Ẹ kọ́ èdè Yorùbá lọ́dọ̀ Olùkọ́ Orlandes àti pé, láfikún sí i, ẹ jẹ́ kí àwọn Òrìṣà tọ́ ọ padà síbi tí ẹ ti wá. Ẹ jẹ́ kí èrò inú rẹ lágbára, kí ó lómìnira, kí ẹ ṣe àwọn àṣàyàn tó dára, kí ẹ sì di olórí rere - Aprenda o idioma yorubá com o Professor Orlandes e, além disso, deixe os orixás guiá-lo de volta à origem. Que vossa mente seja forte, livre, faça boas escolhas e se torne olórí rere.
Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário). Ìwé gbédègbéyọ̀ (Vocabulário) Ofò, òfìfo = vácuo, vazio, o nada. Àlàfo = espaço entre duas coisas. Asán = vaidade, vazio, orgulho. Inútil. Wà lásán = viver por viver. Ṣófo = estar vazio. Àlàfo = espaço entre duas coisas. Físíksì kùátọ̀mù, físíksì kúántù = física quântica.
Vácuo quântico seria o espaço no qual aparentemente não existe nada para um observador qualquer, mas que contém uma quantidade mínima de energia, campos eletromagnéticos e gravitacionais principalmente e partículas virtuais (partículas de força) interagindo entre si.
Ìròhìn Figueiredo àti ìpakúpa ti ìbílẹ̀ ní ilẹ̀ Bràsíl. O relatório Figueiredo e o genocídio indígena no Brasil. Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário). Ìwé gbédègbéyọ̀ (Vocabulário). Ìròhìn, ìròìn, s. Notícias, reportagens. Àti, conj. E. Usada entre dois nomes, mas não liga verbos. Ìpakúpa, s. Genocídio, holocausto. Ti ìbílẹ̀, ti ilẹ̀, ti ìlú, ti ọmọ-ìbílẹ̀, adj. Indígena, aborígene. Ọmọ-ìbílẹ̀, ẹ̀yà abínibí, onílẹ̀, ìbílẹ̀, s. Índio, nativo, aborígine, indígena. Ti, prep. De (indicando posse). Ní, prep. No, na, em. Ilẹ̀, s. Terra, solo, chão. Bràsíl, s. Brasil.
1. O relatório Figueiredo e o genocídio indígena no Brasil Na sexta feira passada, uma postagem revoltante foi ao ar aqui no blog Noite Sinistra, falo do texto que retratava o Holocausto ocorrido no hospital psiquiátrico Colônia, em Barbacena, Minas Gerais (clique aqui para recordar). O assunto mexeu um tanto com esse que voz escreve, principalmente pelo fato de cerca de 60 mil pessoas terem morrido dentro dos murros dessa instituição que jamais deveria ser chamada de hospital, e até hoje ninguém ter sido punido pelo acontecido. Nos dias que sucederam a publicação dessa postagem, eu procurei na internet por outros casos parecidos envolvendo massacres em terras brasileira. Abaixo eu compartilho com vocês o resultado dessa pesquisa. Como de uma Fênix se tratasse, 45 anos depois de ser misteriosamente “destruído” em um incêndio, um relatório, que detalha atrocidades contra índios brasileiros nas décadas de 40, 50 e 60, ressurgiu do nada. Encomendado pelo Ministério do Interior em 1967, o Relatório Figueiredo causou um clamor internacional depois de revelar crimes contra a população indígena cometidas por latifundiários poderosos e pelo próprio Serviço de Proteção ao Índio. O documento com mais de 7 mil páginas foi compilado pelo Procurador Jader de Figueiredo Correia, ali encontramos detalhes de assassinatos em massa, tortura, escravidão, abuso sexual, roubo de terras e inclusive guerra bacteriológica contra a população indígena do Brasil. Como resultado, algumas tribos foram totalmente dizimadas. O relatório foi recentemente redescoberto no Museu do Índio e agora, se não "pegar fogo" providencialmente de novo, será considerado pela Comissão Nacional de Verdade do Brasil, que está investigando as violações de direitos humanos ocorridas entre 1947 e 1988. Um dos muitos exemplos chocantes que podemos encontrar no relatório descreve o "massacre do paralelo 11", em que bananas de dinamite foram lançadas de um pequeno avião sobre a aldeia de índios Cinta Larga. 30 pessoas morreram, apenas dois sobreviveram para contar história. Mas os latifundiários e madeireiros cometeram um sem número de outros crimes horrendos, por exemplo, centenas de índios foram envenenados com açúcar misturado com arsênico, muitos foram torturados em um instrumento conhecido como o "tronco" que permite ao algoz esmagar lentamente os tornozelos das vítimas. As descobertas de Figueiredo correram o mundo e um artigo intitulado "Genocídio", em 1969, no Sunday Times, descrevia: - "Do fogo e espada ao arsênico e balas – a civilização enviou seis milhões de índios para a extinção". Este artigo foi o responsável por um pequeno grupo de pessoas ter se mobilizado para criar a Survival International naquele mesmo ano. Com o clamor da opinião pública, o governo instituiu um inquérito judicial para apurar os fatos, 134 funcionários foram acusados de mais de mil crimes, resultando na demissão de 38 funcionários, mas ninguém foi preso pelas atrocidades. O vergonhoso Serviço de Proteção ao Índio deu lugar a FUNAI. No entanto, mesmo que grandes extensões de terras indígenas tenham sido demarcadas desde então, as tribos brasileiras continuam a lutar contra a invasão de suas terras por madeireiros, fazendeiros e colonos ilegais. Em palavras do diretor da Survival International, Stephen Corry: - "O relatório Figueiredo faz uma leitura horrível, mas de alguma forma, nada mudou: quando se trata do assassinato de índios, reina a impunidade. Homens armados matam rotineiramente índios com a consciência que há pouco risco de serem julgados e punidos, nenhum dos assassinos responsáveis por atirar contra líderes Guarani e Makuxi foi preso por seus crimes. É difícil não suspeitar que o racismo e a ganância estão na raiz do fracasso do Brasil em defender as vidas de seus cidadãos indígenas". Ao longo dos séculos a civilização humana, os chamados "povos desenvolvidos", perseguimos com vontade o genocídio dos povos indígenas, por claros interesses econômicos e ideológicos, e isto está, infelizmente, muito longe de se bastar. Em 2006 um vídeo foi publicado de forma anônima no Youtube, ele mostrava fazendeiros, com o apoio de autoridades locais, expulsando repórteres da referida cidade. Mais tarde este vídeo foi editado e postado como o título "Amazônia, uma região de poucos" que você pode ver logo abaixo. O vídeo mostra um grupo de repórteres do Greenpeace, da Opan e alguns jornalistas franceses, que foram até a região para entrevistar os membros de uma tribo que teve suas terras invadidas, sendo levados para a Câmara Municipal, onde uma sessão especial foi celeremente organizada. Todas as autoridades locais estavam presentes e mais de 50 fazendeiros, que insistiam em dizer que a entrada do grupo não seria permitida e que a coisa poderia ficar "perigosa" se insistissem no encontro. Em algum momento alguém chega mesmo a dizer que "Os índios são nossos", retratando bem o grupo que decidiu acabar com direitos constitucionais da cidade. Para encurtar a história, os jornalistas temerosos (quem não ficaria?) decidiram cancelar encontro para evitar maiores conflitos, e foram para o hotel, onde os fazendeiros fizeram uma vigília durante toda a noite. De manhã cedinho, 30 caminhonetes lotadas, com faróis acesos buzinando sem parar, insultavam e ameaçavam o grupo, que teve de ser escoltado por duas viaturas policiais até o aeroporto. Ali foram advertidos a decolar imediatamente, ou o avião seria queimado.
2. COMISSÃO DA VERDADE: AO MENOS 8,3 MIL ÍNDIOS FORAM MORTOS NA DITADURA MILITAR
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) incluiu em seu relatório final um número limitado de 10 etnias indígenas entre as 434 vítimas de graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar entre 1964 a 1985. Segundo o relatório, no período investigado ao menos 8.350 indígenas foram mortos em massacres, esbulho de suas terras, remoções forçadas de seus territórios, contágio por doenças infecto-contagiosas, prisões, torturas e maus tratos. Muitos sofreram tentativas de extermínio.
No capítulo “Violações de direitos humanos dos povos indígenas” consta que entre os índios mortos estão, em maior número 3.500 indígenas Cinta-Larga (RO), 2.650 Waimiri-Atroari (AM), 1.180 índios da etnia Tapayuna (MT), 354 Yanomami (AM/RR), 192 Xetá (PR), 176 Panará (MT), 118 Parakanã (PA), 85 Xavante de Marãiwatsédé (MT), 72 Araweté (PA) e mais de 14 Arara (PA).
O relatório afirma que o número real de indígenas mortos no período pode ser maior.
Deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para desencorajar estimativas”.
A investigação sobre as mortes dos índios brasileiros foi publicada no capítulo do relatório denominado “Violações de direitos humanos dos povos indígenas” de responsabilidade individual da psicanalista Maria Rita Kehl. O capítulo não responsabiliza os autores dos crimes, mas recomenda a continuidade das investigações, pedidos públicos de desculpas do Estado, regularização das terras, desintrusão, recuperação ambiental das reservas e a reparação coletiva.
O capítulo reconhece “o Estado brasileiro pela ação direta ou omissão, no esbulho das terras indígenas ocupadas ilegalmente no período investigado e nas demais graves violações de direitos humanos que se operaram contra os povos indígenas articuladas em torno desse eixo comum”.
Atualmente a população brasileira é composta por 900 mil índios de 305 etnias, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O pesquisador Maiká Schwade, integrante do Comitê Estadual de Direito à Verdade, Memória e Justiça do Amazonas, disse à Amazônia Real que o relatório final da CNV é, em parte, uma vitória dos movimentos sociais de modo geral e em particular dos movimentos que puseram em discussão a questão indígena, mas ele criticou a “superficialidade” do capítulo dedicado aos povos indígenas.
Maiká Schwade, que é doutorando em Geografia Agrária, defendeu a criação de uma comissão cujos trabalhos completem a investigação da CNV.
“São mais de 8.500 mortos que permanecem sem direito a identidade pessoal e política, como se fossem pessoas de segunda categoria ou nem isso. É preciso ficar claro de que não são 434 vítimas, mas 8.934 ou mais. Todos têm nome, todos morreram por uma causa. Que causa defendiam os 8.500 nomes esquecidos?”, questionou Maiká que, junto com seu pai, Egydio Schwade, realizou um vasto trabalho de pesquisa de violações nas décadas de 70 e 80 contra o povo Waimiri-Atroari, no Amazonas. Parte das apurações do Comitê serviu de base para o relatório da CNV.
Maiká Schwade destaca que é preciso uma nova investigação formada por uma comissão pluricultural.
“Isso é importante para que não seja criado um espaço segregado aos mortos e desaparecidos indígenas, mas concluir a relação das vítimas da ditadura militar no Brasil, incluindo a luta política indígena e camponesa por seus territórios invadidos. Reconhecê-los como protagonistas e vítimas são passos importantes para conhecermos o Brasil, nossa diversidade cultural e política e para a reparação das injustiças históricas, como a necessária desintrusão dos territórios invadidos por grileiros”, disse.
Veneno e pistolagem mataram índios Cinta-larga
A psicanalista Maria Rita Kehl começou a investigar as violações de direitos humanos contra os indígenas e componeses brasileiros em novembro de 2012. Ela visitou aldeias indígenas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do país.
Segundo a investigação, os índios da etnia Cinta Larga, que vivem entre o noroeste do Mato Grosso e sudeste de Rondônia, foram violentamente atacados. Desde a década de 50, estima-se que uma população de 5 mil Cinta Larga morreu por diversos motivos: envenenamento por alimentos misturados com arsênico; aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola; e assassinatos em emboscadas, nas quais suas aldeias eram dinamitadas ou por pistoleiros.
“Muitas dessas violações de direitos humanos sofridas pelo povo Cinta Larga foram cometidas com a conivência do governo federal, por meio do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), e depois da Funai, o que permitiu a atuação de seringalistas, empresas de mineração, madeireiros e garimpeiros na busca de ouro, cassiterita e diamante no território dos Cinta Larga, omitindo-se a tomar providências diante dos diversos massacres que ocorreram na área indígena”, diz o relatório.
O povo Waimiri-Atroari sofreu ameaça de extinção nos anos 80 (Foto: PWA)
O genocídio dos 2.650 Waimiri-Atroari
Em 2013, a psicanalista Maria Rita Kehl esteve na Terra Indígena Waimiri-Atroari, entre o Amazonas e Roraima, para investigar o massacre de 1.500 a 2.000 indígenas. O relatório final da comissão concluiu que foram mortos 2.650 índios da etnia.
O capítulo “Violações de direitos humanos dos povos indígenas” diz que os índios da etnia Waimiri-Atroari foram massacrados entre os anos 1960 e 1980. Neste período, a terra indígena foi afetada pela abertura, construção e pavimentação da BR-174 (que liga Manaus à Boa Vista (RR)), pela obra da hidrelétrica de Balbina, e pela atuação de mineradoras e garimpeiros interessados em explorar as jazidas que existiam no território.
A CNV relata que, conforme Censo da Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1972, a população de Waimiri-Atroari era de 3 mil indígenas. Em 1987 eram 420 índios e em 1983 apenas 350 pessoas.
Segundo o relatório, além da atividade mineradora, as terras dos Waimiri-Atroari foram também invadidas por posseiros e fazendeiros que se instalavam às margens da BR-174 e ao sul da reserva, em Roraima.
O documento diz que um estudo da Funai apontou que, em 1981, o governo do Estado do Amazonas emitiu 338 títulos de propriedade incidentes sobre a área da reserva Waimiri-Atroari. O esquema ficou conhecido como “grilagem paulista”.
“No bojo desse processo, o governo militar apoiou ainda iniciativas de colonização do território Waimiri-Atroari, com financiamentos de atividades agropecuárias por meio dos programas Polo Amazônia e Proálcool, que beneficiaram, entre outras empresas, a Agropecuária Jayoro”, afirma o relatório da CNV.
O indigenista José Porfírio Carvalho, responsável pelo Programa Waimiri Atroari, prestou depoimento à Comissão da Verdade em 2013. Ele foi testemunha do desaparecimento dos índios waimiri-atroari durante a construção da BR-174. “Em 1987 encontrei apenas 375 índios na reserva [antes havia 1.500]”, disse ele em entrevista à Folha de S. Paulo.
Carvalho também pediu a CNV uma investigação sobre a morte do sertanista Gilberto Pinto Figueiredo Costa, em 1974. “A versão dos militares é que encontraram o Gilberto morto pelos índios. Não vimos o corpo porque o caixão foi lacrado. Não sabemos se ele morreu flechado ou a tiro”, afirmou.
Em entrevista à agência Amazônia Real nesta quinta-feira (11), o indigenista José Porfírio Carvalho disse que, mesmo sem ter lido o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, mas pelo que tem acompanhando até momento da investigação, os casos de mortes e desaparecimentos devem continuar a serem apurados, assim como buscar os responsáveis pelos crimes.
“A apuração precisa continuar, ouvindo também o Exército, que deveria disponibilizar os arquivos com os documentos sobre as construções das estradas. Todos envolvidos no processo estão nesses documentos. Ficou faltando essa conversa com o Exército. Esta foi a minha primeira sugestão à CNV”, afirmou Porfírio.
O indigenista disse que, quando Maria Rita Kehl esteve na reserva Waimiri-Atroari ouviu os depoimentos dos índios na metade do ano passado.
“Ela conversou com os índios. Eles falaram o que tinham que falar. Eles são desconfiados, mas responderam todas as perguntas dela. Ela saiu satisfeita. Então, acho que é necessário que seja feita uma investigação real do que aconteceu. Aquelas mortes não podem ficar impunes. Que as pessoas que a executaram sejam punidas. Os índios não estavam fazendo revolução, eles estavam cuidando da terra deles, como é até hoje”, afirmou José Porfírio Carvalho.
As mortes de 354 Yanomami
Yanomami anda em pista próxima a aldeia Surucuru nos anos anos 90 (Foto: Kátia Brasil/AR).
Segundo o capítulo “Violações de direitos humanos dos povos indígenas” do relatório da Comissão da Verdade, a abertura do trecho da Perimentral Norte (BR 210), entre o município de Caracaraí e o limite entre os Estados de Roraima e Amazonas, provocou as mortes de 354 índios Yanomami e impactou diretamente cerca de 250 pessoas das aldeias do rio Ajarani e seus afluentes, além de 450 índios de malocas do rio Catrimani na década de 70.
O documento diz que a consequência da omissão da Funai (responsável pela saúde indígena na década de 70), causou diversas epidemias de alta letalidade, como sarampo, gripe e, malária, caxumba, tuberculose, além da contaminação por DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), eclodiram entre os Yanomami, vitimando, já no primeiro ano da construção da estrada, cerca de 22% da população de quatro aldeias. No extremo leste do território Yanomami, estima-se que cerca de 80% da população tenha morrido em meados da década de 1970.
Conforme a investigação, na década seguinte, o impacto contra os Yanomami aumentou com o avanço do garimpo ilegal, um problema que persiste até os dias de hoje. “O efeito contra a população indígena foi devastador com milhares de mortos de indígenas”, diz o documento.
Trecho do depoimento de Davi Kopenawa, principal liderança Yanomami, foi reproduzido no relatório:
“Eu não sabia que o governo ia fazer estradas aqui. Autoridade não avisou antes de destruir nosso meio ambiente, antes de matar nosso povo. […] A Funai, que era para nos proteger, não nos ajudou nem avisou dos perigos. Hoje estamos reclamando. Só agora está acontecendo, em 2013, que vocês vieram aqui pedir pra gente contar a história. Quero dizer: eu não quero mais morrer outra vez”.
A reportagem procurou Davi Kopenawa nesta quinta-feira (11) para comentar sobre o relatório da CNV, mas ele disse que ainda não tinha lido e por isso não poderia dar declaração.
Mas ele reiterou o que vem denunciando há vários anos: a atividade minerária ilegal na reserva Yanomami aumenta, apesar das operações de retiradas dos garimpeiros. “A gente consegue mandar eles embora, mas eles voltam. Parece que o garimpo nunca vai sair daqui enquanto os garimpeiros tiverem apoio das autoridades, dos homens que têm dinheiro. Esses nunca vão presos”, disse.
A invasão de empresas no território Sateré-Mawé
O relatório da Comissão Nacional da Verdade cita a invasão de território que acarretou em quatro mortes de índios da etnia indígenas Sateré-Mawé, na área do baixo rio Amazonas (AM). O relatório diz que em agosto de 1981, resguardada por um contrato de risco firmado com a Petrobras, a empresa estatal francesa Elf Aquitaine invadiu o território Sateré-Mawé, efetuando um levantamento sismográfico que visava descobrir lençóis petrolíferos.
De acordo com a investigação, a empresa abriu 300 quilômetros de picadas (caminho na floresta) e clareiras para possibilitar o pouso de helicópteros na região do rio Andirá (em Barreirinha), derrubando indiscriminadamente a mata.
Em setembro de 1982, após um convênio ilegalmente firmado entre a Funai e a Petrobras, a mesma empresa voltou a invadir o território Sateré-Mawé, segundo o relatório. Dessa vez, a Braselfa, subsidiária da Elf-Aquitaine no Brasil, e a Companhia Brasileira de Geofísica (CBG), operaram nas áreas da cabeceira do Marau e no Andirá, efetuando novo levantamento sismográfico.
“Mesmo após a retirada da empresa da área, os danos permaneceram, já que a mesma deixou enterradas nas picadas inúmeras cargas de dinamite, levando à morte Maria Faustina Batista, Calvino Batista, Dacinto Miquiles e Lauro Freitas”, diz o relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Participaram do grupo de trabalho “Graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas”, além de Maria Rita Kehl, os pesquisadores Heloísa Starling e Wilkie Buzatti, além do colaborador voluntário Inimá Simões.
O líder Davi Yanomami em manifestação contra a violência aos índios em 1991, em Roraima (Foto: Kátia Brasil/AR)
3. Houve extermínio sistemático de aldeias indígenas na ditadura.
Najla Passos
Brasília - Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Tiuré descreve o que testemunhou das atrocidades cometidas pela ditadura contra os índios, critica a participação dos irmãos Vilas Boas no processo, cobra autonomia para as nações indígenas e reivindica que o país dê o passo histórico necessário para o reconhecimento dos povos originários que, segundo ele, embora não conste nos registros oficiais, são tão vítimas dos militares quando estudantes, operários, militantes e camponeses.
“Pode parecer irônico falar isso, mas a repressão, as torturas, as atrocidades cometidas no meio urbano parecem maior, parecem que doeram mais do que as que foram cometidas contra os índios. Hoje se fala em 400 desparecidos nas cidades, mas nós podemos falar em cinco mil desaparecidos indígenas, porque houve extermínio sistemático de aldeias. Era uma política de estado”, afirma.
Qual a sua etnia, a sua região de origem?
Eu sou da etnia potiguara, do litoral da Paraíba. Antes, nós ocupávamos um território que ia da Paraíba ao Maranhão. Hoje em dia, estamos reduzidos somente ao norte do estado, na costa.
E como foi seu envolvimento com a ditadura militar?
Na década de 1970, eu era funcionário da Funai e, lá dentro, eu pude ver a política oficial da ditadura com relação aos índios. Impossibilitado de conviver com aquilo, abandonei o órgão e, convidado pelo líder de uma aldeia parkatejê, fui embora para a Amazônia, ajudá-los a se organizar para combater os militares. A aldeia ficava no sul do Pará, numa região já marcada pelo combate à Guerrilha do Araguaia. Era uma região de forte presença dos militares.
E a ditadura tinha, de fato, essa política de dizimar aldeias, cometer abusos e violações de direitos humanos contra os indígenas?
Isso hoje tá comprovado. Havia um coronel chamado Amauri, chefe da Funai em Belém, que usava de todos os métodos para exploração, por exemplo, do ouro e da castanha do Pará, obrigando os índios a trabalharem em sistema de escravidão. Ele usava a repressão, a violência, atirava... o grupo parkatejê já era considerado exterminado. De 1964 até 1975, a etnia perdeu mais de mil pessoas. Um processo de dizimação mesmo, porque já estava em andamento a tática da ditadura de ocupação da Amazônia, com os grandes projetos, como a transamazônica. E todo esse projeto eu vi dentro da Funai, quando ainda trabalhava lá. E era um projeto já ditado pelos americanos. Eu tive acesso a diversos documentos. Eu não sabia ler em inglês, mas compreendida os relatórios do adido militar americano no Brasil. Então, já existia um entendimento para desocupação desta área para exploração dos grandes projetos, como Carajás, Tucuruí, as grandes linhas de transmissões, a ferrovia, Serra Pelada... e os índios atrapalhavam, porque estavam em cima dessa região.
E você participou ativamente da resistência indígena?
Sim, e em consequência disso, tive que ficar dois anos escondido na mata, porque o Exercito estava atrás de mim, a Polícia Federal tinha ordem para me prender. Como eu não pertencia à aldeia, eles achavam que era eu que estava acirrando os índios. Fui considerado subversivo, agitador, não podia sair. Eles iam até de helicóptero atrás de mim. A perseguição fui muito grande, não só para mim, mas para outras lideranças também. E houve mortes, sequestros, torturas que, por ocorrerem na floresta, por não se darem no ambiente urbano, era muito mais impune, muito mais abafada. Tanto é que até hoje se procuram os guerrilheiros do Araguaia.
Na floresta, os militares usaram de todas as atrocidades possíveis, porque acharam que iam ficar totalmente cobertos, que não haveria testemunhas e que esta história nunca viria à tona, como está acontecendo hoje. E obrigavam os índios, por exemplo, a ajudá-los a eliminar os guerrilheiros. Colocavam os índios na frente, como bate-paus, para identificar os acampamentos. Como foi o caso dos suruís.
E esses índios ainda estão vivos, podem ajudar a recontar a história, a localizar ossadas?
Eu mesmo passei por um cemitério de guerrilheiros quando estava na companhia dos suruís. Nós estávamos fazendo um levantamento da área suruí para saber se havia possibilidade de extrair castanha. Já havíamos feito isso com os parkatejês, que são vizinhos, e eles também queriam uma fonte de renda própria, para não ter mais que depender da Funai. E eu fui designado para ir ajudá-los. A gente andava muito pela mata e, em uma dessas caminhadas, o grupo que estava comigo falou: “Tiuré, aqui estão enterrados os camará”. Camará são os brancos que estavam na área, os guerrilheiros do Araguaia. Devem ter alguns desses índios vivos até hoje. Eles eram mais velhos do que eu. E se eu estou com 63 anos, então devem ter 70 ou 80 anos. E no lugar dava pra ver realmente que não tinha mata, que existiam algumas covas rasas, bem na beira de um rio. É claro que, depois, os índios viram também militares voltarem lá para as tais “operações limpeza”, a retirada dos ossos. Mas os militares não eram assim tão minuciosos. Ainda podem haver alguns vestígios da presença de guerrilheiros por lá. Neste cemitério específico, eu soube que haviam sido enterrados três guerrilheiros.
Como os suruís lidavam com a violência praticada pelos militares?
Isso acabava com eles. Os suruís tiveram muitas índias estupradas. Se você for hoje na aldeia, ainda há filhos de militares do Exército, de soldados e mesmo dos de patentes altas. Os militares fizeram campos de aviação na área. Os índios não podiam sair da aldeia. Toda a liberdade que eles tinham foi reduzida. E aqueles que não participavam das ações militares eram reprimidos e até mortos. Uns tinham que fugir dali. Então, os suruís foram vítimas, foram amordaçados dentro de seu próprio território, e obrigados a caçar os guerrilheiros, com quem eles já haviam estabelecido contato e relação de amizade. Porque, entre os guerrilheiros tinham dentistas, médicos que mantinham relações amistosas com eles. Iam na aldeia, trocavam milho, enfim, tinham um bom relacionamento antes da repressão chegar na floresta. Eles conheciam mesmo os guerrilheiros, e tinham conhecimento da região como a palma da mão. E, numa das ações, eles localizaram um acampamento, foram na frente, e o Exército chegou atrás, pegou os guerrilheiros totalmente desprevenidos, sem condições de reação. Os militares executaram todos eles e ainda obrigaram os índios a participar do ritual de corte de cabeças. Quando eu cheguei na aldeia, uns dois anos depois, esse ritual ainda afetava muito os suruís. Achavam que foi uma prática tão bárbara contra outro ser humano que não conseguiam superar.
Você já pediu reparação ao estado brasileiro pelos crimes cometidos contra você?
Eu já dei entrada no pedido de anistia política. Não pelo dinheiro, mas por acreditar que meu reconhecimento como anistiado vai abrir uma porta para que outros índios, como os suruís, também consigam. Eu também já me coloquei à disposição para voltar a área, recuperar a confiança dos suruís e pedir que eles ajudem os brancos a localizar os corpos dos camarás, para que as respectivas famílias possam fazer os devidos rituais para os seus mortos. Para que possam vencer essa etapa da sua história. Estou aguardando o retorno das autoridades, mas até agora nada.
Você acha que existe algum tipo de resistência em incluir os índios como vítimas da ditadura? Como se os índios fossem os excluídos dos excluídos?
A sociedade brasileira vem de uma herança colonizadora que já soma 500 anos de exclusão indígena. Até hoje nós não temos nossa história contada por nós mesmos. Há sempre uma história oficial que se sobrepõe. Então, esse reencontro da sociedade branca com a sociedade indígena, a tal reconciliação de que tanto se fala hoje, passa por esse reconhecimento do outro, pela aceitação dos primeiros habitantes desta terra, da sua cultura, da sua herança cultural para o povo brasileiro. Infelizmente, ainda não temos esse respeito. A resistência à aceitação dos índios como vítimas da ditadura é muito grande. Pode parecer irônico falar isso, mas a repressão, as torturas, as atrocidades cometidas no meio urbano parecem maior, parecem que doeram mais do que as que foram cometidas contra os índios. Hoje se fala em 400 desparecidos nas cidades, mas nós podemos falar em cinco mil desaparecidos indígenas, porque houve extermínio sistemático de aldeias. Era política de estado. Então, nós estamos tentando levantar essa documentação para comprovar isso. Tem muita coisa que foi publicada no exterior, e também estamos buscando os documentos existentes no Brasil. E, principalmente, os relatos de pessoas que ainda estão vivas. Que estão velhos, mas estão vivos.
É a oportunidade do estado brasileiro dar um passo a frente no reconhecimento do outro, do índios brasileiro que foi afetado não só pela ditadura, mas é até hoje. É a questão da terra, do desenvolvimento impulsionado de cima para baixo. Seja a soja, o minério, a exploração dos recursos hídricos dos territórios indígenas. No Canadá, eu participei do movimento indígena canadense e é muito diferente daqui.
Você viveu no Canadá, quando?
Eu fui em 1985 porque, quando se fala em abertura política, estamos falando de uma questão teórica, porque a ditadura continuava, principalmente no meio do mato, no interior. Dura até hoje. O coronelismo ainda está lá. O poder político, os currais eleitorais, estão lá. Os assassinatos das lideranças indígenas e das lideranças rurais, as queimas de arquivo, a impunidade, tudo isso continua. E se eu saí do país em 1985, é porque já não existia mais nenhuma possibilidade para mim. Se eu não saísse, eu não estaria hoje aqui contando essa história. Foi a possibilidade de consciência, porque muitos outros índios não tiveram condições de sair. No Canadá, pedi reconhecimento como refugiado político. Foi um processo longo, que levou cinco anos de investigações. O governo canadense até veio ao Brasil investigar minha história. E eu consegui provar tudo o que dizia. Considero o meu reconhecimento como refugiado como uma condenação do Brasil. A primeira condenação por violações aos direitos de um índio. O assunto teve grande repercussão na imprensa internacional.
E como é no Canadá?
É claro que o Canadá não é um paraíso para os índios, mas eles estão bem mais avançados nessas questões de direitos humanos. Eles já participam dos royalties, por exemplo, das companhias que exploram petróleo, que utilizam os recursos hídricos, através de hidrelétricas. Eles participam dos lucros das empresas e os gerem de forma mais autônoma.
Então, você discorda dessa política brasileira de tutela dos índios?
Claramente. Hoje se fala muito em autossuficiência, se fala em autossustentabilidade, mas não se dar autonomia financeira para os índios. O que se tem hoje são migalhas, reparações financeiras que só resolvem o problema temporário. Essas indenizações não significam nada. Nós queremos é participar dos lucros dessas empresas. Nós queremos ter a nossa universidade. Eu estudei numa universidade indígena canadense financiada com os recursos dos indígenas, com professores indígenas. Nós queremos universidades nas nossas áreas, queremos hospitais para atendimento 24 horas nos nossos territórios. Nós temos um problema grave em educação e saúde que não se resolve com indenizações pontuais. Na minha área potiguara, ainda há uma usina funcionando que foi instalada pela ditadura. A maior reserva de titânio do Brasil tá lá na nossa área. E uma mineradora explora. E tem uma aldeia há 4 Km dessa exploração em que as pessoas estão morrendo à míngua. É uma situação insustentável. Tem que haver uma mudança. Temos que discutir a participação nos lucros dessas empresas.
Assim como os estados estão brigando pelos royalties, nós também, os primeiros povos, queremos royalties, porque estamos sendo explorados em nosso território. Na época da ditadura, o Exército entrou na nossa área [Potiguara] e garantiu terras para grandes latifundiários e grandes companhias internacionais. Nós perdemos um terço do nosso território durante a ditadura. Eles deram até um atestado de óbito para nosso povo, dizendo que não existiam mais potiguaras na área. E com esta certidão negativa, conseguiram financiamento do Banco Mundial. A Funai é responsável por tudo que aconteceu com o povo indígena.
Na sua experiência na Funai, você deve ter convivido com os irmãos Villas Boas. Qual foi o papel deles neste contexto todo?
Eu tenho uma crítica muito grande aos Villas Boas. Eles são considerados os humanistas, não sei nem como ainda não foram laureados pelo Nobel, porque conseguiram uma publicidade incrível. Mas eles participaram desse processo de aprisionamento das nações indígenas, como se quisessem criar um zoológico. O Xingu é isso. Na época da ditadura, os interesses de deslocar as aldeias para desenvolvimento da economia levou os militares a usar os Villas Boas para criar aquele Parque do Xingu, que não é nada mais do que você colocar diferentes aldeias, muitas delas que viviam em guerra culturais seculares, todas juntas. Línguas diferentes, culturas diferentes, tudo no mesmo território. E os Villas Boas participaram disso e acabaram criando um cenário de propaganda do regime.
O Xingu virou o cartão postal da política indigenista. Aquela coisa mais supérflua, mais teatral, para os militares promoverem festas e lotarem aviões de gente par aos verem sendo fotografados com os índios. Para mim, os Villas Boas foram complacentes com a ditadura. Olha, eu entrei na Funai com a visão de que a política dos militares para os índios era aquela do Marechal Rondon: “morrer se for preciso, mas matar nunca”. Mas, na verdade, a cartilha deles era o contrário, era a cartilha americana: “índio bom é índio morto”. Então, temos que desmistificar essas histórias impostas pelo regime e contar a nossa história. É isso o que esperamos da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão da Anistia.
Hoje, você milita em alguma organização indígena?
Não. Eu estou ligado a minha aldeia, uma aldeia pequena. Não sou de partido nenhum, não pertenço a nenhuma ONG. A minha intenção é criar uma resistência indígena nacional. É com este intuito que voltei ao Brasil. O movimento indígena, na minha época, tentava se organizar. Hoje, há muitas lideranças cooptadas, com cargos no governo, na Funai, com acordos desvantajosos com a iniciativa privada. Por isso, minha intenção é ajudar na conscientização pra gente fazer um levante revolucionário, para retomarmos nossas terras.
4. Relatório aponta que mais de 2 mil índios Waimiri-Atroari desapareceram durante ditadura
Os dados serão acrescentados àqueles já existentes no inquérito civil público instaurado, em setembro deste ano, pelo procurador da República Julio José Araujo Junior, para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro pelas violações dos direitos do povo indígena Waimiri-Atroari.
Manaus, 17 de Outubro de 2012
ACRITICA.COM
Segundo denúncia de Eydio Schwade, aproximadamente 2 mil waimiris-atroaris desapareceram durante a ditadura (Euzivaldo Queiroz - 14/nov/2011)
O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) recebeu, na manhã desta quarta-feira (17), o 1º Relatório do Comitê da Verdade, Memória e Justiça do Amazonas, que relata “o genocídio do povo Waimiri-Atroari”. O relatório foi entregue durante solenidade realizada no auditório da OAB/AM.
Os dados serão acrescentados àqueles já existentes no inquérito civil público instaurado, em setembro deste ano, pelo procurador da República Julio José Araujo Junior, para apurar a responsabilidade do Estado Brasileiro pelas violações dos direitos do povo indígena Waimiri-Atroari durante a construção da Rodovia BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR).
Ele destacou, ainda, que o MPF vem acompanhando a atuação da Comissão da Verdade, em todo o país, e vem adotando medidas, nos âmbitos cível e criminal, para apurar essas violações contra os direitos humanos durante o período da ditadura militar. “O relatório soma ao trazer documentos que possam instruir esse inquérito e que contribuam para elucidar o que ocorreu nesse período”, afirmou o procurador.
Pioneirismo
O relatório, que conta com mais de cem documentos anexados e mais de 200 documentos referenciados, aponta o desaparecimento de mais de dois mil integrantes do povo indígena Waimiri-Atroari e estabelece a relação da construção da BR-174 com o massacre dos índios.
Durante o evento, o assessor da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Gilney Viana afirmou que o relatório entregue pelo comitê é simbólico e paradigmático. “É o primeiro relatório de um comitê que a Comissão Nacional da Verdade recebe. Geralmente, os comitês entregam documentos, mas não um relatório robusto. Além disso, é o primeiro relato focado na questão indígena”, disse Viana.
O assessor destacou também a parceria com o MPF. “A presença do Ministério Público é fundamental porque a Comissão da Verdade não tem competência para provocar o Judiciário, mas não é só por isso, é mais que isso, é a forma pela qual o Ministério Público dialoga com a sociedade e, particularmente, sobre um tema que uma parte do Estado se nega a dialogar”, afirmou.
Também presente ao evento, procurador regional dos Direitos do Cidadão, Felipe de Barros Carvalho Pinto, reafirmou o compromisso do MPF em acompanhar a atuação da Comissão. “Esperamos que, a partir do diálogo da Comissão Nacional da Verdade com o MPF, já iniciado, possam surgir ações concretas no sentido de esclarecer a sociedade, responsabilizar aqueles que devam ser responsabilizados e ajudar a reconstruir a verdade da história do país”, declarou o procurador.
Nkan tẹrẹ́ Gásà ní ilẹ̀ Bràsíl. A Faixa de Gaza no Brasil. Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário). Ìwé gbédègbéyọ̀ (Vocabulário). Nkan tẹrẹ́: faixa, tira. Àwọ̀tẹrẹ́: correia. Gásà: Gaza. Ní: no, na, em. Ilẹ̀: terra, solo, chão. Bràsíl: Brasil.
Indígenas ameaçam morrer coletivamente caso ordem de despejo seja efetivada Inserido por: Administrador em 10/10/2012. Fonte da notícia: Egon Heck/Cimi Estava trabalhando na memória histórica dos últimos 40 anos, na perspectiva da reedição do documento Y Juca Pirama - "O Índio aquele que deve morrer". Em dezembro de 1973 foi dado esse grito, por bispos e missionários, contra o genocídio indígena em curso pelos governos da ditadura militar. Enquanto buscava reunir denúncias e violências, mortes e massacres de povos indígenas nestes 40 anos, vejo um email, urgente do Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani. Ao ler o teor do comunicado fico estarrecido e me junto ao grito dos condenados- “que país é esse?". Diante do decreto de morte e extermínio surge a obstinada determinação dos povos de viver ou morrer coletivamente, conforme suas crenças, esperanças ou desespero. Esse grito certamente fará parte do manifesto "os povos indígenas, aqueles que devem viver", apesar e contra os decretos de extermínio. Não podemos calar ou ficar inertes diante desse clamor da comunidade Kaiowá Guarani, de Pyelito Kue/Mbarakay, no município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul. Não se trata de um fato isolado, mas de excepcional gravidade, diante de uma decisão de morte coletiva. Continuaremos sendo desafiados por fatos semelhantes, caso não se tome medidas urgentes de solução da questão da demarcação das terras indígenas desse povo. O grito Kaiowá Guarani "Sabemos que seremos expulsas daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai- MS." Esse é o comunicado da comunidade indígena para o Governo e Justiça Federal. "Nos matem e enterrem coletivamente", gritam das margens do rio Hovy "Comemos comida uma vez por dia. Passamos isso dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos o decreto da nossa morte coletiva e para nos enterrar aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. "Já aguardamos esta decisão. Assim, se é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay pedimos que nos enterrem todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos desse local com vida e nem mortos. Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado." (Carta da comunidade). Ao tomar ciência do teor da carta dessa comunidade, Eliseu Lopes, da Aty Guasu/APIB comentou. "É, isso vai se repetir muitas vezes se o governo não demarcar logo as nossas terras. Quando os nossos líderes religiosos decidem retornar aos tekoha (terras tradicionais de nossas comunidades) vão mesmo e ninguém segura”. Ele lamenta profundamente se chegar a esse ponto de desespero que poderá levar a muitas mortes. Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos. Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS. Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay Carta do Povo Kaiowá e Guarani à Presidenta Dilma Rousseff
Publicado em 3/2/2011 por: Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani “Presidente Dilma, a questão das nossas terras já era para ter sido resolvido há décadas. Mas todos os governos lavaram as mãos e foram deixando a situação se agravar”. O texto integra a carta do Povo Kaiowá e Guarani enviada à Presidenta Dilma Rousseff. Eis a carta. Que bom que a senhora assumiu a presidência do Brasil. É a primeira mãe que assume essa responsabilidade e poder. Mas nós Guarani Kaiowá queremos lembrar que para nós a primeira mãe é a mãe terra, da qual fazemos parte e que nos sustentou há milhares de anos. Presidenta Dilma, roubaram nossa mãe. A maltrataram, sangraram suas veias, rasgaram sua pele, quebraram seus ossos... rios, peixes, arvores, animais e aves... Tudo foi sacrificado em nome do que chamam de progresso. Para nós isso é destruição, é matança, é crueldade. Sem nossa mãe terra sagrada, nós também estamos morrendo aos poucos. Por isso estamos fazendo esse apelo no começo de seu governo. Devolvam nossas condições de vida que são nossos tekohá, nossos terras tradicionais. Não estamos pedindo nada demais, apenas os nossos direitos que estão nas leis do Brasil e internacionais. No final do ano passado nossa organização Aty Guasu recebeu um prêmio. Um prêmio de reconhecimento de nossa luta. Agora, estamos repassando esse premio para as comunidades do nosso povo. Esperamos que não seja um premio de consolação, com o sabor amargo de uma cesta básica, sem a qual hoje não conseguimos sobreviver. O Premio de Direitos Humanos para nós significa uma força para continuarmos nossa luta, especialmente na reconquista de nossas terras. Vamos carregar a estatueta para todas as comunidades, para os acampamentos, para os confinamentos, para os refúgios, para as retomadas... Vamos fazer dela o símbolo de nossa luta e de nossos direitos. Presidente Dilma, a questão das nossas terras já era para ter sido resolvido há décadas. Mas todos os governos lavaram as mãos e foram deixando a situação se agravar. Por último o ex-presidente Lula, prometeu, se comprometeu, mas não resolveu. Reconheceu que ficou com essa dívida para com nosso povo Guarani Kaiowá e passou a solução para suas mãos. E nós não podemos mais esperar. Não nos deixe sofrer e ficar chorando nossos mortos quase todos os dias. Não deixe que nossos filhos continuem enchendo as cadeias ou se suicidem por falta de esperança de futuro. Precisamos nossas terras para começar a resolver a situação que é tão grave que a procuradora Deborah Duprat, considerou que Dourados talvez seja a situação mais grave de uma comunidade indígena no mundo. Sem as nossas terras sagradas estamos condenados. Sem nossos tekohá, a violência vai aumentar, vamos ficar ainda mais dependentes e fracos. Será que a senhora como mãe e presidente quer que nosso povo vai morrendo à míngua?. Acreditamos que não. Por isso, lhe dirigimos esse apelo exigindo nosso direito. A faixa de gaza brasileira
02/08/2014 18h41 - Atualizado em 02/08/2014 19h51 Índios vivem em 'Faixa de Gaza brasileira', diz antropólogo na Flip Eduardo Viveiros de Castro debateu questão indígena com Beto Ricardo. Mesa sobre o tema teve críticas a Belo Monte: 'Picaretagem econômica'. Cauê Muraro Do G1, em Paraty O Mato Grosso deveria mudar de nome para "mato ralo, mato morto ou ex-mato" e os índios que lá se encontram "vivem numa espécie de Faixa de Gaza brasileira", afirmou o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro na tarde deste sábado (2) na 12ª Festa Literária de Paraty (Flip). Com suas críticas, frases de impacto ("no Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é") e assumidamente pessimista, ele foi bastante aplaudido no debate "Tristes trópicos", do qual participou o também antropólogo Beto Ricardo. No evento, este foi o segundo e último encontro dedicado à questão indígena. As manifestações na tenda dos autores foram positivas o tempo inteiro. Viveiros de Castro ganhou aplausos já em sua primeira exposição. "Os índios estão sofrendo uma espécie de ofensiva final. É triste ver que estamos assistindo hoje literalmente a um processo de devagastação do país, que está sendo arrasado", disse. "O exemplo mais dramático talvez seja o estado do Mato Grosso do Sul, que foi literalmente transformado num campo sem nada, a custa de que se possa plantar ali, soja, cana, e botar gado para exportação, para alimentar os países capitalistas centrais." Neste momento, veio a brincadeira de que o estado deveria ser rebatizado e a menção de que existem "semelhanças perturbadoras com o povo palestino no Oriente Médio". Falou, então, que o território indígena foi sendo reduzindo progressivamente e que houve "todo tipo de violência". Também descreveu que ocorreram bombardeios feitos pelos militares no passado, embora "não tão sofisiticados" quanto os de Israel. "Mas o estado de Israel ao menos tem o direito, uma pretensão histórica e uma relação com aquele lugar. Acho que é um genocídio projetado e realizado [em Israel], e tem essa relação história. Mas os brancos que estão no Mato Grosso matando os guaranis não têm nenhuma relação histórica. Não há, literalmente, desculpa." Na opinião do antropólogo, a população indígena no país corre "maior perigo do que nunca de desaparecer, de que passe um trator por cima, de que passe uma hidrelétrica por cima". Por outro lado, os índios já passaram pelo que ele chama de fim do mundo. "Para discutir o fim do mundo, temos de consultar os grandes especialistas no assunto, que são os índios. O mundo deles acabou há cinco séculos, e eles aprenderam a viver num mundo diferente. Agora, estão vendo o céu cair em cima da cabeça deles. Mas, desta vez, vai cair em cima de nós todos." De acordo com ele, quando "o barco afundar, aí só vão nadar os índios. "É bom que a gente se prepare para ir virando índio, antes que seja tarde." Belo Monte e 'vergonha do Brasil' Beto Ricardo afirmou que os progessos conseguidos pelos índios nas últimas décadas, em especial depois da constituição de 1988, parecem ameaçados. "O negócio agroexportador está querendo mais terras, e os índios estão 'atrapalhando'", comentou. De acordo com ele, atualmente há lobby no congresso em favor "iniciativas legislativas para fazer retroceder esse direito". "Estão transformando os direito indígenas em barganha com oligarquias regionais." O convidado falou ainda sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. "É uma espécie de lobo em pele de cordeiro, uma espécie de cavalo de Troia, digamos assim, e os índios estão percebendo isso." Ricardo ainda desafiou os presentes a tentarem lembrar nomes de umas poucas etnias indígenas - para ele, está aí um indício do interesse raro ou inexistente pelo assunto. Sugeriu, de brincadeira, que as pessoas estudem e decorem os nomes desses etnias da mesma forma que fazem com as capitais do Brasil. Viveiros de Castro avançou no tom crítico à usina hidrelétrica. "Nós sabemos que Belo Monte é uma picaretagem econômica", começou. "Não chega a ser exatamente um segredo que Belo Monte não foi feita para produzir energia. Entenda-se como quiser. Belo monte foi feita para os empreiteiros fizessem Belo Monte. Para que dívida de campanhas fossem pagas dando serviço, oportunidade de lucro para grandes empreiteiras. Tudo isso com nosso dinheiro." Em suas considerações finais, ganhou novos aplausos ao se dizer que foi estudar os índios porque queria "fugir do Brasil" e que sente vergonha do país. "O que torna realmente uma pessoa brasileira ou francesa ou americana são menos os motivos de orgulho. O que nos torna realmente brasileiros são as coisas que nos envergonham", falou, destacando razões como a exploração dos negros africanos ("o Brasil foi último país do mundo a abolir a escravidão, com exceção da Mauritânia"), o descaso com educação e a má distribuição de renda. "Se eu fosse francês, teria vergonha do que a França fez na Argélia, na Indochina, na África. Ou seja, ser brasileiro não é especialmente vergonhoso. Ser de qualquer país é vergonhoso, porque todo país é construído em cima da destruição de povos", explicou. "No meu caso, me sinto brasileiro quando vejo o modo como é tratado um negro no Brasil. Aí, eu me sinto brasileiro, porque isso realmente acontece no meu país - e eu não sou capaz de fazer nada."
Relatório do conselho Aty Guasu explica a situação dos Guarani Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay
Este relatório é do conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, explicitando a história e situação atual de vida dos integrantes das comunidades Guarani-Kaiowá do território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay, localizada na margem de Rio Hovy, 50 metros do rio Hovy, no município de Iguatemi-MS. O acampamento da comunidade guarani e kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay começou no dia 08 de agosto de 2011. É importante ressaltar que os membros (crianças, mulheres e idosos) dessa comunidade proveniente de uma reocupação, no dia 23 de agosto de 2011, às 20h00, foram atacados de modo violentos e cruéis pelos pistoleiros das fazendas. A mando dos fazendeiros, os homens armados passaram permanentemente a ameaçar e cercar a área minúscula reocupada pela comunidade Guarani-Kaiowá na margem do rio que este fato perdura até hoje. Em um ano, os pistoleiros que cercam o acampamento das famílias guarani-kaiowá, já cortaram/derrubaram 10 vezes a ponte móvel feito de arame/cipó que é utilizada pelas comunidades para atravessar um rio com a largura de 30 metros largura e mais de 3 metros de fundura. Apesar desse isolamento pistoleiros armados ameaçam constantemente os indígenas, porém 170 comunidades indígenas reocupante do território antigo Pyelito kue continuam resistindo e sobrevivendo na margem do rio Hovy na pequena área reocupada até os dias de hoje, estão aguardando a demarcação definitiva do território antigo Pyelito Kue/Mbarakay. No dia 8 dezembro de 2009, este grupo já foi espancado, ameaçado com armas de fogo, vendado e jogado à beira da estrada em uma desocupação extra-judicial, promovida por um grupo de pistoleiros a mando de fazendeiros da região de Iguatemi-MS. Antes, em julho de 2003, um grupo indígena já havia tentado retornar, sendo expulso por pistoleiros das fazendas da região, que invadiram o acampamento dos indígenas, torturaram e fraturaram as pernas e os braços das mulheres, crianças e idosos. Em geral os Guarani e Kaiowa são hoje cerca de 50 mil pessoas, ocupando apenas 42 mil hectares. A falta de terras regularizadas tem ocasionado uma série de problemas sociais entre eles, ocasionando uma crise humanitária, com altos índices de mortalidade infantil, violência e suicídios entre jovens. No último mês a Justiça Federal de Navirai-MS, deferiu liminar de despejo da comunidade Guarani e Kaiowá da margem do rio Hovy solicitado pelo advogado dos fazendeiros e, no despacho cita “reintegração de posse”, mas observamos que o grupo indígena está assentado na margem do rio Hovy, ou seja, não estão no interior da fazenda como alega o advogado dos fazendeiros. De fato, não procede à argumentação dos fazendeiros e por sua vez do juiz federal de Navirai sem verificar o fato relatado, deferir a reintegração de posse. Não é possível despejar indígenas da margem de um rio. Por isso pedimos para Justiça rever a decisão de juiz de Navirai-MS. No sentido amplo, nos conselhos da Aty Guasu recebemos a carta da comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay em que consta a decisão da comunidade que passamos divulgar a todas as autoridades federais e sociedade brasileira. Tekoha Pyelito kue/Mbarakay, 08 de outubro de 2012 Atenciosamente, Conselho/Comissão de Aty Guasu Guarani e Kaiowá do MS. Egon Heck Povo Guarani Grande Povo Cimi 40 anos, 10 de outubro de 2012
Mitos e cosmologia Edição a partir dos textos Mitos e cosmologias indígenas no Brasil: breve introdução (1992) e Mito, razão, história e sociedade (1995), de Aracy Lopes da Silva O que são mitos?
Uma das maneiras pelas quais os especialistas costumam conceber os mitos inclui sua definição como narrativas orais, que contêm verdades consideradas fundamentais para um povo (ou grupo social) e que formam um conjunto de histórias dedicado a contar peripécias de heróis que viveram no início dos tempos (no tempo mítico ou das origens), quando tudo foi criado e o mundo, ordenado. O que se enfatiza, dessa perspectiva, é o caráter de narrativas que os mitos têm. O mito (assim, no singular) pode também ser definido com um nível específico de linguagem, uma maneira especial de pensar e de expressar categorias, conceitos, imagens, noções articuladas em histórias cujos episódios se pode facilmente visualizar. O mito, então, é percebido como uma maneira de exercitar o pensamento e expressar idéias. Quais seriam, porém, suas características distintivas? Estas duas definições coincidem no que é essencial: primeiro, ambas indicam que os mitos dizem algo e algo importante, a ser levado a sério; segundo, ambas apontam também para o fato de uma das especificidades do mito estar na maneira de formular, expressar e ordenar as idéias e imagens pela qual se constitui como discurso, e pela história que narra; por fim, ambas sugerem uma relação particular entre o mito (ou os mitos), o modo de viver e pensar e a história daqueles povos responsáveis por sua existência. De que falam os mitos?
Indiferenciação entre humanos e animais, que se relacionam como iguais; céu e terra próximos, que quase se tocam; viagens cósmicas, homens que voam, gêmeos primevos, incestos criadores; origens subterrâneas; dilúvios; humanidades sub-aquáticas; caos, conquistas, transformações... É o mundo tomando forma, definindo lugares e características de personagens hoje conhecidos. São os temas míticos, que narram aventuras e seres primordiais, em uma linguagem que se constrói com imagens concretas, captáveis pelos sentidos; situadas em um tempo das origens, mas referidas ao presente, encerrando perspectivas de futuro e carregando experiências do passado. Assim, complexos, são os mitos. São, também, extremamente variados, já que são criações originais de cada grupo com identidade cultural própria, referidos às suas condições de existência e à cosmovisão aí elaborada. Mas é igualmente inegável a sua condição de variações sobre temas comuns, compartilhados não apenas localmente mas, em alguns casos, em escala universal. Particulares e locais, universais e essencialmente humanos. Talvez resida aí uma parte do fascínio e do mistério dos mitos. Em universos sócio-culturais específicos, como aqueles constituídos por cada sociedade indígena no Brasil, os mitos se articulam à vida social, aos rituais, à história, à filosofia própria do grupo, com categorias de pensamento elaboradas localmente que resultam em maneiras peculiares de conceber a pessoa humana, o tempo, o espaço, o cosmos. Nesse plano, definem-se os atributos da identidade pessoal e do grupo, que é distintiva e exclusiva, e construída no contraste com aquilo que é definido como o “outro”: a natureza, os mortos, os inimigos, os espíritos. O que são cosmologias?
São teorias do mundo. Da ordem do mundo, do movimento no mundo, no espaço e no tempo, no qual a humanidade é apenas um dos muitos personagens em cena. Cosmologias definem o lugar que os humanos ocupam no cenário total e expressam concepções que revelam a interdependência permanente e a reciprocidade constante nas trocas de energias e forças vitais, de conhecimentos, habilidades e capacidades que dão aos personagens a fonte de sua renovação, perpetuação e criatividade. Na vida cotidiana, essas concepções orientam, dão sentido, permitem interpretar acontecimentos e ponderar decisões. São expressas através da linguagem simbólica da dramaturgia dos rituais. Música, ornamentos corporais, entre outros recursos, permitem o contato com outras dimensões cósmicas, com momentos outros do mundo e do processo da vida (e da morte). É central a definição do que seja a humanidade e de seu lugar na ordem cósmica em contraposição a outros domínios - habitados e controlados por seres de outra natureza - vistos, às vezes, como momentos diversos de um processo contínuo de produção da vida e do mundo. No cosmos concebido, há ordem, há classificação, há oposição lógica, há hierarquia, categorias inclusivas e exclusivas. Mas há também movimento e um jogo constante com o tempo, seja para suprimi-lo, permitindo aos viventes humanos um reencontro possível com o passado, os ancestrais, as origens, seja para torná-lo eixo da própria existência, destinada a completar-se e a constituir-se plenamente após a morte, na superação eterna das limitações da condição humana. Mito e sociedade
Os mitos são um lugar para a reflexão, falam de complexos problemas filosóficos com que os grupos humanos devem se defrontar. Têm muitas camadas de significação e, são repetidamente apresentados ao longo da vida dos indivíduos que, à medida que amadurecem social e intelectualmente, vão descobrindo novos e insuspeitos significados nas mesmas histórias de sempre, por debaixo das camadas já conhecidas e já compreendidas. É assim que as sociedades indígenas conseguem apresentar conhecimentos, reflexões e verdades essenciais em uma linguagem que é acessível já às crianças que entram em contato com questões cuja complexidade irão aos poucos descobrindo e compreendendo. É por todas estas razões que os mitos são, em sua plenitude, de difícil compreensão. As verdades que dizem e as concepções que contêm, embora refiram-se a questões pertinentes a toda a humanidade, são articuladas e expressas com valores e significados próprios a cada sociedade e a cada cultura. Para chegar até elas é, portanto, essencial um conhecimento bastante denso dos contextos sócio-culturais que servem de referências à reflexão contida em cada mito. Os mitos falam sobre a vida social e o modo como ela é organizada e concebida em uma determinada sociedade. Não a espelham, simplesmente: problematizam-na, tornam-na objeto de questionamento e incitam a reflexão sobre as razões da ordem social. Podem – e, de fato, muitas vezes o fazem – terminar por reafirmá-la (Lévi-Strauss, 1976), mas isto não se dá de forma mecânica. Mito e história
O mito, como a cultura, é vivo. Já que simultaneamente produto e instrumento de conhecimento e reflexão sobre o mundo, a sociedade e a história, incorpora como temas, os processos perpetuamente em fluxo nos quais se desenrola a vida social. São produtos elaborados coletivamente, nos quais novas situações são articuladas e tornadas significativas (como exemplos desses processos, ver Gallois, 1993 e Lopes da Silva, 1984). Os mitos são parte da tradição de um povo, no entanto a tradição é continuamente recriada: caso contrário, perderia o sentido, seria apenas reminiscência, e não memória de experiências passadas que são tornadas referências vivas para o presente e para o futuro. Os mitos, assim, mantêm com a história uma relação de intercâmbio, registrando fatos, interpretações, reduzindo, por vezes, a novidade ao já conhecido ou, inversamente, deixando-se levar pelo evento, transformando-se com ele (Sahlins, 1989; Fausto, 1992). Há até pouco tempo, as sociedades indígenas eram entendidas, pelos estudiosos, como sociedades “sem história”. Imaginava-se essas sociedades voltadas para o passado mítico, empregando sua criatividade no sentido de manter-se igual a si mesma, negando o fluxo da história, neutralizando as transformações e reconhecendo como processos, apenas os de recomposição do modelo tradicionalmente seguido. Foram assim concebidas num primeiro momento dos estudos antropológicos e, em consonância com isto, foram definidas como sociedades “tradicionais, sagradas e fechadas” sobre si mesmas, imunes à mudança. Desta perspectiva, os povos indígenas só “entravam na História” a partir de seu contato com os “brancos”, como partícipes da história ocidental. Estas idéias foram forçosamente revistas. Percebeu-se que aí havia uma visão etnocêntrica que impedia a compreensão das sociedades nativas em seus próprios termos. Sabe-se hoje (e isto é tema atual de inúmeras pesquisas) que as culturas humanas desenvolvem variadas lógicas históricas, maneiras de pensar, relacionar-se e viver os processos históricos. Panorama da Diversidade
Veremos referências mais concretas aos modos indígenas específicos de conceber o cosmos e de se situar nele. Segue a ilustração, feita aqui apenas como ponto de partida. Temas comuns
A recorrência de assuntos, noções, figuras e imagens nas mitologias indígenas sul-americanas foram objeto da obra consagrada de Claude Lévi-Strauss, que revelou, por debaixo e através das variações locais, problemáticas comuns. O simbolismo prolífico e as imagens ricas e diversificadas dão concretude às noções abstratas, filosóficas, que expressam a visão indígena do mundo. Simetrias, inversões, valorações antagônicas que se alternam, homologias, alteração de ênfases... são mecanismos da lógica do mito e, nesta medida, da lógica do pensamento humano, ambos postos em movimento para propiciar a reflexão sobre oposições, tais como a de natureza/cultura; vida/morte; homem/mulher; particular/geral; identidade/alteridade. As mitologias e as cosmologias indígenas tratam, portanto, de temas com que se preocupam todos os homens, com menor ou maior grau de elaboração, expressão ou consciência. São temas, como se vê, que remetem à essência do que significa ser humano e estar no mundo. Por isto mesmo, apesar do estranhamento inicial trazido por signos desconhecidos - que carregam concepções inesperadas, articuladas a teorias cuja tradução escapa à primeira aproximação - a comunicação é possível e se dá não só na pesquisa e na divulgação, como também fascina e desafia. Povos Jê
desenho_de_tempty_suia Entre povos da família lingüística Jê, o cosmos é concebido como habitado por diferentes humanidades - a subterrânea, a terrestre, a subaquática e a celeste – que existem desde sempre. O tempo das origens é o da indiferenciação e da desordem, da convivência e da interpenetração daqueles domínios. Astros, como o Sol e a Lua, são gêmeos primordiais que vivem aventuras na terra e aqui deixam o seu legado, antes de partirem para sua morada eterna. Nos mitos Jê, há referências explícitas às atividades de subsistência e às práticas sociais de modo geral. Instituições sociais – a nomeação dos indivíduos, a guerra, o xamanismo... – têm no mito descritas as suas origens e exposta a sua essência. Povos do Alto Rio Negro
cobra-grande Por contraste, caberia mencionar, a região do alto rio Negro, o noroeste amazônico, morada de povos de língua Tukano. No início dos tempos, antepassados míticos criaram o mundo que, antes, não existia. Das entranhas de uma cobra grande ancestral, que fazia o percurso do rio, saíram, em pontos precisos daquele percurso, os primeiros antepassados de cada um dos vários povos da região, determinando, assim, seus respectivos territórios, suas atribuições específicas e um padrão hierarquizado de relacionamento entre eles. Em muitas cosmologias, as relações entre humanos e os demais seres são pensadas através da idéia da predação, numa metáfora que simbólica e logicamente aproxima caça, guerra, sexo e comensalidade. Ainda no alto rio Negro, o xamã parece estar encarregado de garantir que fluxos e volumes de energia vital compartilhada por humanos e animais mantenham-se em níveis adequados. Exageros na matança de animais deflagrariam, como contrapartida, epidemias e malefícios entre os homens, provocados por espíritos protetores dos animais. Um equilíbrio vital nas lembranças e o convívio com a idéia da morte são experiências diárias na apreciação e na condução da vida. Povos Tupi-Guarani Desde há mais de 500 anos, os não-índios produzem análises na tentativa de compreender as práticas sociais e as concepções cosmológicas dos Tupi-Guarani. Do espanto inicial à sistematização das informações dos cronistas, realizada entre as décadas de 1940 e 1950, passando pela catequese jesuítica e pelos episódios dramáticos da Conquista, é constante a referência central a temas como a guerra, o canibalismo, a vingança da morte através de novas guerras e novas mortes e novas vinganças. Uma compreensão destes povos, suas sociedades e suas cosmologias, adequada aos tempos recentes de amadurecimento teórico e metodológico da antropologia, revela – apesar da grande diversidade existente entre elas, tanto no plano sociológico, quanto nas variações entre suas cosmovisões respectivas – a centralidade da noção de temporalidade como eixo sobre o qual constroem-se noções fundamentais como a de pessoa e de cosmos. Temporalidade está aliada às relações de alteridade que os Tupi-Guarani buscam sistematicamente situar fora do domínio social propriamente dito, encarnadas nos inimigos, nos espíritos, nos animais, nos mortos e nas divindades. Bibliografia citada
FAUSTO, Carlos. “Fragmentos de História e Cultura Tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico”. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo, Cia das Letras/Edusp/SMC, 1992 GALLOIS, Dominique. Mairi Revisitada. São Paulo, NHII-USP/Fapesp, 1993. LALLEMAND, Suzanne. “Cosmogonia”. In: AUGÉ, M. (org.) A construção do mundo. Edições 70, Lisboa, 1978. LEACH, Edmund. “O Gênensis enquanto um mito”. In: Edmund Leach (org. Roberto da Matta), Ed. Ática/Grandes Cientistas Sociais/Antropologia 38, 1983, pp. 57-69. LÉVI-STRAUSS, C. “A gesta de Asdiwal”. In: Antropologia Estrutural Dois, Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1976. LOPES DA SILVA, Aracy. “A expressão mítica da vivência histórica: tempo e espaço na construção da identidade xavante”. In: Anuário Antropológico/82, Tempo Brasileiro/Universidade Federal do Ceará, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1984. ------. “Mitos e cosmologias indígenas no Brasil: breve introdução”. In: Índios no Brasil. Grupioni, Luís Donisete Benzi (org.). São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1992. ------. “Mito, razão, história e sociedade”. In: LOPES DA SILVA & GRUPIONI (orgs.). A Temática Indígena na Escola. Brasília, MEC/MARI/Unesco, 1995. SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. São Paulo, Cultrix, 1989. VIDAL, Lux. Grafismo Indígena. Estudos de Antropologia Estética. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp, 1992. VIVEIROS DE CASTRO, E. & CARNEIRO DA CUNHA, M. “Vingança e Temporalidade: os Tupinambá”. In: Anuário Antropológico/85, Ed. Universidade de Brasília e Ed. Tempo Brasileiro, Brasília e Rio de Janeiro, 1986. Imprimir | Enviar | Delicious Salvar este link no Delicious | Reportar erros