sábado, 5 de setembro de 2015

Líderes Guarani-Kaiowa pedem ajuda ao povo de São Paulo

Àwọn olórí guaraní-kaiowá bẹ̀bẹ̀ ìrànlọ́wọ́ fún ènìyàn Ìpínlẹ̀ Páùlù mimọ́.
Líderes guarani-kaiowá pedem ajuda ao povo do Estado de São Paulo.

                                                             


CARTA ABERTA DE SOLIDARIEDADE AO POVO GUARANI KAIOWA

Por meio desta carta aberta queremos expressar nossa indignação e repúdio aos ataques promovidos por fazendeiros que resultaram na morte do líder indígena Semião Vilhalva em 29 de agosto na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul. Expressamos também nossa solidariedade e nosso total apoio a toda a comunidade Guarani Kayowa.

Não podemos aceitar que um Estado e um Congresso que se dizem democráticos continuem agindo de forma arbitrária, omitindo-se na construção de direitos já reconhecidos na Constituição. A não demarcação das Terras Indígenas, além de um desrespeito aos fundamentos constitucionais do país e aos direitos dos povos originários desta terra, agrava os conflitos e crimes por todo o país, e impede que se estabeleça a Justiça e o Direito.


Durante 18 anos o povo Guarani Kayowa aguardou a resolução do conflito de acordo com as regras dos não indígenas. A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi homologada em 28 de março de 2005. Cinco meses depois, porém, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, atendendo aos apelos de Pio Queiroz Filho, dono das fazendas Barra e Fronteira, suspendeu os efeitos da homologação em medida cautelar, decisão que deve perdurar até o final do julgamento do processo, mandato de segurança de número 0003154–21.2005.0.01.0000. Desde 5 de setembro de 2009, porém, o processo está parado nas mãos do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

O que se viu nas últimas semanas em Ñande Ru Marangatu ampliou ainda mais o cenário de crueldade. Cansados de esperar ação da Justiça e do Governo, os indígenas resolveram ocupar o Território já homologado. Em resposta, fazendeiros e ruralistas comandados pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz (casada com Pio Queiroz Filho), orquestraram uma verdadeira campanha de terror, pânico e mentiras, incitando a população contra a comunidade indígena.

O ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho chegou a divulgar em sua rede social imagens de um incêndio ocorrido no Paraguai como se fossem fotos de vandalismo provocado pelos índios. Há relatos de comerciantes que estão sendo orientados a não vender nada a pessoas com “aparência indígena”. O ódio facilitou o ataque ocorrido nos dias 29 e 30 de agosto, que resultou na morte de Simão, de apenas 24 anos, e em ferimentos por bala de borracha em um bebê de um ano. Os indígenas encontram-se sitiados, impedidos de receber alimentação e socorros médicos.

A demora, a burocracia e a balança da justiça, que parece pender para o lado mais rico da história, têm custado muito caro para os Guarani Kayowa. Nas últimas décadas eles têm sido massacrados e explorados de todas as maneiras. Foram expulsos de seu território e abandonados à beira da estrada. Perderam vários de seus líderes, vítimas de assassinato. Todas essas mortes, assim como a de Semião, foram tragédias anunciadas e poderiam ter sido evitadas.

Tanto em Ñande Ru Marangatu como em outras Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul, o povo Guarani Kayowa viu seus jovens, incluindo menores de idade, serem submetidos a trabalho análogo ao dos escravos em canaviais e nas fazendas daqueles que querem tirar suas terras. Crianças morreram por desnutrição. Forçadas a sair de sua terra, em meio aos conflitos, as crianças guarani kayowa têm negado também o direito à educação.

Apesar da indignação crescente e já expressa por entidades como a Anistia Internacional e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o cenário não apresenta melhoras, pelo contrário. Atendendo à solicitação do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), a presidente Dilma Roussef (PT) aceitou enviar tropas do Exército para atuarem a partir de 1o de setembro nas cidades de Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã por um período de 30 dias.

Esperávamos que a Presidente agisse, mas não dessa forma, pois sabemos que os modos de ação próprios do Exército irão agravar os conflitos já violentos contra a população indígena, quando trata-se de um crime impetrado por milícias e omissão na demarcação das Terras Indígenas. Tememos que mais mortes e mais dor se espalhe por Ñande Ru Marangatu, agora por ação direta do Estado brasileiro, a quem cabe a responsabilidade pela questão indígena no país.

Desta forma, pedimos:

Ao governo federal, que tenha transparência e agilidade na demarcação das Terras Indígenas em Ñande Ru Marangatu e nas demais TIs do Brasil. Não fazê-lo expõe o atual governo, em seu sentido lato, na medida em que vemos implicados os diversos poderes, a mais um episódio triste e vergonhoso de nossa história recente, colocando-o ora como omisso, ora como um inimigo direto dos povos indígenas.

Ao ministro e relator Gilmar Mendes, que aprecie o processo que está em suas mãos e que reconheça prontamente a homologação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, pondo fim a esses vergonhosos acontecimentos.

Ao Ministério Público Federal, que instaure investigações sobre o assassinato de Simão Vilhalva, cujo corpo foi devolvido à comunidade guarani kayowa sem o laudo de autopsia, bem como de outros crimes noticiados no Estado. Que também apure as denúncias de racismo e difamação contra o povo guarani kayowa cometidas por fazendeiros e ruralistas.

Que sejam apuradas as responsabilidades neste e em outros crimes, e o possível envolvimento entre interesses de proprietários de terras, milícias e políticos nas diversas esferas de governo, inclusive no Congresso, segundo notícias amplamente divulgadas, que ultrapassando o conflito de interesses e a lisura necessária do cargo público, ligam-se manifestamente, segundo essas mesmas notícias, a milícias e ações criminosas contra lideranças e crianças.

Que o Congresso Nacional rejeite a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.



A questão não pode ser tratada como uma questão política, nem mesmo econômica, na medida em que trata-se de crimes que expõem as formas de apropriação do poder público por interesses privados e de violência contra pessoas que estão em defesa de seus direitos já reconhecidos. O país necessita de uma resposta que estabeleça o Direito e a Justiça dos povos originários da terra, salvaguardando de modo digno para a história deste início de século a construção contemporânea de nosso território e da diversidade étnica que nos constitui como nação no presente.





São Paulo, 1º de setembro de 2015

Coletivo Antena Guarani

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