Àwọn fídíò lórí filọ́sọ́fi ti Áfríkà.
Vídeos sobre filosofia africana.
Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀ (Vocabulário).
Fídíò, fídéò, v. Vídeo.
Lórí, lérí, prep. Sobre, em cima de.
Ìmòye, filọ́sọ́fi, s. Filosofia.
Áfríkà, s. África.
A partir de Imhotep para Akhenaton: Uma Introdução à Filósofos egípcias
"A filosofia africana é, portanto aquela elaborada ou produzidas pelos africanos e que pode ser reelaborara ou reproduzidas por outros povos; ou então, é a filosofia praticada hoje em dia pelos africanos da mesma forma como acontece nos outros países do mundo. Os africanos produziram e produzem conhecimentos até os tempos atuais, como nos ilustra o também filosofo e Egiptólogo Molefe Kente Asante em sua obra From Imhotep to Akhenaten: An introdutivo to Egípcia Philosophers a filosofia Kemetica ( nome dado ao antigo Egito) ou filosofia egípcia toma-se como exemplo, diz ele: “A filosofia egípcia faraônica no qual particular importância assumem, sobretudo o quatro grandes escolas do pensamento egípcio: a escola de On, ou Heliopoles,a escola de Dhuty ou Hermóplis e a escola de Waset ou Tebes.
1. Áténì dúdú (Atenas Negra)
Martin Bernal é um estudioso de história política chinesa moderna que afirma que a civilização clássica grega na realidade se originou de culturas afroasiáticas e semíticas, e não apenas da Europa, como tradicionalmente é colocado pelos historiadores. Ele chama esta teoria de "Modelo Antigo Revisado", baseado em historiadores clássicos como Heródoto e em suas afirmações e reconhecimentos de uma herança cultural egípcia e fenícia. Este modelo contrasta com o dito Modelo Ariano, que coloca os povos falantes de línguas Indo-européias do norte e as antigas culturas autóctones gregas como a raiz principal da cultura grega. O Modelo Antigo Revisado, Bernal argumenta, possui raízes na civilização clássica que estuda, enquanto o Modelo Ariano advém do racismo em desenvolvimento nos séculos XVIII-XIX. Suas teorias são contestadas por alguns estudiosos da antiguidade clássica, como Maryr Lefkowitz.
Fonte: Wikipedia
2. Afrocentricidade
Dr. Molefi Kete Asante
Tradução Renato Nogueira Jr.Professor do Instituto Multidisciplinar
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Afrocentricidade é um paradigma baseado na idéia de que os povos africanos devem reafirmar o sentido de agência para atingir a sanidade. Durante os anos de 1960 um grupo de intelectuais afro-americanos inseriram os Estudos Negros nos departamentos das universidades, começando a formular maneiras originais de análise do conhecimento. Em muitos casos, estes novos modos foram denominados de conhecimento numa “perspectiva negra” como oposição ao que tem sido considerado “perspectiva branca” da maior parte do conhecimento na academia americana. No fim dos anos de 1970 Molefi Kete Asante começou a falar sobre a necessidade de uma orientação Afrocêntrica da informação. Em 1980 ele publicou o livro, Afrocentricidade: a teoria da mudança social, o qual promoveu pela primeira vez um debate detalhado do conceito. Embora o termo seja anterior ao livro de Asantee tenha sido usado por muitas pessoas, incluindo Asante nos anos de 1970 e Kwame Nkrumah na década de 1960, a ideia intelectual não tinha base enquanto conceito filosófico antes de 1980.
O paradigma Afrocêntrico é uma mudança revolucionária no pensamento proposto como uma correção construtural da desorientação negra, descentramento e falta de agência negra. A Afrocentrista formula a pergunta: “O que as pessoas africanas fariam se não existissem pessoas brancas?”. Em outras palavras, quais as respostas naturais deveriam se dar nos relacionamentos, atitudes em relação ao meio ambiente, padrões de parentesco, preferências por cores, tipo de religião, referências históricas de povos africanos se não tivesse ocorrido nenhuma intervenção do colonialismo e escravização? Afrocentricidade responde esta questão assegurando o papel central do sujeito africano dentro do contexto histórico africano, por conseguinte, removendo a Europa do centro da realidade africana. Deste modo, Afrocentricidade promove uma idéia revolucionária porque estuda idéias, conceitos, eventos, personalidades e processos políticos e econômicos de um ponto de vista do povo negro como sujeito e não como objeto, baseando todo conhecimento na autêntica interrogação sobre a localização.
Isso torna legítimo perguntar: “Donde vem a mina?” ou “onde tá o mano?” “Você ta sufocado com a pressão?”Estas são avaliações e questões relevantes que permitem à pessoa que investiga precisar cuidadosamente o lugar da resposta, o lugar psicológico ou cultural. Como o paradigma da afrocentricidade admite a centralidade de africanas(os), isto é, ideais e valores negros são tomados como as formas mais elevadas de expressão da cultura africana, sua conscientização é um aspecto funcional para uma abordagem revolucionária do fenômeno. O aspecto estrutural e o aspecto cognitivo de um paradigma são incompletos sem o aspecto funcional. Há algo além do conhecimento num sentido afrocentrado; existe também o fazer. Afrocentricidade sustenta que todas as definições são autobiográficas.
Uma das suposições-chave da(o) Afrocentrista é que todas as relações são baseadas em centros e margens e nas distâncias de cada lugar do centro ou da margem. Quando povo negro tem seu ponto de vista centrado, tomando nossa própria história como centro; então, nos enxergamos como agentes, atores e participantes ao invés de marginalizados na periferia da experiência política ou econômica. Com este paradigma, seres humanos descobriram que todos que todos os fenômenos são expressos através de duas categorias fundamentais espaço e tempo. Além disso, no momento que compreendemos que as relações se desenvolvem e o conhecimento se amplia, nos tornarmos aptos a apreciar as questões considerando espaço e tempo.
A intelectual ou ativista afrocentrada sabe que um modo de expressar Afrocentricidade se chama demarcação. Quando uma pessoa traça uma fronteira cultural em torno de um espaço cultural particular num tempo humano, isto é denominado de demarcação. Isto pode ser feito através do anúncio de um determinado símbolo, da criação de laços especiais ou da menção de heroínas e heróis da história e cultura africana. O que significa que fora a citação de pensadores revolucionários da nossa história, ou seja, além de Amilcar Cabral, Frantz Fanon , Malcom X e Kwane N'kruman nós devemos estar preparados para ações imediatas conforme nossa interpretação do que é melhor e mais interessante para o povo negro, isto é, de pessoas negras enquanto população historicamente oprimida. Isso é extremamente necessário para o avanço neste processo político.Afrocentricidade é a essência de nossa regeneração porque ela é a orientação com a qual filósofos contemporâneos como Haki Madhhubuti e Maulana Karenga, entre outros, têm articulado uma imagem mais interessante do povo africano. O que é melhor do que operar e agir segundo nosso próprio interesse coletivo? O que é mais gratificante do que enxergar o mundo com nossos próprios olhos? O que repercute mais nas pessoas do que compreender que somos o centro de nossa história e não qualquer um? Se nós podemos, durante o processo de conscientização, reivindicar nosso espaço como agentes da transformação progressiva, então podemos modificar nossa condição e mudar o mundo.Afrocentricidade mantém nossa reivindicação por espaço, exclusivamente, se entendermos as características gerais da afrocentricidade também como aplicações práticas de campo.
As cinco características gerais do método afrocêntrico :
1. O método afrocêntrico considera que nenhum fenômeno pode ser apreendido adequadamente sem ser localizado primeiro. Um fenômeno deve ser estudado e analisado a partir das relações de tempo e espaço psicológicos. Ele deve sempre ser localizado. Ou seja, este é o único modo para investigar as complexas interrelações entre ciência e arte, projeto e execução, criação e manutenção, geração e tradição e tantas outras áreas atravessadas pela teoria.
2. O método afrocêntrico considera o fenômeno múltiplo, dinâmico e em movimento e, portanto, ele é imprescindível para uma pessoa anotar cuidadosamente e registrar de modo preciso a localização do fenômeno em meio às flutuações. O que significa que o(a) investigador(a) deve saber onde ele ou ela se encontra no processo.
3. O método afrocêntrico considera é uma forma de crítica cultural que examina a ordem e os usos etimológicos das palavras e termos para reconhecer a localização das fontes de um(a) autor(a). O que nos permite articular idéias com ações e ações com idéias baseado no que é pejorativo e ineficaz, e, baseado no que é criativo e transformador em níveis políticos e econômicos.
4. O método afrocêntrico procura descobrir o que está por trás das máscaras da retórica do poder, privilégio e hierarquia para estabelecê-lo como o principal lugar de produção de mitos. O método estabelece uma reflexão crítica que revela que a percepção do poder monolítico não passa da projeção de uma armação de aventureiros.
5. O método afrocêntrico localiza a estrutura imaginativa de sistemas econômicos, partidos políticos, política de governo, forma de expressão cultural através da atitude, direção e linguagem do fenômeno, seja ele texto, instituição, personalidade, interação ou evento.
Afrocentricidade Analítica:
Afrocentricidade analítica é a aplicação de princípios do método afrocêntrico para análise textual. Um(a) afrocentrista busca entender os princípios do método afrocêntrico para usá-los como guia na análise e discurso. Sem dizer que a(o) afrocentrista não pode exercer com congruência seu papel como cientista e humanista se ela ou ele não localizar adequadamente o fenômeno no tempo e no espaço. Isto significa que a cronologia é tão importante em muitas situações quanto a localização. Os dois aspectos são centrais para toda compreensão adequada da sociedade, história ou personalidade. Portanto como fenômenos são ativos, dinâmicos e diversos em nossa sociedade, o método afrocêntrico requer cientistas focadas em registros rigorosos e anotações cuidadosas que situem espaço e tempo. De fato, o melhor modo de apreender a localização de um texto é determinar de início onde o(a) pesquisador(a) está situado(a) no tempo e no espaço. Uma vez que você sabe a localização e o tempo do(a) pesquisador(a) ou autor(a) fica mais fácil e rápido estabelecer os parâmetros constitutivos do fenômeno. O valor da etimologia, isto é, a origem dos termos e palavras constituem a identificação e localização dos conceitos. A afrocentrista procura demonstrar nitidamente em sua exposição deslocamentos, desorientações e descentramentos. Um modo simples de acessar os textos objetivamente é através da etimologia. Os laços míticos se relacionam conjuntamente seja pessoalmente ou na produção conceitual. Esta é a tarefa da(o) afrocentrista: determinar o alcance dos mitos sociais, tanto os que são representados como centrais quanto os que são representados como marginais. O que significa que qualquer análise textual deve levar em consideração realidades concretas e experiências vividas; com efeito, experiências históricas constituem o elemento chave da analítica afrocêntrica. Em sua atitude investigativa, a direção e linguagem da(o) afrocentrista está buscando desvelar a imaginação do(a) autor(a). O que afrocentristas buscam fazer é criar oportunidade para o(a) escritor(a) mostrar onde ele ou ela se situa em relação ao assunto. Ou seja, o(a) escritor(a) está marginalizado centrado(a) ou marginalizado(a) em relação a sua própria história?
Filosofia Afrocêntrica
A filosofia da afrocentricidade tal como foi exposta por Molefi Kete Asante e Ama Mazama, figuras centrais da Escola de Temple, indica uma maneira de inquirir questões do âmbito cultural, econômico, político e social considerando o povo africano como protagonista. Existem outras idéias afrocêntricas também; mas, as principais foram propostas nos textos dos professores universitários Asante, Mazama e mais tarde por C. Tsehloane Keto. Na verdade, afrocentricidade não pode ser reconciliada com nenhuma filosofia hegemônica ou idealista. O que é contrário ao individualismo radical expresso pela escola pós-moderna. Mas, isso também está em oposição ao blá-blá-blá, confusão e superstição. Como exemplo de diferença entre os métodos da afrocentricidade e da pós-modernidade, vamos considerar a questão a seguir: “Por que africanos têm sido postos fora do desenvolvimento global?” A pós-modernidade começa dizendo que não existe algo como “africanos” porque existem diferentes tipos de africanos e todos africanos não são iguais. Pós-modernos(as) deveriam dizer que se existem africanos e descrever suas condições, respondendo a pergunta do porquê do desenvolvimento dos africanos estar aquém do desenvolvimento econômico global; portanto, eles estão fora das parcerias que determinam o funcionamento da economia mundial. Dito de outro modo, para o(a) afrocentrista não está em questão o fato de existir um senso coletivo de africanidade revelado na experiência comum do mundo africano. A afrocentrista deve observar as questões pela localização; controle hegemônico da economia global, marginalização e lugares de poder constituem a chave para entender o subdesenvolvimento econômico do povo africano.
Renato Nogueira Jr. é ativista e intelectual, engajado em pesquisas e práticas afrocentradas no Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), atua como Professor de Filosofia da Educação o Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
3. Afroperspectividade: por uma filosofia que descoloniza
Por Daniel Ribeiro / 3 meses atrás / Comportamento / Sem Comentários
Entrevista com o doutor em filosofia e professor da UFRRJ, Renato Noguera
Por Tomaz Amorim
Hoje iniciamos uma série de entrevistas com intelectuais e militantes da luta negra no Brasil. Nosso primeiro entrevistado é Renato Noguera, filósofo e professor da UFRRJ, que fala sobre o surgimento de uma tendência na filosofia brasileira chamada Afroperspectividade. Renato e outros pesquisadores tentam formular conceitos recorrendo às tradições indígena, africana e afro-brasileira. Se Nietzsche buscou inspiração nas figuras europeias clássicas de Apolo e Dionísio para suas formulações sobre a arte moderna, Renato Noguera e outros pesquisadores recorrem a figuras como a Mãe-de-santo e a conceitos como o de drible. O tripé referencial desta empreitada vem de Abdias do Nascimento, Viveiros de Castro e Molefi Asante. A proliferação conceitual de Deleuze dá o exemplo, segundo Renato, a ser superado. Nesta entrevista, falamos também sobre o conceito de epistemicídio (de Suely Carneiro), sobre as filosofias africanas – a anterior à grega e a contemporânea – e sobre como jovens negros em contextos violentos podem se descolonizar através da Filosofia. Renato ainda critica a ideia de mestiçagem e faz um balanço da aplicação das leis 10.639 e 11.645/08 que preveem o ensino de histórias e culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras em nossas escolas. Há um pensamento negro e crítico ganhando espaço nas universidades brasileiras. Renato Noguera e outros pesquisadores do Afroperspectividade são uma de suas frentes mais interessantes no campo filosófico.
“Numa sociedade racista que apresenta dados alarmantes de violência urbana em que as principais vítimas são jovens negras e negros, filosofar pode ajudar a repensar o cenário político e social. Mas, insisto, eles devem estudar uma Filosofia que seja marginal e antidogmática. Uma Filosofia que pense o racismo, uma Filosofia que trate da violência, uma Filosofia que pense o Brasil, uma Filosofia enredada no nosso território cultural, uma Filosofia que está porvir e que, talvez, possa estar em semente no pluriverso filosófico afroperspectivista.”
RN: Renato Noguera
TA: Tomaz Amorim (entrevistador)
TA: Renato, você é professor de Filosofia na UFRRJ. Como foi sua trajetória acadêmica, da escola até a posição de professor universitário? Por que a Filosofia?
RN: Em resumo, estudei no Colégio Pedro II e lá, fazendo orientação vocacional aos 13 anos, recebi como “diagnóstico” Filosofia ou Ciências Sociais. Depois pensei em estudar Medicina, Direito ou Letras, mas tinha em mim algumas questões que eram nitidamente filosóficas. Depois de ter ficado na lista de espera para Direito na UERJ, escolhi Filosofia na UFRJ. Eu me lembro que desde a infância vivia me perguntando pelo sentido da vida, ficava comparando o infinito do céu com a finitude humana. Enfim, dos 18 aos 21 anos fiz o bacharelado em Filosofia, aos 22 anos conclui a licenciatura e entrei no Mestrado em Filosofia na UERJ, sob orientação do professor Gerd Bornheim. Depois de dois semestres decidi mudar, prestei outra prova de seleção e acabei indo para a UFSCar, onde cursei o mestrado de 1996 a 29 de fevereiro 2000 (data de defesa da dissertação). No mestrado pude estudar sob orientação do grande Bento Prado Jr. Na época, o mestrado durava quatro anos, toda minha turma usou igualmente o prazo, nós fazíamos as disciplinas em três ou quatro semestres e ficávamos pesquisando e escrevendo pelo mesmo período. Depois do mestrado, voltei a morar no Rio de Janeiro e entrei no doutorado em 2001 na UFRJ, onde o defendi em 31 de março de 2006 com apoio do mesmo orientador da minha monografia, o generoso Mário Guerreiro. Eu estudei a Filosofia de Schopenhauer e participei da fundação do Grupo de Trabalho (GT) Schopenhauer na Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) em 2004. Na tese de doutorado, articulei as Filosofias de Platão, Schopenhauer e Deleuze para propor uma alternativa schopenhaueriana para uma formulação feita por Platão. A Filosofia de Deleuze trouxe a estratégia de criação de conceitos. Durante 11 anos fui professor da Educação Básica, trabalhei no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior, paralelamente, dei aula em várias escolas privadas, tais como a Escola Parque. Trabalhei na Universidade Estácio de Sá, fui professor substituto da UERJ, da UFRJ e da rede pública estadual fluminense. Entre 2005 e 2006 cheguei a ter 27 turmas por semana. No ano de 2008 fui aprovado em concurso público para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
TA: Da graduação ao doutorado você se dedicou ao estudo da obra de Schopenhauer, um dos mais importantes filósofos de língua alemã do século XIX. Hoje você é conhecido, principalmente, pelo esforço em produzir uma Filosofia a partir de temas e pensadores africanos. Nesta transição, você acha que houve um rompimento entre os temas ou há uma continuidade na sua produção?
RN: Não sei se foi um rompimento. Eu estudei Schopenhauer por bastante tempo, praticamente de 1991 até 2006, mas, paralelamente, tive outra formação. Tive o privilégio de ter uma formação familiar e política que levou-me para o ativismo negro desde cedo. Por isso, eu estudava, paralelamente, o pensamento africano. Eu sabia que nos anos 1990 e no início dos 2000 seria difícil colocar esse assunto no mundo acadêmico filosófico. O professor Mário Guerreiro me disse sabiamente: termine o doutorado e você poderá pesquisar isso. Foi o que fiz.
TA: Você reivindica uma origem africana à Filosofia, que teria vindo do Egito para a Grécia. Quais são os indícios históricos desta afirmação? Quem quiser se aprofundar nesta questão deve buscar quais referências?
RN: Eu trabalho com a noção de que a Filosofia é pluriversal; não faço coro com a leitura hegemônica de que filosofar seja universal e tenha sido uma invenção grega. Neste sentido, não reivindico que os africanos inventaram a Filosofia. Eu advogo que o Egito, desde 2780 antes da Era Comum, tem uma produção filosófica e possuía escolas de rekhet, termo que, segundo o egiptólogo e filósofo Theóphile Obenga, significa “Filosofia”. Não há dúvida de que Platão, Pitágoras e Tales de Mileto, dentre outros gregos, passaram algum tempo no Antigo Egito. Diversas fontes convergem para a tese de que Pitágoras (570-496 A.E.C) foi o primeiro a usar o termo “Filosofia” depois de retornar do Egito. Diógenes de Laércio e Cícero são fontes importantes dessa perspectiva bastante conhecida. Há um discurso crítico que atribuiria aos gregos uma espécie de plágio da Filosofia egípcia. Eu não defendo isso, tampouco a ausência de influência. É óbvio que todas as culturas são dinâmicas. Eu não defendo que os egípcios inventaram a Filosofia, o que eu digo é mais simples: os textos egípcios são filosóficos e mais antigos do que os gregos. Ou seja, os registros filosóficos africanos são anteriores aos ocidentais. Não estou preocupado com primazia, mas com a legitimidade filosófica africana na Antiguidade. Eu sou contra a recusa desse material por puro dogmatismo, por uma postura que, não encontro outra palavra, tem sido profundamente antifilosófica por parte de colegas com boa formação na área. Eu não digo que os africanos inventaram a Filosofia por dois motivos. Primeiro: amanhã ou depois podemos encontrar algum texto mais antigo do que os egípcios com cerca de mais de 2500 anos antes da Era Comum, isto é, de aproximadamente 4500 anos. Segundo: penso que é um falso problema apontar qual povo inventou a Filosofia, qual povo lavrou sua certidão de nascimento. Seria o mesmo que procurar o povo que inventou a Arquitetura. Penso que todos os povos tinham suas próprias construções. Faz mais sentido apontar as diferenças. Assim, o que soa estranho é reduzir toda diversidade a apenas uma escola. Eu tenho pensado desse modo. As nossas pesquisas são baseadas em diversas fontes, ainda pouco examinadas, que confirmam que os textos africanos são anteriores aos ocidentais. Os egípcios começaram a filosofar antes dos gregos. Além disso, há o fato de que o Egito antigo era uma sociedade negra, o que foi, conforme Martin Bernal e Cheikh Anta Diop, falsificado por conta do racismo antinegro que não aceitaria facilmente que uma sociedade muito avançada tecnologicamente naquele momento histórico pudesse ser negra. Ainda hoje encontramos representações brancas do Antigo Egito. Sem dúvida, minhas afirmações em torno da ideia de que existia uma produção filosófica anterior aos gregos recebe uma vasta série de objeções. O elenco é vasto. Mas para aprofundar o debate eu sempre indico o exame dos trabalhos de George James com Legado roubado (Stolen Legacy), passando pelas obras de Cheikh Diop, Theóphile Obenga, Molefi Asante, até A Filosofia antes dos gregos, de José Nunes Carreira.
TA: A Filosofia trabalhou durante muitos séculos com a ideia de universal. No século XX, principalmente, surgiram as Filosofias da diferença e uma produção teórica impulsionada por grupos historicamente oprimidos e por suas questões e reivindicações. É possível entender estas formulações específicas sob o pano de fundo do universal ou elas estariam justamente denunciando a falsidade deste universal?
RN: Penso que as Filosofias da diferença são muito importantes nessa denúncia, mas concordo com o filósofo porto-riquenho Maldonado-Torres que diz que: “os filósofos e os professores de Filosofia tendem a afirmar as suas raízes numa região espiritual invariavelmente descrita em termos geopolíticos: a Europa”. Apesar da enorme compreensão, percebo ainda uma perspectiva, por assim dizer, “conservadora”. O que não significa que eu não dialogue muito com essa abordagem, reconhecendo os seus limites.
TA: Qual a importância da Filosofia produzida hoje no continente africano? Qual sua relação com o pensamento africano na diáspora?
RN: Existem muitos expoentes na Filosofia africana contemporânea, posso citar alguns. Achille Mbembe tem uma obra muito interessante chamadaCrítica da razão negra, um belo trabalho de Filosofia política em que ele problematiza o conceito de “negro” e apresenta um risco trazido pelo neoliberalismo e pela crise da Europa como centro político mundial. Mbembe diz algo como “os riscos sistemáticos aos quais os escravos negros foram expostos durante o primeiro capitalismo constituem agora, se não a norma, pelo menos o quinhão de todas as humanidades subalternas”. O trabalho do filósofo sul-africano Mogobe Ramose questiona o conceito de universalidade, substituindo-o pelo de pluriversalidade. Ramose explica como os conflitos geopolíticos entre europeus e africanos foram responsáveis pela invisibilidade sistemática do pensamento filosófico africano. Ora, esse problema tem sido debatido no contexto da afrodiáspora de diversos modos. O filósofo afro-americano Charles Mills disse algo muito interessante, mais ou menos assim, “nas Ciências Humanas, a Filosofia é a área mais branca”. No Brasil, Sueli Carneiro trouxe a ideia de epistemicídio. É preciso citar outros nomes que têm pesquisado o assunto como Wanderson Flor Nascimento da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo David Oliveira da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Emanoel Soares da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), além de estudantes de Programas de Pós-Graduação no Paraná como Roberto Jardim e Thiago Dantas, que lançou o livro Descolonização Curricular: A Filosofia Africana no Ensino Médio (2015). No Rio de Janeiro, um grupo de estudantes de pós-graduação, professores da educação básica e um professor da UERJ construíram um projeto que transformou-se no livroSambo, logo penso: afroperspectivas filosóficas para pensar o samba (2015), organizado por Wallace Lopes com participação de Marcelo Rangel, professor da Universidade Federal de Outro Preto (UFOP), Sylvia Arcuri, Eduardo Barbosa, Felipe Siqueira, Filipi Gradim, Guilherme Celestino e Marcelo Moraes, professor da UERJ. Esse grupo tem feito um belo trabalho filosofando através do samba e usando o repertório cultural negro, africano, afro-brasileiro, ameríndio e indígena.
TA: A tradição oral parece fundamental nas diversas culturas africanas. Quais os desafios em transportar esta tradição para a narrativa e Filosofia escritas?
RN: O pluriverso cultural africano é vasto. Conforme afirma Diop, existe algo em comum entre os povos africanos do mesmo modo que nas culturas ocidentais pode-se identificar alguns elementos razoavelmente constantes. Penso que existe muito desconhecimento sobre os povos africanos. O livroEtno-História do Império Mali de José Lampréia pode se juntar ao arsenal de trabalhos organizados pelo historiador africano Joseph Kizerbo e de tradicionalistas como Hampâte Bá para elucidar que existiam sociedades como o Império Mali, entre os séculos VIII e XVII. A historiografia africana aponta que no século XIV existiam 150 escolas e uma universidade na cidade de Tombuctu, com um vasto acervo em suas bibliotecas. Abdel Kader Haidara tem feito um belo trabalho tentando salvar a vasta documentação que grupos fundamentalistas querem destruir. Ora, faço esse comentário para explicar que existem registros escritos e orais no continente africano. Eu percebo que pouco se fala a respeito do material escrito dos séculos XIV, XV e XVI. Sem contar o vasto material egípcio de 2780 até 330 antes da Era Comum, conforme catalogado por Théophile Obenga. Afinal, mesmo diante das tentativas de falsificação histórica, o Egito Antigo não pode ser embranquecido diante de todas as evidências que Cheikh Anta Diop nos deixou em seus trabalhos. Faço essa digressão para mostrar que, além de material oral, existe muito material escrito que, no entanto, é pouquíssimo conhecido. Pois bem, em relação ao esforço de transpor o “texto” oral para o registro escrito, penso que a oralitura resolve esse aparente problema, transformando o que parecia um obstáculo intransponível numa equação solúvel, desde que os devidos protocolos sejam usados. Pio Zirimu, um incrível linguista ugandense, e uma dupla nascida no Quênia, o escritor e professor de literatura comparada Ngũgĩ Wa Thiong’o e a professora de arte Micere Mugo, explicam que a oralitura é a teoria da composição oral, um modo de catalogar o repertório de registros orais. Não se trata de oralidade, mas de “técnicas” do campo da linguística que criam um acervo oral. Ou seja, a tradição oral pode ser preservada através dessa abordagem. Vale a pena ler o artigo Oralidad y oratura de Juan José Ferrer a esse respeito para compreender melhor o tema. A oralitura é a alternativa para que o conhecimento filosófico antigo registrado oralmente possa ser acessível do mesmo modo que os registros escritos.
TA: Em 2003 foi implantada a lei 10.639, que prevê o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras nas escolas. Por que o estado brasileiro demorou tanto para incluir a história dos ancestrais de mais da metade da população brasileira nas escolas? Passados doze anos, quais foram os avanços da lei e de sua implantação? O que ainda falta? Quais as possibilidades de implantação da lei na disciplina de Filosofia?
RN: Esse tema é objeto de muitas pesquisas. A Lei 10.639/03 recebeu em 2008 o acréscimo da Lei 11.645/08 que inclui o ensino de história e culturas indígenas. A regulamentação da alteração do Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tem pelo menos três documentos fundamentais: 1º) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 2004; 2º) Orientação e Ação para Educação das Relações Étnico-Raciais de 2006; 3º) Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígenas de 2008. Existem muitos trabalhos que trazem um belo panorama a respeito do cenário de implementação dos conteúdos obrigatórios africanos, afro-brasileiros e indígenas no currículo do ensino fundamental e do ensino médio em todas as disciplinas. Um bom balanço tem sido feito pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabis) que integram oficialmente as Instituições Federais de Ensino (IFES), além de existirem também em diversas universidades privadas e públicas. É difícil discorrer sobre isso sem fazer uma monografia. De qualquer modo, existem avanços e resistências. No caso da disciplina Filosofia, posso fazer um resumo porque tenho dedicado parte de meu tempo de pesquisa em investigações a esse respeito, incluindo a pesquisa que coordeno com apoio da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) intitulada Filosofando com sotaques africanos e indígenas, na primeira versão no período de julho de 2014 até junho de 2016. A maior dificuldade no campo da Filosofia está no desconhecimento da produção fora do circuito ocidental. Eu acredito que o livro Ensino de Filosofia e a lei 10.639 que foi publicado pela Pallas em parceria com a Biblioteca Nacional pode ajudar bastante a dirimir dúvidas. Penso que o primeiro passo é uma cuidadosa leitura da documentação que regulamenta o Artigo 26 A da LDB. O segundo passo: descolonização do pensamento, do currículo e das práticas educativas.
TA: Em uma entrevista recente à revista Ensaios Filosóficos você falou em “racismo epistemológico”. O que é isto e como vencê-lo?
RN: O racismo epistêmico ou epistemológico é uma das dimensões mais perniciosas da discriminação étnico-racial negativa. Em linhas gerais, significa a recusa em reconhecer que a produção de conhecimento de algumas pessoas seja válida por duas razões: 1º) Porque não são brancas; 2º) Porque as pesquisas e resultados da produção de conhecimento envolvem repertório e cânones que não são ocidentais. Penso que a disputa para derrotar, ainda que parcialmente, o racismo epistemológico está no esforço por diversificar as leituras. Combater a injustiça cognitiva começa por deixarmos de privilegiar os modelos epistemológicos ocidentais. E, por fim, realizar uma comparação dos modelos de conhecimento, do repertório, criando condições para a polirracionalidade. Minha base para romper com o racismo epistêmico está nas leituras do filósofo Dismas Masolo. É preciso analisar o objeto de conhecimento por ângulos diferentes, mas também por meio de modelos de racionalidade diversos. Isto certamente servirá para enriquecer nosso acervo cognitivo.
TA: A Universidade Federal do Maranhão acabou de anunciar a criação de um curso de graduação em “Estudos Africanos e Afro-Brasileiros”. NEABs, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, têm sido criados em diversas universidades em todo o Brasil. O surgimento destes espaços mostra o começo de uma mudança na presença negra nas universidades?
RN: Sem dúvida. Penso que temos um processo de franca expansão da produção e ocupação acadêmica. O que também pode ser percebido através das reações de grupos mais reacionários que não querem negociar o espaço público de produção de conhecimento.
TA: Os movimentos negros no Brasil têm reivindicado o conceito de genocídio para descrever o número alarmante de negras e negros que perdem a vida no Brasil por conta de ações diretas do estado ou por sua negligência (aborto mal realizado, assassinato pela polícia ou em guerra de facções, vício em drogas, má alimentação, ausência de serviços púbicos de saúde, etc.). A filósofa Sueli Carneiro desenvolve o conceito de epistemicídio, que seria o extermínio constante do conhecimento de povos não-brancos produzidos através da história e ainda hoje. Você acha que há uma relação entre estes dois tipos de extermínio?
RN: Sem dúvida. O que está em jogo não deixa de ser uma disputa pela versão única da História, da Filosofia, dos modelos e práticas políticas frente à diversidade de perspectivas. A denúncia feita por Sueli Carneiro é magistral, considero o seu trabalho uma das referências mais importantes da área no Brasil. Por exemplo, quando falamos em culinária as pesquisas apontam que a atividade de cozinhar é um território feminino. Em certa medida, na esfera privada no Brasil as mulheres cozinham mais do que os homens. No Brasil escravocrata, as mulheres negras escravizadas protagonizaram os serviços culinários. Mas a alta gastronomia e o papel de chef de cozinha parece ter um elenco majoritariamente branco e masculino. Tudo isso está relacionado ao epistemicídio, ao genocídio. A performance na área da gastronomia inclui a filiação étnico-racial. Os dados e o ranking de melhores chefs mostra que o gênero é masculino, a cor/raça é branca e o sotaque francês. Óbvio que não estou dizendo que homens brancos não podem ser chefs maravilhosos. O que o exemplo mostra é que o epistemicídio dificulta a “escuta” do discurso gastronômico das mulheres negras, já que os homens brancos são naturalmente mais empoderados na disputa.
TA: Você propõe uma Filosofia afroperspectivista. O que é isto? Quais as origens teóricas e políticas deste conceito? Existem outros pensadores hoje no Brasil e no mundo dedicados ao seu desenvolvimento? Quais são até agora seus principais trabalhos?
RN: Por Filosofia afroperspectivista ou Afroperspectividade defino uma linha ou abordagem filosófica pluralista que reconhece a existência de várias perspectivas, sua base é demarcada por repertórios africanos, afrodiaspóricos, indígenas e ameríndios. O que denominamos de Filosofia afroperspectivista é uma maneira de abordar as questões que passa por três referências: 1ª) Afrocentricidade; 2ª) Perspectivismo ameríndio; 3ª) Quilombismo. Alguns aspectos da formulação intelectual feita por Molefi Asante articuladas com certas questões suscitadas pela etnologia amazônica de Eduardo Viveiros de Castro com a formulação política do quilombismo de Abdias do Nascimento são as fontes para a Filosofia afroperspectivista. Vou repetir o que escrevi no capítulo Sambando para não sambar: afroperspectivas filosóficas sobra a musicidade do samba e a origem da Filosofia. A Filosofia afroperspectivista reúne alguns dos seguintes elementos:
Afroperspectividade define a Filosofia como uma coreografia do pensamento.
A Filosofia afroperspectivista define o pensamento como movimento de ideias corporificadas, porque só é possível pensar através do corpo. Este, por sua vez, usa drible e coreografia como elementos que produzem conceitos e argumentam.
Os conceitos afroperspectivistas são construídos a partir de movimentos de coreografia de personagens conceituais melanodérmicos. Neste sentido, os conceitos são escritos com os pés, com as mãos e com cabeça ao mesmo tempo.
A Filosofia afroperspectivista define a comunidade/sociedade nos termos da cosmopolítica bantu: comunidade é formada pelas pessoas que estão presentes (vivas), pelas que estão para nascer (gerações futuras/futuridade) e pelas que já morreram (ancestrais/ancestralidade).
A Filosofia afroperspectivista é policêntrica, percebe, identifica e defende a existência de várias centricidades e de muitas perspectivas.
A Filosofia afroperspectivista não toma o prefixo “afro” somente como uma qualidade continental; estamos diante de um quesito existencial, político, estético e que nada tem de essencialista ou metafísico.
A Filosofia afroperspectivista usa a roda como método, um modelo de inspiração das rodas de samba, candomblé, jongo e capoeira que serve para colocar as mais variadas perspectivas na roda antes de uma alternativa ser alcançada. A roda é uma metodologia afroperspectivista.
Afroperspectividade é devedora da Filosofia ubuntu de Mogobe Ramose.
Afroperspectividade define competição como cooperação, isto é, competir [significa petere (esforçar-se, buscar) cum (juntos)], localizar alternativas que são as melhores num dado contexto, mas, não são únicas, tampouco permanentes e devem atender toda a comunidade.
Afroperspectividade é devedora do Nguzo Saba formulado por Maulana Karenga, isto é, se baseia nos sete princípios éticos que ajudam a organizar e orientar a vida. A saber: Umoja (unidade): empenhar-se pela comunidade; Kujichagulia (autodeterminação): definir a nós mesmos e falar por nós; Ujima (trabalho e responsabilidade coletivos): construir e unir a comunidade, perceber como nossos os problemas dos outros e resolvê-los em conjunto; Ujamaa (economia cooperativa): interdependência financeira, recursos compartilhados; Nia (propósito): transformar em vocação coletiva a construção e o desenvolvimento da comunidade de modo harmônico; Kuumba (criatividade): trabalhar para que a comunidade se torne mais bela do que quando foi herdada; Irani (fé): acreditar em nossas(os) mestres.
Afroperspectividade é devedora das reflexões e inflexões filosóficas de Sobonfu Somé, definindo o amor como um projeto espiritual e comunitário que serve para manter a sanidade individual e deve contar com o apoio de uma comunidade para ser preservado.
Afroperspectividade define o tempo dentro do itan [verso]iorubá que diz: “Bara matou um pássaro ontem com a pedra que arremessou hoje”. O tempo não é evolutivo, tampouco se contrai ou pode ser tomado como um círculo ou uma linha reta; mas, de modo simples, diz que o passado é definido pelo presente e o futuro é um conjunto de encruzilhadas, isto é, destinos (odu).
Afroperspectividade permanece em aberto, sempre apta a incluir perspectivas que usem o conceito de odara como crivo de validade de um argumento, entendendo odara como bom, na língua ioruba, uma espécie de bálsamo de revitalização existencial.
Em relação às pessoas que filosofam com algum sotaque afroperspectivista, posso dizer que estão reunidas em Sambo, logo penso. Eu não quero falar por ninguém, nem sou representante especial dessa abordagem filosófica, penso que sou, apenas, academicamente mais antigo do que o resto do grupo. No livro Sambo, logo penso: afroperspectivas filosóficas para pensar o samba(2015) organizado por Wallace Lopes, numa coordenação conjunta que fiz com Sylvia Arcuri e Marcelo Moraes, estão reunidas as pessoas que fazem esse exercício afroperspectivista de modo formal ou informal, Marcelo Rangel, Eduardo Barbosa, Felipe Siqueira, Filipi Gradim, Guilherme Celestino. No projeto Filosofando com sotaques africanos e indígenas, tenho algumas parcerias: o Prof. Rogério Seixas da Universidade de Barra Mansa, Filipe Ceppas da UFRJ, Wanderson Nascimento da UFBA e Wanderely Silva da UFRRJ, estes são colegas que mesmo não se professando afroperspectivamente apoiam e são pesquisadores associados do projeto. Em relação às principais obras: penso que estão porvir, mas Ensino de Filosofia e a Lei 10. 639 (2014)foi o primeiro livro em que confessei esse desejo intelectual de filosofar com sotaques africanos, indígenas, performances femininas, sambando, jogando bola, com carimbó e com um repertório suburbano, enfim, lançando mão das minhas referências culturais.
TA: Qual o papel das mulheres na produção negra de conhecimento no cenário brasileiro? A figura da negra ainda se resume ao papel tradicional de mãe ou a Filosofia afroperspectivista aponta outros espaços possíveis para ela?
RN: Grande interrogação. Penso que o lugar das mulheres só pode ser de protagonismo. Atualmente tenho orientado mulheres em cursos de pós-graduação e buscado apoiar suas iniciativas. Na Filosofia afroperspectivista, estamos cada vez mais pensando em amplificar e fazer circular com mais intensidade as performances femininas. Por exemplo, em um artigo sobre a genealogia do drible mencionei personagens conceituais melanodérmicas da Filosofia afroperspectivista. Nós estamos investindo em estudos a respeito da personagem da Pomba-Gira, por exemplo. Além disso, a pensadora burquinense Sobonfu Somé é uma das nossas maiores referências quando se trata de falar de relacionamentos afetivos e conjugalidades.
TA: A mãe de santo, o jongueiro, o vagabundo, orixás, ubuntu, denegrir, vadiagem, drible, mandinga, enegrecimento, roda, cabeça feita, corpo fechado, estas são algumas imagens e figuras ligadas ao universo negro que você transforma em conceitos filosóficos. No conceito de drible, por exemplo, você faz um interessante resgate histórico do drible no futebol e busca aplicá-lo à tradição acadêmica europeia, exigindo que o pensamento pense também com o corpo. Traduzir tipos históricos e imagens tradicionais em conceitos filosóficos é o procedimento principal da Filosofia afroperspectivista?
RN: É um dos procedimentos. Um dos modos de atuar é trazer o nosso repertório cultural. A maioria das pessoas que usam a afroperspectividade tem sólida formação nas rodas de samba, nos terreiros de candomblé e umbanda, pajelança, xamanismo, nas rodas de capoeira, algumas são jogadoras de futebol e/ou estudiosas de esquemas táticos. Nesse sentido, se o filósofo alemão Adorno usou Ulisses para fazer uma leitura da Modernidade, se Nietzsche falou de Apolo e Dioniso, nós usamos outras personagens: Exu, Pomba-Gira, Zé Malandro, Zumbi dos Palmares, Ogum, Oxóssi, Tupi, Iara, dentre outras.
TA: O filósofo francês Gilles Deleuze é uma referência importante nos seus escritos. É possível trabalhar com escritores europeus em uma Filosofia afroperspectivista? Há limites e dificuldades nesta relação?
RN: A resposta é sim para os dois casos. Ou seja, apesar de ser viável trabalhar com autores europeus, existem limites. Isto está explícito em uma defesa que o próprio Deleuze faz ao lado do psicanalista Félix Guattari em O que é Filosofia?: “Se a Filosofia tem uma origem grega, como é certo dizê-lo, é porque a cidade, ao contrário dos impérios ou dos estados, inventa o agôn como regra de uma sociedade de ‘amigos’, a comunidade dos homens livres enquanto rivais (cidadãos)”. Por isso, ainda que Deleuze seja muito importante para os meus escritos, reconheço limites sérios. Como eu digo sempre, na esteira do filósofo Maldonado-Torres, os filósofos europeus têm essa mania colonial. Sem dúvida, Deleuze é um dos filósofos que mais tem nos ajudado em nossas insurreições. Mas como desejamos criar aldeias e quilombos filosóficos, Deleuze só ajuda a destruir os velhos castelos ocidentais da Filosofia. Para construir a aldeia quilombista precisamos de pessoas que filosofam com samba.
TA: Qual o papel da mestiçagem, ideia fundamental na história da formação racial brasileira, no seu pensamento?
RN: Eu não reivindico a categoria de mestiçagem em nenhum momento. Não se trata de uma dificuldade, mas de um termo muito equívoco, uma ideia que traz mais dificuldades e confusões do que alternativas políticas. Eu identifico um grave problema. O termo “raça” pode ser usado com vários sentidos, destaco dois: sinônimo de espécie ou alusão ao caráter social e histórico que diferencia grupos humanos pelo fenótipo. Ora, os sentidos são trocados e como diz o ditado “não se deve confundir alhos com bugalhos”. Tecnicamente, uma pessoa com mãe austríaca branca e pai norueguês branco é tão mestiça quanto alguém que tem um pai nigeriano da etnia iorubá com uma mãe sueca de pele alva. Minha leitura percebe que o conceito mestiço só faria pleno sentido em casos de centauros, uma mistura de humanos com cavalos, ou ainda, se um ser extraterrestre procriasse com uma pessoa da nossa espécie. Dessa união (extraterrestre com terrestre) nasceria um ser mestiço. Minha experiência política e meus investimentos intelectuais trazem um pensamento diferente desse. Nós somos da mesma raça (no sentido de espécie biológica), mas isso não quer dizer que não exista raça num sentido social e histórico, ou seja, populações que podem ser diferenciadas por características étnico-raciais, isto é, pelo fenótipo. Mas a existência de mestiços pressuporia diferenças de natureza entre as “raças”, o que não é o caso. Eu exemplifico, os jogadores de futebol Daniel Alves e Kaká são “igualmente” mestiços. Porque provavelmente ambos têm pessoas brancas, negras (pretas e pardas) e indígenas em suas ancestralidades. Mas foi Daniel Alves que reclamou dos xingamentos de torcidas que além de jogar bananas, o chamaram de macaco diversas vezes. Conforme minhas pesquisas superficiais, Kaká nunca foi chamado de “macaco” quando jogava na Europa. Ora, Kaká é branco e Daniel Alves é pardo, isto é, negro. (O sistema classificatório étnico-racial brasileiro é bem simples: o IBGE informa cinco categorias de cor/raça: amarela, branca, indígena, parda e preta. É importante notar que a categoria negra não é sinônimo de preta, mas a soma desta com “parda”. Ou seja, pardos + pretos = negros).
Por isso, Neymar viveu alguns episódios de discriminação racial em campo, algo impensado para Zico ou Kaká na mesma Europa. Penso que a ideia de mestiçagem cria mais dificuldades e confusões do que efetivas alternativas ao racismo e para a compreensão da sociedade brasileira. A suposição da existência da “mestiçagem” tem sido munição para as teorias puristas. Afinal, para haver mestiços é preciso que existam puros. Supor a mestiçagem parece uma crítica de tom antirracista, mas acaba por revitalizar o racismo que “gostaria” de combater. A ideia de pureza fez e continua fazendo muitos estragos políticos, penso que devemos riscar a ideia de “mestiçagem” dos nossos dicionários político e intelectual, levando a ideia de “pureza” junto. Afinal, não existem puros, tampouco impuros ou misturados. Concordo com Carlos Moore, só existem fenótipos. Por isso, a mestiçagem não faz parte do meu trabalho. Não acredito e nem vejo como a “mestiçagem” poderia ajudar a resolver qualquer tensão racial.
TA: Por fim, Renato. Em um contexto de opressão e violência, como é o de muitos jovens negras e negros no Brasil, por que eles deveriam estudar Filosofia ?
RN: A Filosofia pode ser um exercício de descolonização. Mas também pode ser de colonização e recolonização. Nós defendemos uma Filosofia que descoloniza, uma Filosofia que declare independência e autonomia sem dogmas. Numa sociedade racista que apresenta dados alarmantes de violência urbana em que as principais vítimas são jovens negras e negros, filosofar pode ajudar a repensar o cenário político e social. Mas, insisto, eles devem estudar uma Filosofia que seja marginal e antidogmática. Uma Filosofia que pense o racismo, uma Filosofia que trate da violência, uma Filosofia que pense o Brasil, uma Filosofia enredada no nosso território cultural, uma Filosofia que está porvir e que, talvez, possa estar em semente no pluriverso filosófico afroperspectivista.
Fonte: Blog Negro Belchior
Vídeos sobre filosofia africana.
Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀ (Vocabulário).
Fídíò, fídéò, v. Vídeo.
Lórí, lérí, prep. Sobre, em cima de.
Ìmòye, filọ́sọ́fi, s. Filosofia.
Áfríkà, s. África.
A partir de Imhotep para Akhenaton: Uma Introdução à Filósofos egípcias
"A filosofia africana é, portanto aquela elaborada ou produzidas pelos africanos e que pode ser reelaborara ou reproduzidas por outros povos; ou então, é a filosofia praticada hoje em dia pelos africanos da mesma forma como acontece nos outros países do mundo. Os africanos produziram e produzem conhecimentos até os tempos atuais, como nos ilustra o também filosofo e Egiptólogo Molefe Kente Asante em sua obra From Imhotep to Akhenaten: An introdutivo to Egípcia Philosophers a filosofia Kemetica ( nome dado ao antigo Egito) ou filosofia egípcia toma-se como exemplo, diz ele: “A filosofia egípcia faraônica no qual particular importância assumem, sobretudo o quatro grandes escolas do pensamento egípcio: a escola de On, ou Heliopoles,a escola de Dhuty ou Hermóplis e a escola de Waset ou Tebes.
1. Áténì dúdú (Atenas Negra)
Martin Bernal é um estudioso de história política chinesa moderna que afirma que a civilização clássica grega na realidade se originou de culturas afroasiáticas e semíticas, e não apenas da Europa, como tradicionalmente é colocado pelos historiadores. Ele chama esta teoria de "Modelo Antigo Revisado", baseado em historiadores clássicos como Heródoto e em suas afirmações e reconhecimentos de uma herança cultural egípcia e fenícia. Este modelo contrasta com o dito Modelo Ariano, que coloca os povos falantes de línguas Indo-européias do norte e as antigas culturas autóctones gregas como a raiz principal da cultura grega. O Modelo Antigo Revisado, Bernal argumenta, possui raízes na civilização clássica que estuda, enquanto o Modelo Ariano advém do racismo em desenvolvimento nos séculos XVIII-XIX. Suas teorias são contestadas por alguns estudiosos da antiguidade clássica, como Maryr Lefkowitz.
Fonte: Wikipedia
2. Afrocentricidade
Dr. Molefi Kete Asante
Tradução Renato Nogueira Jr.Professor do Instituto Multidisciplinar
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Afrocentricidade é um paradigma baseado na idéia de que os povos africanos devem reafirmar o sentido de agência para atingir a sanidade. Durante os anos de 1960 um grupo de intelectuais afro-americanos inseriram os Estudos Negros nos departamentos das universidades, começando a formular maneiras originais de análise do conhecimento. Em muitos casos, estes novos modos foram denominados de conhecimento numa “perspectiva negra” como oposição ao que tem sido considerado “perspectiva branca” da maior parte do conhecimento na academia americana. No fim dos anos de 1970 Molefi Kete Asante começou a falar sobre a necessidade de uma orientação Afrocêntrica da informação. Em 1980 ele publicou o livro, Afrocentricidade: a teoria da mudança social, o qual promoveu pela primeira vez um debate detalhado do conceito. Embora o termo seja anterior ao livro de Asantee tenha sido usado por muitas pessoas, incluindo Asante nos anos de 1970 e Kwame Nkrumah na década de 1960, a ideia intelectual não tinha base enquanto conceito filosófico antes de 1980.
O paradigma Afrocêntrico é uma mudança revolucionária no pensamento proposto como uma correção construtural da desorientação negra, descentramento e falta de agência negra. A Afrocentrista formula a pergunta: “O que as pessoas africanas fariam se não existissem pessoas brancas?”. Em outras palavras, quais as respostas naturais deveriam se dar nos relacionamentos, atitudes em relação ao meio ambiente, padrões de parentesco, preferências por cores, tipo de religião, referências históricas de povos africanos se não tivesse ocorrido nenhuma intervenção do colonialismo e escravização? Afrocentricidade responde esta questão assegurando o papel central do sujeito africano dentro do contexto histórico africano, por conseguinte, removendo a Europa do centro da realidade africana. Deste modo, Afrocentricidade promove uma idéia revolucionária porque estuda idéias, conceitos, eventos, personalidades e processos políticos e econômicos de um ponto de vista do povo negro como sujeito e não como objeto, baseando todo conhecimento na autêntica interrogação sobre a localização.
Isso torna legítimo perguntar: “Donde vem a mina?” ou “onde tá o mano?” “Você ta sufocado com a pressão?”Estas são avaliações e questões relevantes que permitem à pessoa que investiga precisar cuidadosamente o lugar da resposta, o lugar psicológico ou cultural. Como o paradigma da afrocentricidade admite a centralidade de africanas(os), isto é, ideais e valores negros são tomados como as formas mais elevadas de expressão da cultura africana, sua conscientização é um aspecto funcional para uma abordagem revolucionária do fenômeno. O aspecto estrutural e o aspecto cognitivo de um paradigma são incompletos sem o aspecto funcional. Há algo além do conhecimento num sentido afrocentrado; existe também o fazer. Afrocentricidade sustenta que todas as definições são autobiográficas.
Uma das suposições-chave da(o) Afrocentrista é que todas as relações são baseadas em centros e margens e nas distâncias de cada lugar do centro ou da margem. Quando povo negro tem seu ponto de vista centrado, tomando nossa própria história como centro; então, nos enxergamos como agentes, atores e participantes ao invés de marginalizados na periferia da experiência política ou econômica. Com este paradigma, seres humanos descobriram que todos que todos os fenômenos são expressos através de duas categorias fundamentais espaço e tempo. Além disso, no momento que compreendemos que as relações se desenvolvem e o conhecimento se amplia, nos tornarmos aptos a apreciar as questões considerando espaço e tempo.
A intelectual ou ativista afrocentrada sabe que um modo de expressar Afrocentricidade se chama demarcação. Quando uma pessoa traça uma fronteira cultural em torno de um espaço cultural particular num tempo humano, isto é denominado de demarcação. Isto pode ser feito através do anúncio de um determinado símbolo, da criação de laços especiais ou da menção de heroínas e heróis da história e cultura africana. O que significa que fora a citação de pensadores revolucionários da nossa história, ou seja, além de Amilcar Cabral, Frantz Fanon , Malcom X e Kwane N'kruman nós devemos estar preparados para ações imediatas conforme nossa interpretação do que é melhor e mais interessante para o povo negro, isto é, de pessoas negras enquanto população historicamente oprimida. Isso é extremamente necessário para o avanço neste processo político.Afrocentricidade é a essência de nossa regeneração porque ela é a orientação com a qual filósofos contemporâneos como Haki Madhhubuti e Maulana Karenga, entre outros, têm articulado uma imagem mais interessante do povo africano. O que é melhor do que operar e agir segundo nosso próprio interesse coletivo? O que é mais gratificante do que enxergar o mundo com nossos próprios olhos? O que repercute mais nas pessoas do que compreender que somos o centro de nossa história e não qualquer um? Se nós podemos, durante o processo de conscientização, reivindicar nosso espaço como agentes da transformação progressiva, então podemos modificar nossa condição e mudar o mundo.Afrocentricidade mantém nossa reivindicação por espaço, exclusivamente, se entendermos as características gerais da afrocentricidade também como aplicações práticas de campo.
As cinco características gerais do método afrocêntrico :
1. O método afrocêntrico considera que nenhum fenômeno pode ser apreendido adequadamente sem ser localizado primeiro. Um fenômeno deve ser estudado e analisado a partir das relações de tempo e espaço psicológicos. Ele deve sempre ser localizado. Ou seja, este é o único modo para investigar as complexas interrelações entre ciência e arte, projeto e execução, criação e manutenção, geração e tradição e tantas outras áreas atravessadas pela teoria.
2. O método afrocêntrico considera o fenômeno múltiplo, dinâmico e em movimento e, portanto, ele é imprescindível para uma pessoa anotar cuidadosamente e registrar de modo preciso a localização do fenômeno em meio às flutuações. O que significa que o(a) investigador(a) deve saber onde ele ou ela se encontra no processo.
3. O método afrocêntrico considera é uma forma de crítica cultural que examina a ordem e os usos etimológicos das palavras e termos para reconhecer a localização das fontes de um(a) autor(a). O que nos permite articular idéias com ações e ações com idéias baseado no que é pejorativo e ineficaz, e, baseado no que é criativo e transformador em níveis políticos e econômicos.
4. O método afrocêntrico procura descobrir o que está por trás das máscaras da retórica do poder, privilégio e hierarquia para estabelecê-lo como o principal lugar de produção de mitos. O método estabelece uma reflexão crítica que revela que a percepção do poder monolítico não passa da projeção de uma armação de aventureiros.
5. O método afrocêntrico localiza a estrutura imaginativa de sistemas econômicos, partidos políticos, política de governo, forma de expressão cultural através da atitude, direção e linguagem do fenômeno, seja ele texto, instituição, personalidade, interação ou evento.
Afrocentricidade Analítica:
Afrocentricidade analítica é a aplicação de princípios do método afrocêntrico para análise textual. Um(a) afrocentrista busca entender os princípios do método afrocêntrico para usá-los como guia na análise e discurso. Sem dizer que a(o) afrocentrista não pode exercer com congruência seu papel como cientista e humanista se ela ou ele não localizar adequadamente o fenômeno no tempo e no espaço. Isto significa que a cronologia é tão importante em muitas situações quanto a localização. Os dois aspectos são centrais para toda compreensão adequada da sociedade, história ou personalidade. Portanto como fenômenos são ativos, dinâmicos e diversos em nossa sociedade, o método afrocêntrico requer cientistas focadas em registros rigorosos e anotações cuidadosas que situem espaço e tempo. De fato, o melhor modo de apreender a localização de um texto é determinar de início onde o(a) pesquisador(a) está situado(a) no tempo e no espaço. Uma vez que você sabe a localização e o tempo do(a) pesquisador(a) ou autor(a) fica mais fácil e rápido estabelecer os parâmetros constitutivos do fenômeno. O valor da etimologia, isto é, a origem dos termos e palavras constituem a identificação e localização dos conceitos. A afrocentrista procura demonstrar nitidamente em sua exposição deslocamentos, desorientações e descentramentos. Um modo simples de acessar os textos objetivamente é através da etimologia. Os laços míticos se relacionam conjuntamente seja pessoalmente ou na produção conceitual. Esta é a tarefa da(o) afrocentrista: determinar o alcance dos mitos sociais, tanto os que são representados como centrais quanto os que são representados como marginais. O que significa que qualquer análise textual deve levar em consideração realidades concretas e experiências vividas; com efeito, experiências históricas constituem o elemento chave da analítica afrocêntrica. Em sua atitude investigativa, a direção e linguagem da(o) afrocentrista está buscando desvelar a imaginação do(a) autor(a). O que afrocentristas buscam fazer é criar oportunidade para o(a) escritor(a) mostrar onde ele ou ela se situa em relação ao assunto. Ou seja, o(a) escritor(a) está marginalizado centrado(a) ou marginalizado(a) em relação a sua própria história?
Filosofia Afrocêntrica
A filosofia da afrocentricidade tal como foi exposta por Molefi Kete Asante e Ama Mazama, figuras centrais da Escola de Temple, indica uma maneira de inquirir questões do âmbito cultural, econômico, político e social considerando o povo africano como protagonista. Existem outras idéias afrocêntricas também; mas, as principais foram propostas nos textos dos professores universitários Asante, Mazama e mais tarde por C. Tsehloane Keto. Na verdade, afrocentricidade não pode ser reconciliada com nenhuma filosofia hegemônica ou idealista. O que é contrário ao individualismo radical expresso pela escola pós-moderna. Mas, isso também está em oposição ao blá-blá-blá, confusão e superstição. Como exemplo de diferença entre os métodos da afrocentricidade e da pós-modernidade, vamos considerar a questão a seguir: “Por que africanos têm sido postos fora do desenvolvimento global?” A pós-modernidade começa dizendo que não existe algo como “africanos” porque existem diferentes tipos de africanos e todos africanos não são iguais. Pós-modernos(as) deveriam dizer que se existem africanos e descrever suas condições, respondendo a pergunta do porquê do desenvolvimento dos africanos estar aquém do desenvolvimento econômico global; portanto, eles estão fora das parcerias que determinam o funcionamento da economia mundial. Dito de outro modo, para o(a) afrocentrista não está em questão o fato de existir um senso coletivo de africanidade revelado na experiência comum do mundo africano. A afrocentrista deve observar as questões pela localização; controle hegemônico da economia global, marginalização e lugares de poder constituem a chave para entender o subdesenvolvimento econômico do povo africano.
Renato Nogueira Jr. é ativista e intelectual, engajado em pesquisas e práticas afrocentradas no Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), atua como Professor de Filosofia da Educação o Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Por Daniel Ribeiro / 3 meses atrás / Comportamento / Sem Comentários
Entrevista com o doutor em filosofia e professor da UFRRJ, Renato Noguera
Por Tomaz Amorim
Hoje iniciamos uma série de entrevistas com intelectuais e militantes da luta negra no Brasil. Nosso primeiro entrevistado é Renato Noguera, filósofo e professor da UFRRJ, que fala sobre o surgimento de uma tendência na filosofia brasileira chamada Afroperspectividade. Renato e outros pesquisadores tentam formular conceitos recorrendo às tradições indígena, africana e afro-brasileira. Se Nietzsche buscou inspiração nas figuras europeias clássicas de Apolo e Dionísio para suas formulações sobre a arte moderna, Renato Noguera e outros pesquisadores recorrem a figuras como a Mãe-de-santo e a conceitos como o de drible. O tripé referencial desta empreitada vem de Abdias do Nascimento, Viveiros de Castro e Molefi Asante. A proliferação conceitual de Deleuze dá o exemplo, segundo Renato, a ser superado. Nesta entrevista, falamos também sobre o conceito de epistemicídio (de Suely Carneiro), sobre as filosofias africanas – a anterior à grega e a contemporânea – e sobre como jovens negros em contextos violentos podem se descolonizar através da Filosofia. Renato ainda critica a ideia de mestiçagem e faz um balanço da aplicação das leis 10.639 e 11.645/08 que preveem o ensino de histórias e culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras em nossas escolas. Há um pensamento negro e crítico ganhando espaço nas universidades brasileiras. Renato Noguera e outros pesquisadores do Afroperspectividade são uma de suas frentes mais interessantes no campo filosófico.
“Numa sociedade racista que apresenta dados alarmantes de violência urbana em que as principais vítimas são jovens negras e negros, filosofar pode ajudar a repensar o cenário político e social. Mas, insisto, eles devem estudar uma Filosofia que seja marginal e antidogmática. Uma Filosofia que pense o racismo, uma Filosofia que trate da violência, uma Filosofia que pense o Brasil, uma Filosofia enredada no nosso território cultural, uma Filosofia que está porvir e que, talvez, possa estar em semente no pluriverso filosófico afroperspectivista.”
RN: Renato Noguera
TA: Tomaz Amorim (entrevistador)
TA: Renato, você é professor de Filosofia na UFRRJ. Como foi sua trajetória acadêmica, da escola até a posição de professor universitário? Por que a Filosofia?
RN: Em resumo, estudei no Colégio Pedro II e lá, fazendo orientação vocacional aos 13 anos, recebi como “diagnóstico” Filosofia ou Ciências Sociais. Depois pensei em estudar Medicina, Direito ou Letras, mas tinha em mim algumas questões que eram nitidamente filosóficas. Depois de ter ficado na lista de espera para Direito na UERJ, escolhi Filosofia na UFRJ. Eu me lembro que desde a infância vivia me perguntando pelo sentido da vida, ficava comparando o infinito do céu com a finitude humana. Enfim, dos 18 aos 21 anos fiz o bacharelado em Filosofia, aos 22 anos conclui a licenciatura e entrei no Mestrado em Filosofia na UERJ, sob orientação do professor Gerd Bornheim. Depois de dois semestres decidi mudar, prestei outra prova de seleção e acabei indo para a UFSCar, onde cursei o mestrado de 1996 a 29 de fevereiro 2000 (data de defesa da dissertação). No mestrado pude estudar sob orientação do grande Bento Prado Jr. Na época, o mestrado durava quatro anos, toda minha turma usou igualmente o prazo, nós fazíamos as disciplinas em três ou quatro semestres e ficávamos pesquisando e escrevendo pelo mesmo período. Depois do mestrado, voltei a morar no Rio de Janeiro e entrei no doutorado em 2001 na UFRJ, onde o defendi em 31 de março de 2006 com apoio do mesmo orientador da minha monografia, o generoso Mário Guerreiro. Eu estudei a Filosofia de Schopenhauer e participei da fundação do Grupo de Trabalho (GT) Schopenhauer na Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) em 2004. Na tese de doutorado, articulei as Filosofias de Platão, Schopenhauer e Deleuze para propor uma alternativa schopenhaueriana para uma formulação feita por Platão. A Filosofia de Deleuze trouxe a estratégia de criação de conceitos. Durante 11 anos fui professor da Educação Básica, trabalhei no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior, paralelamente, dei aula em várias escolas privadas, tais como a Escola Parque. Trabalhei na Universidade Estácio de Sá, fui professor substituto da UERJ, da UFRJ e da rede pública estadual fluminense. Entre 2005 e 2006 cheguei a ter 27 turmas por semana. No ano de 2008 fui aprovado em concurso público para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
TA: Da graduação ao doutorado você se dedicou ao estudo da obra de Schopenhauer, um dos mais importantes filósofos de língua alemã do século XIX. Hoje você é conhecido, principalmente, pelo esforço em produzir uma Filosofia a partir de temas e pensadores africanos. Nesta transição, você acha que houve um rompimento entre os temas ou há uma continuidade na sua produção?
RN: Não sei se foi um rompimento. Eu estudei Schopenhauer por bastante tempo, praticamente de 1991 até 2006, mas, paralelamente, tive outra formação. Tive o privilégio de ter uma formação familiar e política que levou-me para o ativismo negro desde cedo. Por isso, eu estudava, paralelamente, o pensamento africano. Eu sabia que nos anos 1990 e no início dos 2000 seria difícil colocar esse assunto no mundo acadêmico filosófico. O professor Mário Guerreiro me disse sabiamente: termine o doutorado e você poderá pesquisar isso. Foi o que fiz.
TA: Você reivindica uma origem africana à Filosofia, que teria vindo do Egito para a Grécia. Quais são os indícios históricos desta afirmação? Quem quiser se aprofundar nesta questão deve buscar quais referências?
RN: Eu trabalho com a noção de que a Filosofia é pluriversal; não faço coro com a leitura hegemônica de que filosofar seja universal e tenha sido uma invenção grega. Neste sentido, não reivindico que os africanos inventaram a Filosofia. Eu advogo que o Egito, desde 2780 antes da Era Comum, tem uma produção filosófica e possuía escolas de rekhet, termo que, segundo o egiptólogo e filósofo Theóphile Obenga, significa “Filosofia”. Não há dúvida de que Platão, Pitágoras e Tales de Mileto, dentre outros gregos, passaram algum tempo no Antigo Egito. Diversas fontes convergem para a tese de que Pitágoras (570-496 A.E.C) foi o primeiro a usar o termo “Filosofia” depois de retornar do Egito. Diógenes de Laércio e Cícero são fontes importantes dessa perspectiva bastante conhecida. Há um discurso crítico que atribuiria aos gregos uma espécie de plágio da Filosofia egípcia. Eu não defendo isso, tampouco a ausência de influência. É óbvio que todas as culturas são dinâmicas. Eu não defendo que os egípcios inventaram a Filosofia, o que eu digo é mais simples: os textos egípcios são filosóficos e mais antigos do que os gregos. Ou seja, os registros filosóficos africanos são anteriores aos ocidentais. Não estou preocupado com primazia, mas com a legitimidade filosófica africana na Antiguidade. Eu sou contra a recusa desse material por puro dogmatismo, por uma postura que, não encontro outra palavra, tem sido profundamente antifilosófica por parte de colegas com boa formação na área. Eu não digo que os africanos inventaram a Filosofia por dois motivos. Primeiro: amanhã ou depois podemos encontrar algum texto mais antigo do que os egípcios com cerca de mais de 2500 anos antes da Era Comum, isto é, de aproximadamente 4500 anos. Segundo: penso que é um falso problema apontar qual povo inventou a Filosofia, qual povo lavrou sua certidão de nascimento. Seria o mesmo que procurar o povo que inventou a Arquitetura. Penso que todos os povos tinham suas próprias construções. Faz mais sentido apontar as diferenças. Assim, o que soa estranho é reduzir toda diversidade a apenas uma escola. Eu tenho pensado desse modo. As nossas pesquisas são baseadas em diversas fontes, ainda pouco examinadas, que confirmam que os textos africanos são anteriores aos ocidentais. Os egípcios começaram a filosofar antes dos gregos. Além disso, há o fato de que o Egito antigo era uma sociedade negra, o que foi, conforme Martin Bernal e Cheikh Anta Diop, falsificado por conta do racismo antinegro que não aceitaria facilmente que uma sociedade muito avançada tecnologicamente naquele momento histórico pudesse ser negra. Ainda hoje encontramos representações brancas do Antigo Egito. Sem dúvida, minhas afirmações em torno da ideia de que existia uma produção filosófica anterior aos gregos recebe uma vasta série de objeções. O elenco é vasto. Mas para aprofundar o debate eu sempre indico o exame dos trabalhos de George James com Legado roubado (Stolen Legacy), passando pelas obras de Cheikh Diop, Theóphile Obenga, Molefi Asante, até A Filosofia antes dos gregos, de José Nunes Carreira.
TA: A Filosofia trabalhou durante muitos séculos com a ideia de universal. No século XX, principalmente, surgiram as Filosofias da diferença e uma produção teórica impulsionada por grupos historicamente oprimidos e por suas questões e reivindicações. É possível entender estas formulações específicas sob o pano de fundo do universal ou elas estariam justamente denunciando a falsidade deste universal?
RN: Penso que as Filosofias da diferença são muito importantes nessa denúncia, mas concordo com o filósofo porto-riquenho Maldonado-Torres que diz que: “os filósofos e os professores de Filosofia tendem a afirmar as suas raízes numa região espiritual invariavelmente descrita em termos geopolíticos: a Europa”. Apesar da enorme compreensão, percebo ainda uma perspectiva, por assim dizer, “conservadora”. O que não significa que eu não dialogue muito com essa abordagem, reconhecendo os seus limites.
TA: Qual a importância da Filosofia produzida hoje no continente africano? Qual sua relação com o pensamento africano na diáspora?
RN: Existem muitos expoentes na Filosofia africana contemporânea, posso citar alguns. Achille Mbembe tem uma obra muito interessante chamadaCrítica da razão negra, um belo trabalho de Filosofia política em que ele problematiza o conceito de “negro” e apresenta um risco trazido pelo neoliberalismo e pela crise da Europa como centro político mundial. Mbembe diz algo como “os riscos sistemáticos aos quais os escravos negros foram expostos durante o primeiro capitalismo constituem agora, se não a norma, pelo menos o quinhão de todas as humanidades subalternas”. O trabalho do filósofo sul-africano Mogobe Ramose questiona o conceito de universalidade, substituindo-o pelo de pluriversalidade. Ramose explica como os conflitos geopolíticos entre europeus e africanos foram responsáveis pela invisibilidade sistemática do pensamento filosófico africano. Ora, esse problema tem sido debatido no contexto da afrodiáspora de diversos modos. O filósofo afro-americano Charles Mills disse algo muito interessante, mais ou menos assim, “nas Ciências Humanas, a Filosofia é a área mais branca”. No Brasil, Sueli Carneiro trouxe a ideia de epistemicídio. É preciso citar outros nomes que têm pesquisado o assunto como Wanderson Flor Nascimento da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo David Oliveira da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Emanoel Soares da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), além de estudantes de Programas de Pós-Graduação no Paraná como Roberto Jardim e Thiago Dantas, que lançou o livro Descolonização Curricular: A Filosofia Africana no Ensino Médio (2015). No Rio de Janeiro, um grupo de estudantes de pós-graduação, professores da educação básica e um professor da UERJ construíram um projeto que transformou-se no livroSambo, logo penso: afroperspectivas filosóficas para pensar o samba (2015), organizado por Wallace Lopes com participação de Marcelo Rangel, professor da Universidade Federal de Outro Preto (UFOP), Sylvia Arcuri, Eduardo Barbosa, Felipe Siqueira, Filipi Gradim, Guilherme Celestino e Marcelo Moraes, professor da UERJ. Esse grupo tem feito um belo trabalho filosofando através do samba e usando o repertório cultural negro, africano, afro-brasileiro, ameríndio e indígena.
TA: A tradição oral parece fundamental nas diversas culturas africanas. Quais os desafios em transportar esta tradição para a narrativa e Filosofia escritas?
RN: O pluriverso cultural africano é vasto. Conforme afirma Diop, existe algo em comum entre os povos africanos do mesmo modo que nas culturas ocidentais pode-se identificar alguns elementos razoavelmente constantes. Penso que existe muito desconhecimento sobre os povos africanos. O livroEtno-História do Império Mali de José Lampréia pode se juntar ao arsenal de trabalhos organizados pelo historiador africano Joseph Kizerbo e de tradicionalistas como Hampâte Bá para elucidar que existiam sociedades como o Império Mali, entre os séculos VIII e XVII. A historiografia africana aponta que no século XIV existiam 150 escolas e uma universidade na cidade de Tombuctu, com um vasto acervo em suas bibliotecas. Abdel Kader Haidara tem feito um belo trabalho tentando salvar a vasta documentação que grupos fundamentalistas querem destruir. Ora, faço esse comentário para explicar que existem registros escritos e orais no continente africano. Eu percebo que pouco se fala a respeito do material escrito dos séculos XIV, XV e XVI. Sem contar o vasto material egípcio de 2780 até 330 antes da Era Comum, conforme catalogado por Théophile Obenga. Afinal, mesmo diante das tentativas de falsificação histórica, o Egito Antigo não pode ser embranquecido diante de todas as evidências que Cheikh Anta Diop nos deixou em seus trabalhos. Faço essa digressão para mostrar que, além de material oral, existe muito material escrito que, no entanto, é pouquíssimo conhecido. Pois bem, em relação ao esforço de transpor o “texto” oral para o registro escrito, penso que a oralitura resolve esse aparente problema, transformando o que parecia um obstáculo intransponível numa equação solúvel, desde que os devidos protocolos sejam usados. Pio Zirimu, um incrível linguista ugandense, e uma dupla nascida no Quênia, o escritor e professor de literatura comparada Ngũgĩ Wa Thiong’o e a professora de arte Micere Mugo, explicam que a oralitura é a teoria da composição oral, um modo de catalogar o repertório de registros orais. Não se trata de oralidade, mas de “técnicas” do campo da linguística que criam um acervo oral. Ou seja, a tradição oral pode ser preservada através dessa abordagem. Vale a pena ler o artigo Oralidad y oratura de Juan José Ferrer a esse respeito para compreender melhor o tema. A oralitura é a alternativa para que o conhecimento filosófico antigo registrado oralmente possa ser acessível do mesmo modo que os registros escritos.
TA: Em 2003 foi implantada a lei 10.639, que prevê o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras nas escolas. Por que o estado brasileiro demorou tanto para incluir a história dos ancestrais de mais da metade da população brasileira nas escolas? Passados doze anos, quais foram os avanços da lei e de sua implantação? O que ainda falta? Quais as possibilidades de implantação da lei na disciplina de Filosofia?
RN: Esse tema é objeto de muitas pesquisas. A Lei 10.639/03 recebeu em 2008 o acréscimo da Lei 11.645/08 que inclui o ensino de história e culturas indígenas. A regulamentação da alteração do Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tem pelo menos três documentos fundamentais: 1º) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 2004; 2º) Orientação e Ação para Educação das Relações Étnico-Raciais de 2006; 3º) Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígenas de 2008. Existem muitos trabalhos que trazem um belo panorama a respeito do cenário de implementação dos conteúdos obrigatórios africanos, afro-brasileiros e indígenas no currículo do ensino fundamental e do ensino médio em todas as disciplinas. Um bom balanço tem sido feito pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabis) que integram oficialmente as Instituições Federais de Ensino (IFES), além de existirem também em diversas universidades privadas e públicas. É difícil discorrer sobre isso sem fazer uma monografia. De qualquer modo, existem avanços e resistências. No caso da disciplina Filosofia, posso fazer um resumo porque tenho dedicado parte de meu tempo de pesquisa em investigações a esse respeito, incluindo a pesquisa que coordeno com apoio da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) intitulada Filosofando com sotaques africanos e indígenas, na primeira versão no período de julho de 2014 até junho de 2016. A maior dificuldade no campo da Filosofia está no desconhecimento da produção fora do circuito ocidental. Eu acredito que o livro Ensino de Filosofia e a lei 10.639 que foi publicado pela Pallas em parceria com a Biblioteca Nacional pode ajudar bastante a dirimir dúvidas. Penso que o primeiro passo é uma cuidadosa leitura da documentação que regulamenta o Artigo 26 A da LDB. O segundo passo: descolonização do pensamento, do currículo e das práticas educativas.
TA: Em uma entrevista recente à revista Ensaios Filosóficos você falou em “racismo epistemológico”. O que é isto e como vencê-lo?
RN: O racismo epistêmico ou epistemológico é uma das dimensões mais perniciosas da discriminação étnico-racial negativa. Em linhas gerais, significa a recusa em reconhecer que a produção de conhecimento de algumas pessoas seja válida por duas razões: 1º) Porque não são brancas; 2º) Porque as pesquisas e resultados da produção de conhecimento envolvem repertório e cânones que não são ocidentais. Penso que a disputa para derrotar, ainda que parcialmente, o racismo epistemológico está no esforço por diversificar as leituras. Combater a injustiça cognitiva começa por deixarmos de privilegiar os modelos epistemológicos ocidentais. E, por fim, realizar uma comparação dos modelos de conhecimento, do repertório, criando condições para a polirracionalidade. Minha base para romper com o racismo epistêmico está nas leituras do filósofo Dismas Masolo. É preciso analisar o objeto de conhecimento por ângulos diferentes, mas também por meio de modelos de racionalidade diversos. Isto certamente servirá para enriquecer nosso acervo cognitivo.
TA: A Universidade Federal do Maranhão acabou de anunciar a criação de um curso de graduação em “Estudos Africanos e Afro-Brasileiros”. NEABs, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, têm sido criados em diversas universidades em todo o Brasil. O surgimento destes espaços mostra o começo de uma mudança na presença negra nas universidades?
RN: Sem dúvida. Penso que temos um processo de franca expansão da produção e ocupação acadêmica. O que também pode ser percebido através das reações de grupos mais reacionários que não querem negociar o espaço público de produção de conhecimento.
TA: Os movimentos negros no Brasil têm reivindicado o conceito de genocídio para descrever o número alarmante de negras e negros que perdem a vida no Brasil por conta de ações diretas do estado ou por sua negligência (aborto mal realizado, assassinato pela polícia ou em guerra de facções, vício em drogas, má alimentação, ausência de serviços púbicos de saúde, etc.). A filósofa Sueli Carneiro desenvolve o conceito de epistemicídio, que seria o extermínio constante do conhecimento de povos não-brancos produzidos através da história e ainda hoje. Você acha que há uma relação entre estes dois tipos de extermínio?
RN: Sem dúvida. O que está em jogo não deixa de ser uma disputa pela versão única da História, da Filosofia, dos modelos e práticas políticas frente à diversidade de perspectivas. A denúncia feita por Sueli Carneiro é magistral, considero o seu trabalho uma das referências mais importantes da área no Brasil. Por exemplo, quando falamos em culinária as pesquisas apontam que a atividade de cozinhar é um território feminino. Em certa medida, na esfera privada no Brasil as mulheres cozinham mais do que os homens. No Brasil escravocrata, as mulheres negras escravizadas protagonizaram os serviços culinários. Mas a alta gastronomia e o papel de chef de cozinha parece ter um elenco majoritariamente branco e masculino. Tudo isso está relacionado ao epistemicídio, ao genocídio. A performance na área da gastronomia inclui a filiação étnico-racial. Os dados e o ranking de melhores chefs mostra que o gênero é masculino, a cor/raça é branca e o sotaque francês. Óbvio que não estou dizendo que homens brancos não podem ser chefs maravilhosos. O que o exemplo mostra é que o epistemicídio dificulta a “escuta” do discurso gastronômico das mulheres negras, já que os homens brancos são naturalmente mais empoderados na disputa.
TA: Você propõe uma Filosofia afroperspectivista. O que é isto? Quais as origens teóricas e políticas deste conceito? Existem outros pensadores hoje no Brasil e no mundo dedicados ao seu desenvolvimento? Quais são até agora seus principais trabalhos?
RN: Por Filosofia afroperspectivista ou Afroperspectividade defino uma linha ou abordagem filosófica pluralista que reconhece a existência de várias perspectivas, sua base é demarcada por repertórios africanos, afrodiaspóricos, indígenas e ameríndios. O que denominamos de Filosofia afroperspectivista é uma maneira de abordar as questões que passa por três referências: 1ª) Afrocentricidade; 2ª) Perspectivismo ameríndio; 3ª) Quilombismo. Alguns aspectos da formulação intelectual feita por Molefi Asante articuladas com certas questões suscitadas pela etnologia amazônica de Eduardo Viveiros de Castro com a formulação política do quilombismo de Abdias do Nascimento são as fontes para a Filosofia afroperspectivista. Vou repetir o que escrevi no capítulo Sambando para não sambar: afroperspectivas filosóficas sobra a musicidade do samba e a origem da Filosofia. A Filosofia afroperspectivista reúne alguns dos seguintes elementos:
Afroperspectividade define a Filosofia como uma coreografia do pensamento.
A Filosofia afroperspectivista define o pensamento como movimento de ideias corporificadas, porque só é possível pensar através do corpo. Este, por sua vez, usa drible e coreografia como elementos que produzem conceitos e argumentam.
Os conceitos afroperspectivistas são construídos a partir de movimentos de coreografia de personagens conceituais melanodérmicos. Neste sentido, os conceitos são escritos com os pés, com as mãos e com cabeça ao mesmo tempo.
A Filosofia afroperspectivista define a comunidade/sociedade nos termos da cosmopolítica bantu: comunidade é formada pelas pessoas que estão presentes (vivas), pelas que estão para nascer (gerações futuras/futuridade) e pelas que já morreram (ancestrais/ancestralidade).
A Filosofia afroperspectivista é policêntrica, percebe, identifica e defende a existência de várias centricidades e de muitas perspectivas.
A Filosofia afroperspectivista não toma o prefixo “afro” somente como uma qualidade continental; estamos diante de um quesito existencial, político, estético e que nada tem de essencialista ou metafísico.
A Filosofia afroperspectivista usa a roda como método, um modelo de inspiração das rodas de samba, candomblé, jongo e capoeira que serve para colocar as mais variadas perspectivas na roda antes de uma alternativa ser alcançada. A roda é uma metodologia afroperspectivista.
Afroperspectividade é devedora da Filosofia ubuntu de Mogobe Ramose.
Afroperspectividade define competição como cooperação, isto é, competir [significa petere (esforçar-se, buscar) cum (juntos)], localizar alternativas que são as melhores num dado contexto, mas, não são únicas, tampouco permanentes e devem atender toda a comunidade.
Afroperspectividade é devedora do Nguzo Saba formulado por Maulana Karenga, isto é, se baseia nos sete princípios éticos que ajudam a organizar e orientar a vida. A saber: Umoja (unidade): empenhar-se pela comunidade; Kujichagulia (autodeterminação): definir a nós mesmos e falar por nós; Ujima (trabalho e responsabilidade coletivos): construir e unir a comunidade, perceber como nossos os problemas dos outros e resolvê-los em conjunto; Ujamaa (economia cooperativa): interdependência financeira, recursos compartilhados; Nia (propósito): transformar em vocação coletiva a construção e o desenvolvimento da comunidade de modo harmônico; Kuumba (criatividade): trabalhar para que a comunidade se torne mais bela do que quando foi herdada; Irani (fé): acreditar em nossas(os) mestres.
Afroperspectividade é devedora das reflexões e inflexões filosóficas de Sobonfu Somé, definindo o amor como um projeto espiritual e comunitário que serve para manter a sanidade individual e deve contar com o apoio de uma comunidade para ser preservado.
Afroperspectividade define o tempo dentro do itan [verso]iorubá que diz: “Bara matou um pássaro ontem com a pedra que arremessou hoje”. O tempo não é evolutivo, tampouco se contrai ou pode ser tomado como um círculo ou uma linha reta; mas, de modo simples, diz que o passado é definido pelo presente e o futuro é um conjunto de encruzilhadas, isto é, destinos (odu).
Afroperspectividade permanece em aberto, sempre apta a incluir perspectivas que usem o conceito de odara como crivo de validade de um argumento, entendendo odara como bom, na língua ioruba, uma espécie de bálsamo de revitalização existencial.
Em relação às pessoas que filosofam com algum sotaque afroperspectivista, posso dizer que estão reunidas em Sambo, logo penso. Eu não quero falar por ninguém, nem sou representante especial dessa abordagem filosófica, penso que sou, apenas, academicamente mais antigo do que o resto do grupo. No livro Sambo, logo penso: afroperspectivas filosóficas para pensar o samba(2015) organizado por Wallace Lopes, numa coordenação conjunta que fiz com Sylvia Arcuri e Marcelo Moraes, estão reunidas as pessoas que fazem esse exercício afroperspectivista de modo formal ou informal, Marcelo Rangel, Eduardo Barbosa, Felipe Siqueira, Filipi Gradim, Guilherme Celestino. No projeto Filosofando com sotaques africanos e indígenas, tenho algumas parcerias: o Prof. Rogério Seixas da Universidade de Barra Mansa, Filipe Ceppas da UFRJ, Wanderson Nascimento da UFBA e Wanderely Silva da UFRRJ, estes são colegas que mesmo não se professando afroperspectivamente apoiam e são pesquisadores associados do projeto. Em relação às principais obras: penso que estão porvir, mas Ensino de Filosofia e a Lei 10. 639 (2014)foi o primeiro livro em que confessei esse desejo intelectual de filosofar com sotaques africanos, indígenas, performances femininas, sambando, jogando bola, com carimbó e com um repertório suburbano, enfim, lançando mão das minhas referências culturais.
TA: Qual o papel das mulheres na produção negra de conhecimento no cenário brasileiro? A figura da negra ainda se resume ao papel tradicional de mãe ou a Filosofia afroperspectivista aponta outros espaços possíveis para ela?
RN: Grande interrogação. Penso que o lugar das mulheres só pode ser de protagonismo. Atualmente tenho orientado mulheres em cursos de pós-graduação e buscado apoiar suas iniciativas. Na Filosofia afroperspectivista, estamos cada vez mais pensando em amplificar e fazer circular com mais intensidade as performances femininas. Por exemplo, em um artigo sobre a genealogia do drible mencionei personagens conceituais melanodérmicas da Filosofia afroperspectivista. Nós estamos investindo em estudos a respeito da personagem da Pomba-Gira, por exemplo. Além disso, a pensadora burquinense Sobonfu Somé é uma das nossas maiores referências quando se trata de falar de relacionamentos afetivos e conjugalidades.
TA: A mãe de santo, o jongueiro, o vagabundo, orixás, ubuntu, denegrir, vadiagem, drible, mandinga, enegrecimento, roda, cabeça feita, corpo fechado, estas são algumas imagens e figuras ligadas ao universo negro que você transforma em conceitos filosóficos. No conceito de drible, por exemplo, você faz um interessante resgate histórico do drible no futebol e busca aplicá-lo à tradição acadêmica europeia, exigindo que o pensamento pense também com o corpo. Traduzir tipos históricos e imagens tradicionais em conceitos filosóficos é o procedimento principal da Filosofia afroperspectivista?
RN: É um dos procedimentos. Um dos modos de atuar é trazer o nosso repertório cultural. A maioria das pessoas que usam a afroperspectividade tem sólida formação nas rodas de samba, nos terreiros de candomblé e umbanda, pajelança, xamanismo, nas rodas de capoeira, algumas são jogadoras de futebol e/ou estudiosas de esquemas táticos. Nesse sentido, se o filósofo alemão Adorno usou Ulisses para fazer uma leitura da Modernidade, se Nietzsche falou de Apolo e Dioniso, nós usamos outras personagens: Exu, Pomba-Gira, Zé Malandro, Zumbi dos Palmares, Ogum, Oxóssi, Tupi, Iara, dentre outras.
TA: O filósofo francês Gilles Deleuze é uma referência importante nos seus escritos. É possível trabalhar com escritores europeus em uma Filosofia afroperspectivista? Há limites e dificuldades nesta relação?
RN: A resposta é sim para os dois casos. Ou seja, apesar de ser viável trabalhar com autores europeus, existem limites. Isto está explícito em uma defesa que o próprio Deleuze faz ao lado do psicanalista Félix Guattari em O que é Filosofia?: “Se a Filosofia tem uma origem grega, como é certo dizê-lo, é porque a cidade, ao contrário dos impérios ou dos estados, inventa o agôn como regra de uma sociedade de ‘amigos’, a comunidade dos homens livres enquanto rivais (cidadãos)”. Por isso, ainda que Deleuze seja muito importante para os meus escritos, reconheço limites sérios. Como eu digo sempre, na esteira do filósofo Maldonado-Torres, os filósofos europeus têm essa mania colonial. Sem dúvida, Deleuze é um dos filósofos que mais tem nos ajudado em nossas insurreições. Mas como desejamos criar aldeias e quilombos filosóficos, Deleuze só ajuda a destruir os velhos castelos ocidentais da Filosofia. Para construir a aldeia quilombista precisamos de pessoas que filosofam com samba.
TA: Qual o papel da mestiçagem, ideia fundamental na história da formação racial brasileira, no seu pensamento?
RN: Eu não reivindico a categoria de mestiçagem em nenhum momento. Não se trata de uma dificuldade, mas de um termo muito equívoco, uma ideia que traz mais dificuldades e confusões do que alternativas políticas. Eu identifico um grave problema. O termo “raça” pode ser usado com vários sentidos, destaco dois: sinônimo de espécie ou alusão ao caráter social e histórico que diferencia grupos humanos pelo fenótipo. Ora, os sentidos são trocados e como diz o ditado “não se deve confundir alhos com bugalhos”. Tecnicamente, uma pessoa com mãe austríaca branca e pai norueguês branco é tão mestiça quanto alguém que tem um pai nigeriano da etnia iorubá com uma mãe sueca de pele alva. Minha leitura percebe que o conceito mestiço só faria pleno sentido em casos de centauros, uma mistura de humanos com cavalos, ou ainda, se um ser extraterrestre procriasse com uma pessoa da nossa espécie. Dessa união (extraterrestre com terrestre) nasceria um ser mestiço. Minha experiência política e meus investimentos intelectuais trazem um pensamento diferente desse. Nós somos da mesma raça (no sentido de espécie biológica), mas isso não quer dizer que não exista raça num sentido social e histórico, ou seja, populações que podem ser diferenciadas por características étnico-raciais, isto é, pelo fenótipo. Mas a existência de mestiços pressuporia diferenças de natureza entre as “raças”, o que não é o caso. Eu exemplifico, os jogadores de futebol Daniel Alves e Kaká são “igualmente” mestiços. Porque provavelmente ambos têm pessoas brancas, negras (pretas e pardas) e indígenas em suas ancestralidades. Mas foi Daniel Alves que reclamou dos xingamentos de torcidas que além de jogar bananas, o chamaram de macaco diversas vezes. Conforme minhas pesquisas superficiais, Kaká nunca foi chamado de “macaco” quando jogava na Europa. Ora, Kaká é branco e Daniel Alves é pardo, isto é, negro. (O sistema classificatório étnico-racial brasileiro é bem simples: o IBGE informa cinco categorias de cor/raça: amarela, branca, indígena, parda e preta. É importante notar que a categoria negra não é sinônimo de preta, mas a soma desta com “parda”. Ou seja, pardos + pretos = negros).
Por isso, Neymar viveu alguns episódios de discriminação racial em campo, algo impensado para Zico ou Kaká na mesma Europa. Penso que a ideia de mestiçagem cria mais dificuldades e confusões do que efetivas alternativas ao racismo e para a compreensão da sociedade brasileira. A suposição da existência da “mestiçagem” tem sido munição para as teorias puristas. Afinal, para haver mestiços é preciso que existam puros. Supor a mestiçagem parece uma crítica de tom antirracista, mas acaba por revitalizar o racismo que “gostaria” de combater. A ideia de pureza fez e continua fazendo muitos estragos políticos, penso que devemos riscar a ideia de “mestiçagem” dos nossos dicionários político e intelectual, levando a ideia de “pureza” junto. Afinal, não existem puros, tampouco impuros ou misturados. Concordo com Carlos Moore, só existem fenótipos. Por isso, a mestiçagem não faz parte do meu trabalho. Não acredito e nem vejo como a “mestiçagem” poderia ajudar a resolver qualquer tensão racial.
TA: Por fim, Renato. Em um contexto de opressão e violência, como é o de muitos jovens negras e negros no Brasil, por que eles deveriam estudar Filosofia ?
RN: A Filosofia pode ser um exercício de descolonização. Mas também pode ser de colonização e recolonização. Nós defendemos uma Filosofia que descoloniza, uma Filosofia que declare independência e autonomia sem dogmas. Numa sociedade racista que apresenta dados alarmantes de violência urbana em que as principais vítimas são jovens negras e negros, filosofar pode ajudar a repensar o cenário político e social. Mas, insisto, eles devem estudar uma Filosofia que seja marginal e antidogmática. Uma Filosofia que pense o racismo, uma Filosofia que trate da violência, uma Filosofia que pense o Brasil, uma Filosofia enredada no nosso território cultural, uma Filosofia que está porvir e que, talvez, possa estar em semente no pluriverso filosófico afroperspectivista.
Fonte: Blog Negro Belchior
Princípios Egípcios Universais |
Por Editor VOPUS | |
Combinando a mitologia com a filosofia, os antigos egípcios expressaram ao mundo grandes realidades através de uma mística transcendental, onde o ávido buscador da verdade se submerge em um sem-fim de mistérios a decifrar.
Oscar Uzcátegui no seu livro"Egito Gnóstico", diz:
A força da filosofia egípcia é algo que ainda mantém muitos estudiosos bastante entretidos, devido à profundidade e certeza com que eles, os egípcios, formularam seus postulados filosóficos.
Prova do que estamos dizendo aqui são os sete fundamentos básicos, sobre os quais se apoiavam os pensamentos místicos e filosóficos dos faraós e seus respectivos séquitos. Para conhecimento do leitor, enunciamos neste capítulo os citados princípios universais egípcios: Que abarca, compreende e está em tudo, sendo as inteligências individuais simples reflexos do que é essa Inteligência. Algumas pessoas superficiais falam de tal fim de forma desdenhosa: É que os egípcios viviam mais para estudar a morte que para estudar a vida. Nós, os gnósticos, afirmamos com o Dr. Samael, o seguinte: A vida está formada pelas pegadas dos cascos dos cavalos da morte. Da morte podemos aprender tudo, da vida muito pouco. Se o grão não morre, a planta não nasce, a morte dá origem à vida. |
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