Filọ́sọ́fi ti ọmọ-ìbílẹ̀ (filosofia indígena).
1. O Bem Viver: uma resposta para o capitalismo?
Publicado em: 24/10/2016em: Em Pauta
100050010010
Por Marcelo Hailer Do Revista Fórum
Passada a deposição da presidenta Dilma Rousseff, articulada por um golpe parlamentar e, posteriormente, a derrota que a esquerda sofreu nas urnas no primeiro turno das eleições municipais deste ano, muitas questões se levantaram, mas essencialmente, todos acorreram à clássica pergunta de Lenin: O que fazer? O fato é que o projeto de transformação apresentado pela esquerda na primeira metade do século XX foi atropelado pelo liberalismo e hoje não comove mais multidões. É dentro deste esgotamento de concepções à esquerda que surge a proposta do Bem Viver, que neste livro (O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos; 2016) tem a suas ideias organizadas por Alberto Acosta
Passada a deposição da presidenta Dilma Rousseff, articulada por um golpe parlamentar e, posteriormente, a derrota que a esquerda sofreu nas urnas no primeiro turno das eleições municipais deste ano, muitas questões se levantaram, mas essencialmente, todos acorreram à clássica pergunta de Lenin: O que fazer?
Quando governos se elegem com programas de esquerda, mas, no poder exercem projetos de direita, tudo afunda e aos olhos do senso comum todos são iguais, só muda a cor das bandeiras. Este problema não é exclusivo da esquerda latina, ele também ocorre com as esquerdas europeias, isso para ficarmos no Ocidente.
O fato é que o projeto de transformação apresentado pela esquerda na primeira metade do século XX foi atropelado pelo liberalismo e hoje não comove mais multidões. É dentro deste esgotamento de concepções à esquerda que surge a proposta do Bem Viver, que neste livro (O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos; 2016) tem a suas ideias organizadas por Alberto Acosta.
O encontro de Montecristi
Entre 30 de novembro e de 2007 e 25 de outubro de 2008, foi realizado no município de Montecristi (litoral noroeste do Equador) local onde foi realizado a Assembleia Constituinte que culminou na Constituição da República do Equador, que se tornou um marco por reconhecer o caráter “intercultural” e “plurinacional” do país. Além disso, o texto colocou como objetivo a construção de “uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o Buen Vivir, o sumak Kawsay. Albeto Acosta foi presidente da Assembleia Constituinte. Posteriormente, romperia com o governo com de Rafael Correa, por não seguir os acordos acertados durante a constituinte.
Mas, o que vem a ser o Bem Viver? Mais do que um “princípio restrito ao ambiente andino e amazônico (…) o Bem Viver é uma filosofia em construção, e universal, que parte da cosmologia e do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas culturas (…) no Brasil, com o teko porã dos guaranis (…) na ética e na filosofia africana do ubuntu – “eu sou porque nós somos” (…) está no fazer solidário do povo, nos mutirões em vilas, favelas ou comunidades rurais e na minga ou mika andina. Está presente na roda de samba, na roda de capoeira, no jongo, nas cirandas e no candomblé”.
O que surge a partir da Constituinte realizada em Montecristi é mais do que uma nova carta magna de um país latino, mas sim uma nova forma de pensar a sociedade, ou seja, um projeto político e, que vale frisar, está em construção – fato que Acosta reforça a todo momento. Trata-se também, e provavelmente aí esteja o cerne de toda a discussão em torno do Bem Viver, de um novo pacto civil/ processo civilizatório, uma resposta para o liberalismo/ capitalismo e socialismo/ comunismo.
“Não se trata de um receituário expresso em alguns poucos artigos constitucionais e tampouco de um novo regime de desenvolvimento. O Bem Viver é, essencialmente, um processo proveniente da matriz comunitária de povos que vivem em harmonia com a natureza (…) os indígenas não são pré-modernos nem atrasados. Seus valores, experiências e práticas sintetizam uma civilização viva, que demonstrou capacidade para enfrentar a Modernidade colonial”.*
O Estado Plurinacional
A maneira como estão organizados os Estados latinos é uma herança direta das políticas coloniais eurocêntricas. Foram construídos com base em sangue, escravidão e genocídio. Nunca foi levado em conta a diversidade dos povos que habitavam a América antes da chegada dos colonizadores… o que sucede disso, nós conhecemos.
“O Estado plurinacional exige a incorporação dos códigos culturais dos povos e nacionalidades indígenas. Ou seja, há que se abrir as portas a um amplo debate para transitar a outro tipo de Estado que não esteja amarrado às tradições eurocêntricas. Neste processo, em que haverá que repensar as estruturas estatais, há que se construir uma institucionalidade que materialize o exercício horizontal do poder. Isso implica “cidadanizar” individual e coletivamente o Estado, criando espaços comunitários como formas ativas de organização social. A própria democracia tem de ser repensada e aprofundada”.
Além da necessidade da construção de um Estado plurinacional como resposta a forma que conhecemos, que se trata de um resquício da colonização que a América Latina sofreu, no projeto político do Bem Viver também se faz necessário a “descolonização e a despatriarcalização”, visto que também são opressões que foram impostas pelos regimes imperialista/ colonialistas. Nada mais atual para o momento político que vivemos, basta analisarmos o machistério do governo Temer.
Uma resposta para o desenvolvimentismo
À esquerda e à direita é a centralidade do trabalho e o desenvolvimentismo que tem norteado os governos em todos os continentes. Romper com este ciclo vicioso é um dos principais objetivos do Bem Viver, por isso, é bom frisar, que sua proposta política não é um retorno a um tempo ancestral, muito pelo contrário, bebe-se na fonte andina e amazônica para buscar novas formas de organizações sociais, mas não apenas para a América Latina, sua ambição é global, até porque, o desenvolvimentismo e o capitalismo são globais.
“Foi em torno do ‘desenvolvimento’, em plena Guerra Fria, que girou o enfrentamento entre capitalismo e comunismo. Inventou-se o Terceiro Mundo, e seu membros foram instrumentalizados qual peões no xadrez da geopolítica internacional. Uns e outros, direitas e esquerdas, estabelecendo diversas especificidades e diferenças, assumiram o desafio de alcançar ‘o desenvolvimento’. Nos quatro cantos do planeta, as comunidades e as sociedades foram – e continuam sendo – reordenadas para adaptar-se ao ‘desenvolvimento’. Este se transformou no destino comum da Humanidade, uma obrigação inegociável”.
A questão que sempre surge diante dos debates colocados a partir de afirmações do Bem Viver é quase sempre essa: “mas é impossível sair do desenvolvimentismo”. Este tipo de afirmação só reforça a magistral engenhosidade com que o liberalismo conseguiu se espalhar e contaminar. Suas políticas são entendidas como naturais e que não há outro caminho para seguir e que, no limite, podemos aplicar políticas que amenizem o sistema brutal chamado capitalismo. Esse é o poder do colonialismo: injetar nas mentes que sua estrutura é insuperável e que, em alguns casos, é bom que aconteça, mesmo que isso signifique concentração de renda e miséria.
Contribuição do Bem Viver para o nosso tempo
As ideias do Bem Viver são radicais (no sentido positivo deste termo), pois, vão na raiz dos problemas causadores da crise em que vivemos. Se o capitalismo está em crise, a esquerda também está. Na Europa acompanhamos uma ofensiva poderosa da extrema direita nacionalista e xenófoba; na América Latina é a ofensiva da direita privatista, que presta serviço para capital internacional; e neste quadro de horror os partidos e coletivos à esquerda não tem conseguido apresentar respostas, isso acontece porque não mais apresenta-se projetos de sociedades antagônicos, fica-se na questão do trabalho e moeda. Esta é a política da direita e por isso ela tem sido vitoriosa.
Pensar a apresentar um projeto de sociedade que não mais tenha como centralidade o trabalho e a renda, mas, a cidadania e os Direitos Humanos pode ser a chave à crise da esquerda. É preciso que trabalho e renda deem lugar às questões LGBT, feministas, negr@s, indígenas, da terra… é preciso apresentar um novo pacto civilizatório e é isto que se propõe o Bem Viver neste início de século XXI. Alguns podem considerar isso a mais pura sandice, mas, imagine qual não foi a reação quando os comunistas apresentaram o seu projeto de sociedade lá no século XVIII?
Nesta perspectiva, o Bem Viver se transforma em ponto de partida, caminho e horizonte para desconstruir a matriz colonial que desconhece a diversidade cultural, ecológica e política. Nesta linha de reflexão, a proposta do Bem Viver critica o Estado monocultural, a deterioração da qualidade de vida materializada em crises econômicas e ambientais, a economia capitalista de mercado, a perda de soberania em todos os âmbitos, a marginalização, a descriminalização, a pobreza, as deploráveis condições de vida da maioria da população, as iniquidades. Igualmente, questiona visões ideológicas que se nutrem das matrizes coloniais do extrativismo e da evangelização imposta a sangue e fogo.
Todas as citações foram extraídas do livro Bem Viver
Serviço
Livro: O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos
Autor: Alberto Acosta
Editora: Autonomia Literária, Elefante e Fundação Rosa Luxemburgo - Leia a matéria completa em: http://scl.io/0U3N2zsw#gs.Mio5lR8
2. Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra
A Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra, que acontece de 20 a 22 de abril, em Cochabamba, na Bolívia, tem por objetivo, entre outras coisas, elaborar uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, em complemento à Declaração Universal dos Direitos Humanos. O esboço que será transformado em texto final durante o evento foi elaborado em 6 de fevereiro de 2010. Confira
- Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra - 06/02/2010
PREÂMBULO
Nós, os povos do Mundo:
Reconhecendo com gratidão que a Mãe Terra nos dá vida, nos alimenta e nos ensina e provê de tudo o que necessitamos para viver bem;
Reconhecendo que a Mãe Terra é uma comunidade indivisível de seres diversos e interdependentes com os que compartilhamos um destino comum e com os que devemos nos relacionar de formas que beneficiem à Mãe Terra;
Reconhecendo que ao dominar e explorar a Mãe Terra e outros seres, os seres humanos causaram grande destruição, degradação e alteração das comunidades, dos processos e dos equilíbrios que sustentam a vida da Mãe Terra, que agora são uma ameaça para o bem estar e a existência de muitos seres;
Conscientes de que essa destruição é também prejudicial a nosso bem estar interno e é ofensiva para muitas crenças, tradições e sabedorias das culturas indígenas para quem a Mãe Terra é sagrada;
Profundamente conscientes da importância fundamental de adotar com urgência decisiva a ação coletiva para evitar que os seres humanos causem as mudanças climáticas e outros impactos sobre a Mãe Terra que ameaçam o bem estar e a sobrevivência dos seres humanos e outros seres;
Aceitando nossa responsabilidade uns sobre os outros, as gerações futuras e a Mãe Terra para curar os danos causados pelos seres humanos e transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem o florescimento da Mãe Terra;
Convencidos de que para que as comunidades de seres humanos e outros seres floresçam há que estabelecer sistemas para regular a conduta humana, que reconheçam os direitos inalienáveis da Mãe Terra e de todos os seres que são parte dela;
Convencidos de que as liberdades e direitos fundamentais da Mãe Terra e de todos os seres devem ser protegidos pelo princípio de legalidade e que os deveres correspondentes dos seres humanos para respeitar e defender esses direitos e liberdades devem ser impostos por lei;
Proclamamos a presente Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra para complementar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a fim de que sirva como um fundamento comum mediante o qual a conduta de todos os seres humanos, organizações e culturas podem se guiar e avaliar e
Nos comprometemos a cooperar com outras comunidades humanas, as organizações públicas e privadas, os governos e as Nações Unidas para garantir o reconhecimento universal e eficaz e a observância das liberdades fundamentais, os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, entre todos os povos, as culturas e os estados da Terra.
Artigo 1. Direitos, liberdade e obrigações fundamentais
(1) A Mãe Terra é indivisível, a autorregulação da comunidade dos seres entre si, cada um dos quais se define por suas relações dentro desta comunidade e com o Universo como um todo. Aspectos fundamentais destas relações se expressam na presente Declaração como direitos inalienáveis, as liberdades e direitos.
(2) Esses direitos fundamentais, liberdades e deveres derivam da mista fonte de existência e são inerentes a todos os seres, portanto são inalienáveis, não podem ser abolidos por lei e não são afetados pela situação política, jurídica ou internacional do país ou território em que um ser existe.
(3) Todos os seres têm direito a todos os direitos fundamentais e liberdades reconhecidos por esta Declaração, sem distinção de nenhum tipo, como pode ser entre seres vivos orgânicos e inorgânicos, seres não viventes, ou sobre a base da sensibilidade, da natureza, das espécies e do uso em seres humanos, ou qualquer outra condição.
(4) Assim como os seres humanos têm direitos humanos, outros seres também podem ter direitos adicionais, liberdades e deveres que são específicos para sua espécie e apropriados para seu papel e função dentro das comunidades em que existem.
(5) Os direitos de cada ser estão limitados pelos direitos de outros seres na medida do necessário para manter integridade, equilíbrio e saúde das comunidades em que existem.
Artigo 2. Direitos Fundamentais da Mãe Terra
A Mãe Terra tem direito a existir, persistir e continuar os ciclos, estruturas e processos vitais para sustentar a todos os seres.
Artigo 3. Direitos e liberdades fundamentais para todos os seres
Todo ser tem:
A) o direito de existir;
B) o direito a um hábitat ou lugar onde estar;
C) o direito a participar, de acordo com sua natureza, nos continuamente renováveis processos da Mãe Terra;
D) o direito a manter sua identidade e integridade como um ser distinto, autorregulado;
E) o direito a estar livre da poluição, contaminação genética e modificações de sua estrutura ou funcionamento que ameacem sua integridade ou funcionamento saudável e
F) a liberdade de se relacionar com outros seres e participar em comunidades de seres de acordo com sua natureza.
Carta do Chefe Seatle
Carta do Cacique americano ao
Presidente dos Estados Unidos da América
Em 1854, o Governo dos Estados Unidos tentava convencer o chefe indígena
Seatle a vender suas terras. Como resposta, o chefe enviou uma carta ao
presidente que se tornou famosa em todo o mundo. Seu conteúdo merece
uma reflexão atenta pois é uma lição que deve ser cultivada por todos, por
esta e pelas futuras gerações.
Decorridos quase dois séculos da carta do cacique indígena Seatle ao
Presidente do Estados Unidos, suas lições permanecem atuais e proféticas,
para todos aqueles que sabem enxergar no fundo do conteúdo de sua
mensagem.
A carta do cacique Seatle é uma lição inesgotável de amor à natureza e à
vida, que permanece na consciência de milhões de pessoas em todas as
partes do mundo. É o hino de todos aqueles que amam a natureza e tudo o
que nela vive. A cada leitura, renovamos os ensinamentos que ali estão.
Serve para ler e reler e passar adiante para que todos a conheçam.
No Brasil, existiam em torno de 4 milhões de indígenas, quando os
colonizadores chegaram. Hoje, restam cerca de 200 mil! Embora o indígena
tenha contribuído de forma essencial para a miscigenação da raça brasileira, é
certo que foram sendo expulsos de suas terras pelos exploradores e
eliminados por doenças contraídas através do convívio com os brancos.
Atualmente, continuam sofrendo a invasão de suas terras por madeireiros,
fazendeiros e garimpeiros, seus principais algozes.
É fundamental que seja preservada a riqueza de sua cultura, suas danças,
ritos, conhecimentos sobre as plantas e animais e as formas de viver em
harmonia com a natureza. Os indígenas possuem uma sabedoria milenar que
precisamos aprender a ouvir.
A história dos indígenas em cada país onde existiam, antes do homem branco,
é diferente nas suas particularidades, mas no seu conteúdo são iguais. Nos
Estados Unidos ou no Brasil, os problemas enfrentados pelos indígenas foram
os mesmos. Daí esse sentimento de solidariedade e cooperação que existe
entre os diferentes povos indígenas e essa sabedoria milenar da qual todos
nós temos muito que aprender.
3. CARTA DO CHEFE INDÍGENA SEATLE
"O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o
mesmo sopro: o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo
sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um
homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro (...).
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se
decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem deve tratar os animais
desta terra como seus irmãos (...)
O que é o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria
de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve
acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de
nossos avós. Para que respeitem a Terra, digam a seus filhos que ela foi
enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que
ensinamos às nossas, que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à
Terra, acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo estão
cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra.
Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma
família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorre com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu
o tecido da vida: ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao
tecido, fará a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para
amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos
irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos ( e o homem
branco poderá vir a descobrir um dia): nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês
podem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é
possível. Ela é o Deus do homem e sua compaixão é igual para o homem
branco e para o homem vermelho. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar
o seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas
as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos
próprios dejetos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados
pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial
lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é
um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam
exterminados, os cavalos bravios todos domados, os recantos secretos da
floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros
obstruída por fios que falam. Onde está a árvore? Desapareceu. Onde está a
água? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.
Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia
nos parece um pouco estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho
da água como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de
um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa,
cada clareira, cada inseto a zumbir é sagrado na memória e experiência do
meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as
lembranças do homem vermelho (...).
Essa água brilhante que corre nos rios não é apenas água, mas a idéia nos
parece um pouco estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da
água como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de
um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa,
cada clareira, cada inseto a zumbir é sagrado na memória e experiência do
meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as
lembranças do homem vermelho (...).
Essa água brilhante que corre nos rios não é apenas água, mas o sangue de
nossos antepassados. Se vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que
ela é sagrada, devem ensinar às crianças que ela é sagrada e que cada
reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da
vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas
canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês
devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus
também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a
qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma
porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é
um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A
terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue
seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se
incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa
(...). Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei. Nossos costumes são diferentes dos seus.
A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez porque o
homem vermelho é um selvagem e não compreenda.
Não há lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se
possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater de asas de um
inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O
ruído parece apenas insultar os ouvidos. E o que resta da vida de um homem,
se não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao
redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo.
O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o
próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros."
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma
porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é
um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A
terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue
seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se
incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa
(...). Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto."