sábado, 5 de novembro de 2016

Semana da consciência negra 8

Ọ̀sẹ̀ ti ọkàn dúdú.
Semana da consciência negra.

Ẹbí, oobi, òbí (família)

1. Cooperação  e socorro entre os que pertencem à mesma linhagem (principalmente no campo).

2. Não se separa a pessoa de seu grupo.

1. Àwọn àgbájọ ti bí (organizações familiares)

1.1. Uma pessoa faz parte ao mesmo tempo de duas famílias (a  da mãe e a do pai).

1.2. Família patrilinear: os filhos pertencem somente à família  do pai e seus antepassados são apenas os da linhagem paterna.

1.3. Família matrilinear: só a família da mãe conta. Os filhos, quando chegam aos cinco ou aos seis anos de idade, se separam dos pais e passam a viver na casa de um irmão da mãe, para se integrar à sua verdadeira família. Elas seriam criadas, portanto, pelas mulheres desse tio materno.

2. Ìlòbìrin púpọ̀, ìkóbìrinjọ, ìgbéyàwópúpọ̀  (poligamia)

2.1. No islamismo, o homem pode casar com quatro mulheres e ter um número indefinido de concubinas. A concubina é uma mulher que vive de modo marital com um homem, mas que não é casada com o mesmo perante a lei.

2.1. Nas religiões tradicionais africanas, o homem pode ter tantas mulheres quanto permitissem o seus recursos. 

OBS. : na tradição yorubá, o homem ter várias mulheres é aceitável, embora tenha aquele que somente deseje uma só mulher. A busca por outra mulher é permitida desde que a esposa seja estéril ou não tenha filho homem.

 A poligamia é fonte de riqueza

A prosperidade de um chefe de família dependia do número de dependentes (mulheres, filhos, noras, demais parentes, agregados e escravos) que trabalhasse para ele.

3. Ìpín ti takọtabo iṣẹ́ (divisão sexual do trabalho)

3.1. Mulheres (cabia o grosso das labutas agrícolas): preparavam os campos  com suas enxadas, semeavam e colhiam. Cuidava das aves, cabras e suínos. Fiavam, teciam, moldavam no barro potes, pratos e travessas. E levavam o que produziam para vender no mercado. Faziam todas tarefas de casa (cozinhar, varrer, lavar roupa, cuidar das crianças.

3.2. Homens: derrubavam as matas, construíam e reformavam casas (antes da estação chuvosa). Escavavam barcos nos grandes troncos de árvores. Remavam. Cuidavam do gado bovino. Caçavam. Eram soldados.

4. Iyì ti àwọn obìnrin (valor das mulheres)

4.1. Valorizadas por serem produtoras e reprodutoras. Com os filhos aumentavam o número dos componentes do grupo.

4.2. A mulher era valorizada dentro da família, que cobrava caro para cedê-las em casamento. O homem compensava a família pela falta que ela fazia. O preço da noiva não é, portanto, um costume que desmereça a mulher; ao contrário, a valorizava. Se ocorresse divórcio, a moça retornava para sua família, que devolvia ao ex-marido os bens que dele recebera, ou parte deles.

4.3. Em quase toda a África, a mulher é muito independente em relação aos homens:

* No conjunto habitacional familiar tradicional, há casas diferentes para o marido e cada uma de suas mulheres. Estas são senhoras de suas casas, nas quais o marido entra como visitante.

*A mulher pode ter iniciativa do divórcio e participar da escolha das outras esposas que tome o marido.

*Guardam para si os produtos  de suas hortas e os ganhos de seu comércio.

*Na costa atlântica, as mulheres dominavam  o comércio a varejo - e conservam, separados do patrimônio do marido, os seus ganhos.

* Antigamente, entre os iorubás, as mulheres possuíam suas próprias escravas, que não se confundiam com as do marido.

*Podia exercer posições de autoridade (rainhas, sacerdotisas ou alta funcionária do palácio), mas também um contrapeso forte ao predomínio político masculino. No império de Lunda, nada se decidia em conselho sem a presença e a aprovação de uma chefa, a luconquexa, que representava as mulheres. E no Reino do Daomé, cada ministro homem tinha sua equivalente, dentro do palácio, numa esposa do soberano, que o vigiava e lhe controlava as ações.

5. Ọmọdé, ọmọ, èwe (crianças)

*A mulher africana é mãe devotada que, em muitos povos, ao ter uma criança, se afasta temporariamente do marido para se dedicar se dedicar inteiramente ao filho, até que ele deixe de amamentar, aos dois ou três anos de idade.

*Era comum que mulher, após o parto ou mesmo antes dele, procurasse para o marido uma nova esposa.

*Toda família, outras mulheres do marido e as vizinhas cuidavam da criança.

* Nas famílias matrilineares, as criaças viviam juntas até o momento de irem cada qual para a casa do tio materno.

*Nas famílias patrilineares, as crianças brincavam juntas no mesmo pátio, um menino entrando na casa da mãe do outro como se fosse na sua própria.

*Era comum uma criança ou um adolescente tratasse como mãe as outras esposas de seu pai. E quando uma mulher morri, uma das outas ou várias delas adotavam o órfão.

*Na puberdade, as crianças eram afastadas por um breve tempo do convívio da comunidade e, reclusas em cabanas no meio do mato, tomavam conhecimento das tradições e eram submetidas a rituais de iniciação, entre os quais podiam incluir-se a circuncisão. Assim, elas eram integradas à vida adulta.


Bijagós: sociedade matriarcal?




Conhecida por sua lealdade, gentileza, honestidade, respeito pelo outro e, sobretudo, pelos mais velhos, a etnia Bijagó é um grupo de referência na Guiné-Bissau – país que abriga em seu pequeno espaço geográfico (36.125km²) cerca de 30 grupos étnicos. Esta etnia dá nome ao conjunto de 80 ilhas que formam o Arquipélago dos Bijagós. Único arquipélago deltaico da costa oeste africana, classificado em 1996 pela UNESCO como Reserva da Biosfera, os Bijagós representam 70 por cento da população que ali habita e o modo de vida que eles desenvolvem em harmonia com a natureza explica o seu estado de conservação.
João José Utiron, em seu trabalho intitulado Inter-relações entre linguagem, cognição e cultura: Os acordos interpessoais em bijagó, relata que a origem do termo bijagó seria na verdade uma corruptela do termo original aujôco que quer dizer indivíduo ou pessoa, em oposição aos animais irracionais. E que os prováveis suspeitos de promover essa incorrecção teriam sido os portugueses, visto que todos os outros grupos sociais guineenses denominam os Bijagós de unsongron, vocábulo que faz referência à ideia dos traços identitários do grupo: indivíduos de grande porte, robustos, gigantes, valentes.
A sociedade Bijagó é estruturada em faixas etárias, desde tenra idade as pessoas são divididas como tal. Para cada grupo etário existe uma denominação - diferente para homens e mulheres – e cada um se caracteriza por uma indumentária, músicas e danças definidas, sem contar com o trabalho produtivo inerente a este grupo. Existe também uma relação de respeito e obediência total àqueles que lhe são superiores, ou seja, os mais velhos.
A origem de tudo
…e tudo começou assim: Deus, o Criador, existiu sempre, e no início, da vida foi criada a primeira ilha - a ilha de Orango - que era o mundo. Mais tarde chegou um homem e sua mulher, de nome Akapakama. Eles tiveram quatro filhas a que deram os nomes de Orakuma, Ominka, Ogubane e Oraga. A seguir surgiram os animais e plantas.
Cada uma das filhas de Akapakama teve por sua vez, vários filhos, os quais receberam, por parte do avô, direitos especiais. Os de Orakuma receberam a terra e a direcção das cerimónias nela realizadas, bem como o direito de fazer as estatuetas do Irã[i], tendo sido a primeira executada por Orakuma e feita à imagem do Deus. Este direito seria também dado por Orakuma às suas irmãs.
Os de Ominka receberam o mar e passaram a ocupar-se da pesca. Os de Oraga receberam a natureza com as bolanhas e as palmeiras, o que lhes daria a riqueza. Os de Ogubane receberam o poder da chuva e do vento podendo desencadeá-los, controlando assim o suceder das épocas da seca e da seca e das chuvas. Assim, as quatro irmãs desempenhavam funções diferentes, mas que se complementavam.
Esta é a lenda da origem do mundo segundo os Bijagós; o extracto do trabalho Guiné-bissau - Aspectos da Vida de um Povo de Eva Kipp mostra-nos a importância atribuída às mulheres naquela sociedade e pode assim explicar o facto de muitos considerarem esta sociedade como sendo um matriarcado.
O termo matriarcado deriva, respectivamente, do latim e do grego, onde mater faz referência à mãe e archein (arca) a governar, reinar. Assim sendo, a sociedade dita matriarca é o tipo de sociedade onde o poder é exercido pelas mulheres, em especial pelas mães; o facto de dar à luz confere à mulher o estatuto mais elevado da hierarquia familiar.
Poucas sociedades no planeta são matriarcais. Um exemplo vem do noroeste da Índia, de um povo chamado Khasi. Nesta sociedade o sobrenome que identifica uma família vem da mãe (matrilinearidade) e é somente através das mulheres que o clã se perpetua. Assim sendo, as mulheres são as únicas herdeiras. Sua superioridade em relação aos homens é tal que, no caso de uma família não ter condições para oferecer a todos os seus filhos a oportunidade de ir à escola, a preferência é dada às meninas, ficando os meninos analfabetos.
O sócio-antropólogo Raul Fernandes acredita que a sociedade Bijagó não é matriarcal. Segundo ele, o sistema patriarcal exerce-se diferentemente em várias partes do mundo e, no caso dos Bijagós, há algumas particularidades na forma como o patriarcado acontece; que está estritamente ligado ao grau de estruturação que as mulheres Bijagós têm e que se deve, em grande medida, à forma como elas se organizam, ou como a sociedade organizou o seu processo de socialização.
“As mulheres mantiveram entre si certas formas de transmissão do saber e de organização da sociedade muito ligadas à idade mas também às formas de cerimónias e ao religioso. E isso dá uma certa coesão ao grupo das mulheres que conseguem ganhar uma autonomia cerimonial e religiosa, e faz com que elas possam estar presentes nas suas relações com as entidades e outras formas de poder masculino numa situação de poder discutir direitos face-a-face.”
Nos Bijagós, o religioso é exercido tanto por homens como por mulheres e estas não precisam da intervenção dos homens para poder entrar em contacto com o sobre-natural. Não é como certas religiões em que a mulher não pode entrar na igreja ou então estão  completamente cobertas ou são colocadas em papéis secundários.
Na sociedade Bijagó, a mulher tem poder para decidir como é que se faz a cerimónia, quais os rituais, para que fins, em que momento e é seguida por um grupo de mulheres que, durante um certo tempo, não se dedicam ao trabalho produtivo ao qual estão tradicionalmente destinadas mas a si próprias. Entre si discutem o que acharem conveniente, dentro de determinadas regras sociais que são postas aos Bijagós, mas só entre si; e isso por vezes pode levar meses. O tempo, só elas é que decidem.
Assim, é importante citarmos o rito de iniciação feminina chamado de cerimónia de Dufuntu [ii](Orbok, em bijagó). As jovens entre os 17 e os 25 anos recebem a reincarnação da alma de uma pessoa que já faleceu e esta transformação simbólica das mulheres em homens é mencionada, pelo sócio-antropólogo, como uma forma de apropriação do poder dos homens e da sua utilização para um maior equilíbrio entre os poderes masculino e feminino. Ainda durante esta cerimónia, as jovens recebem ensinamentos para a vida futura que lhes são transmitidos pelas mulheres grandes da tabanca [iii]; não se pratica excisão. 
Segundo Raul Fernandes, as pessoas confundem o matriarcado e a matrilinearidade; que são duas coisas distintas. O que acontece na sociedade Bijagó é que as filhas, mesmo depois de casadas, permanecem próximas das mães porque quem atribui estatuto de família é a mãe pela linha uterina (matrilinearidade). Esta ligação é mais forte entre a mãe e a filha visto que, diferentemente do que acontece na patrilinearidade - onde as mulheres a partir do momento em que se casam saem do seu círculo familiar original e passam a ser membros da família do marido, sujeitas às regras da casa do marido –, a filha não se distancia muito da sua mãe.
Se a lealdade, gentileza, honestidade e o respeito pelo outro, tão próprios do povo Bijagó, tem a ver com a forma como esse povo se organiza, dando uma posição de destaque às mulheres, o que talvez não seja possível de provar mas é um factor incontestável. Quem conhece os Bijagós não deixa de se apaixonar, pelo povo e pelo lugar em que ele se estabeleceu. Visitá-los é comprar passaporte para lá voltar. Não há como não se orgulhar do povo e, principalmente, das mulheres Bijagós.
fotografias de Marta Lança 

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