Description de L’Afrique. Amsterdam: W. Waesberge, Boom et Van Someren, 1686. Pp. 343-344.


– Todos os autores falam de Nimi’a Lukeni como fundador do Kôngo. Eu descobri que foram 12 chefes de 144 tribos que se juntaram para fundar Mbânz’a Kôngo (e estão enterrados na atual Sé Catedral ou Kulumbimbi), além de simbolizarem as doze nascentes de Mbânz’a Kôngo. Nimi’a Lukeni teria sido o primeiro eleito pelo Lûmbu (Grande Conselho). Também ali,  está o famoso túmulo de Dona Mpolo (mãe do Rei Mbemba Nzinga). Em 2012, eu já tinha percebido que lá não se encontravam os restos mortais dela. Isso foi descoberto há pouco tempo – revelou o historiador, que dividiu a sua obra em três livros.

Autor de oito livros sobre o tema, Patrício tentou reestruturar as instituições da época e apresentou o que teria sido o Lûmbu – explicado a seguir -e como ele funcionava. Ele conta que pouca gente dava importância a essa instituição tradicional; mas hoje, o cenário mudou. Pergunto a Patrício como poderíamos descrever essa democracia do século XV, essa mesma que os portugueses encontraram ao desembarcar pela primeira vez na região, por volta de 1492. Em resposta, ele lembra que os portugueses encontraram o Lûmbu: aparelho institucional que regulava as eleições, a atuação militar e a separação dos poderes executivo, militar, religioso e judiciário.

– Dos séculos XV a XVI, a noção de escravizado não era uma questão social, mas sim jurídica. Ninguém que pertencia às três famílias Kôngo (Nsaku; Mpânzu e Ñzînga) poderia ser escravizado e/ou vendido. Os portugueses não conheciam essa estrutura social, e desde o século XVI instalaram provocaram desordens. Mas as autoridades do Kôngo lutaram contra isso, o que levou à Grande Batalha de Mbwîla em 1665 (para expulsar todos os portugueses inimigos do Kôngo) – conta Patrício.



The Banza or Residence of the King of Kongo called S. Salvador.” – DAPPER, Olfert. Description de L’Afrique. Amsterdam: W. Waesberge, Boom et Van Someren, 1686. Pp. 343-344.


O pesquisador lembra que a sociedade kôngo estava estruturada em linhagens e as autoridades eram eleitas nos bairros e municípios com autonomia financeira e integridade territorial. Havia lealdade entre os autarcas dos municípios em relação ao governador, que eram escolhidos como candidatos ao trono. Mas apenas um entre eles poderia ser eleito pelo Conselho Lûmbu.

– É preciso considerar essa democracia no contexto histórico e espacial. “Avançada”, sim, ela foi com relação ao espaço Kôngo. Pelo menos, havia separação de poderes ligada à distribuição das funções sociais consoante as linhagens. Isso era funcional. Os Nsaku eram os sacerdotes; Mpânzu: poder militar, industria; Ñzînga: poder Executivo; Nsaku e Mpânzu juntos: poder Legislativo. A liberdade individual era o princípio vital do diálogo: “Ban abatele; bana batelelwa”, diz o princípio ( “Onde há quem diz, deve se permitir que haja aquele que contradiz”).

O historiador destaca que o Kôngo era o local do Grande Diálogo (por isso, foram chamados de gregos de África). Até os dias de hoje, os Kôngo resolvem os problemas na base de diálogo. Nunca existiu a pena de morte entre os Kôngo porque não faz sentido um homem decretar a morte do outro homem. Há adágio que diz: “Todo chefe eleito respeita a formiga; respeita o capim. Todo cidadão é rei e não pode ser morto em nenhuma circunstância”.

– Depois de Mvêmb’a Ñzînga Dom Afonso vencer os constitucionalistas em 1506 (entenda esse confronto em “Veja mais sobre a entrevista”), ele chegou a realizar um desfile em Setembro de 1509 e em 15013 numa praça que reuniu mais de 1000 pessoas. Estas pessoas eram representantes das linhagens que manifestavam lealdade a ele. Isto é, devemos contar mais de 1000 mbuku (municípios). Ora, por norma, cada aldeia  deve ter doze famílias, e cada mbuku deve ter doze aldeias. Fazendo bem as contas, se cada família pode ter no mínimo 5 integrantes, podemos dizer que, em 1509 e 1513, uma parte de Mbânz’a Kôngo tinha cerca de  600.000 habitantes. Madîmba ma Kôngo era mais populoso ainda, tal como nos indica os relatórios de viagem. O fato de, entre 1491 e 1717,  terem saídos do Kôngo perto de 13.000.000 kôngo – nas estatísticas de Dieudonné Rinchon – tudo indica que Kôngo tinha uma grande população – explica Patrício.

Veja mais sobre a entrevista

Natalia da Luz – Nessa época, o  que os portugueses consideravam democracia? Como a chegada do europeu e o tráfico de pessoas interferiram política e socialmente na democracia da região?

Patrício Batsîkama – Os portugueses não encontraram no Rei Kôngo (Ñtôtila) os poderes que tinham o monarca de Portugal. O Rei kôngo era eleito, e isso surpreendeu-os. Os juízes também eram eleitos, e isso foi espanto para eles. Até os militares tinham um Lûmbu militar no seu kilûmbu. A patente mais alta era eleita, também. Toda promoção militar foi na base de consentimento coletivo.


Patrício Batsîkama


O tráfico negreiro é a principal causa. Em 1506, os portugueses interfiram no aparelho de Estado Kôngo, colocando Mvêmb’a Ñzînga como rei. Este nunca foi eleito e nem o seu poder foi legitimado pelo Nsaku. Os Kôngo lutaram para instaurar a constitucionalidade entre 1506 até 1706, e a desordem foi instalada no Kôngo. Em 1506, os Mpânz’a Lûmbu lutaram, e Mvêmb’a Ñzînga Dom Afonso I (apoiado pelos portugueses) venceu. Mbânz’a Kôngo foi dividido em duas cidades. A atual cidade de Mbânz’a Kôngo é a cidade de Dom Afonso Mvêmb’a Ñzînga. Madîmba ma Kôngo foi separada da capital.

Em 1665, realizou-se a grande batalha para expulsar todos os portugueses inimigos do Kôngo, mas sem sucesso. Entre 1702-1706 realizaram-se kimpâsi restauração do Kôngo através da religião dos ancestrais). Mas Nsîmb’a Vita ou Kimp’a Vita foi queimada pelos católicos portugueses, numa lei canônica que já não vigorava. Durante esse tempo todo, a reserva social/humana (povo) foi escravizada e vendida (como se vende um quilo de açúcar). Todas as instituições políticas, religiosas, culturais, sociais… ficaram sem suporte.

Natalia da Luz – Como era o modelo de justiça e “governo”? Você diz que era baseado na obediência e respeito. Esse formato era incompreensível para os portugueses?

Patrício Batsîkama – Justiça: quando um Kôngo de Mbânz’a Kôngo diz que “eu sou pessoa”, isso é diferente de um Kôngo de Makela, embora a frase seja a mesma. Em Mbânz’a Kôngo, “muntu” é pessoa socializada consoante o diálogo, é agricultor. Em Makela, o “muntu” é a pessoa socializada em armas, militar ou religioso, agricultor/caçador. A justiça faz-se na base do pacote de socialização de cada um. O juiz que recebe uma queixa, informa os interessados (queixado e queixoso) que se faz apresentado pelos seus devidos advogados (mpôvi).

No decorrer do julgamento – caso as partes não se entendam – havia um Conselho composto de juízes oriundos da jurisdição dos queixosos/queixados. O tribunal poderia levar vários anos, pois o objetivo final era de juntar as famílias, independentemente do resultado final. Obediência/respeito kôngo estavam ligados às normas que cada um aprendeu na iniciação de passagem, iniciação para exercer uma função social e iniciação secreta. Os portugueses não poderiam perceber isso tudo. É só ver o padre Cavazzi que se espanta da Ñjîng’a Mbandi convertida, mas que ainda mantinha o respeito e obediência aos seus ancestrais. Ou ainda, do rei Ñzîng’a Nkûwu que, apesar do batismo, nunca deixou de venerar os seus ancestrais.


The Banza or Residence of the King of Kongo called S. Salvador.” – DAPPER, Olfert. Description de L’Afrique. Amsterdam: W. Waesberge, Boom et Van Someren, 1686. Pp. 343-344.


Governo: antes de Mvêmb’a Ñzînga optar pelo modelo português, o Governo Kôngo tinha, por um lado, o Lûmbu e os ministro de Estado ligado ao Lûmbu. O chefe militar (Ministro da Defesa) não dependia do Ñtôtila (Rei), por exemplo. Havia, também, os ministros ligados ao rei, tendo o Chefe de Governo o Ntûdi’a Kôngo (ou Nkasi’a Kôngo): Primeiro ministro. No meu livro Lûmbu tentei reconstruir, a partir da tradição oral analisada e comparada, o que teria sido o aparelho do Governo no antigo Kôngo. Existia o Ministro da Justiça (Mbênz’a Kôngo), Ñnâng’a Kôngo (Governador de Mbânz’a Kôngo), Ndông’a Kôngo (Ministro da Saúde/Educação), Mpâku za Kôngo (Ministro das Finanças), etc.

Natalia da Luz –  Hoje podemos estudar a região a partir de um outro ponto de vista. Como as suas pesquisas puderam esclarecer e contribuir para a percepção e entendimento do Reino do Kongo?

Patrício Batsîkama – Sobrevalorizei a tradição oral na minha pesquisa, e hoje essa fonte tem mais credibilidade em Angola. Ela parece explicar melhor que as fontes escritas, sobre a história do Kôngo antes e nos primeiros momentos dos portugueses. É o caso de Mvêmb’a Ñzînga. As escritas dizem que ele sucedeu ao pai dele consoante a lei. A tradição oral indica que ele usurpou o poder, com o apoio dos portugueses. Nas normas kôngo, o filho nunca sucede ao seu pai. Ora, Mvêmb’a Ñzînga sucedeu ao seu pai. Já é uma anomalia!

Todo poder deve ser investido na tradição kôngo. Ora, Mvêmb’a Ñzînga não o foi investido pelo Nsaku. Nsaku e Mvêmba são da mesma família e não se pode haver investidura. Logo, pensa-se que a legitimação, pelas escritas, de Mvêmb’a Ñzînga explica claramente o plano dos portugueses de instalar o modelo português, do monarca onde o filho sucede ao seu pai. Outra coisa: Mvêmb’a Ñzînga sucede ao seu pai alguns dias depois da sua morte. Ora, a sucessão levava mais de 3 anos, por norma. Começava com enterro do defunto rei (que poderia levar 3 a 5 meses). Passava pelo tempo de komba, um ano kôngo (seis meses). Depois, o Nsaku Ne Vunda assumia-se como interino  durante todo processo de candidatura e novas eleições. Eu acho que a minha démarche metodológica não só sobrevalorizou a tradição oral, mas sobretudo, abriu outro caminho de perceber a História do Kôngo. É um diálogo entre os acadêmicos.

Natalia da Luz – Você aborda as questões orais. Qual o percentual da pesquisa foi oral e escrita (com influências de Portugal)? Como foi o lançamento em Portugal? Porque lançou primeiro lá?

Patrício Batsîkama –  O meu livro LÛMBU, a versão publicada (112 páginas), é um resumo de perto de 370 páginas. Fiz questão de sintetizar para facilitar a leitura. Foram mais de 3500 recolhas de tradições orais: 80% delas já se encontram em arquivos, artigos e livros. A Universidade Católica na Bélgica tem um espólio grande sobre as escritas dos Kôngo, sobre a História deles. A Biblioteca da Suécia tem mais de 600 cadernos, onde encontramos perto de 1300 informações importantes. Jean Cuvelier publicou Nkutama mvila za makanda, onde há mais de 500 tradições orais. Durante a colonização, o Mensário Administrativo publicou várias tradições de Cabinda, Congo, etc.

Eu próprio recolhi centenas de tradições orais. Fiz a comparação de todas essas. Depois tive que comparar com arquivos, livros antigos (século XV-XVIII). Fiz o primeiro lançamento na Fundação OKUMA (espaço de um angolano: Trofa Real), em Lisboa, por uma razão muito simples: Foi um recado a Portugal que Angola já tinha a democracia quando eles chegaram nas nossas terras, de maneira que solicitava Portugal evitar toda ingerência na jovem democracia de Angola. Foi um recado para não cometer os mesmos erros no passado.

Natalia da Luz – A origem do Reino do Kongo se dá com Mbanza Kongo. Como esses estudos contribuem para o reconhecimento de Angola como região importante para toda a África e mundo?

Patrício Batsîkama –  – Milhares de americanos (brasileiros, cubanos, norte-americanos, etc.) vieram do Kôngo. Acho que seria justo saber como esse povo Kôngo se formou. Daí a importância dos meus estudos. Os Kôngo vieram de três grandes sub-regiões africanas, e é importante olhar nele como modelo na construção das nações modernas. África foi desenhada na Conferência de Berlim, de maneira que as repúblicas atuais são assoladas por questões de tribalismo, por exemplo. O Kôngo era um conjunto de 144 tribos diferentes que selaram, pela vontade institucionalizada, o seu país. Os Estado-nações modernos vão nessa linha, e o caso do Kôngo pode servir.