domingo, 18 de maio de 2014

Ìṣẹlẹ́yàmẹ̀yà ti ìdìmúlẹ̀ ( racismo institucional)



Ìdájọ́  àpapọ̀ àsọyé wípé ẹ̀sìn òrìṣà kọ́ ẹ̀sìn.

Justiça Federal define que religião dos orixás não é religião.


Àkójópò  Itumò  (Glossário).

Ìwé gbédègbéyò  (Vocabulário)

Ilé ẹjọ́ àpapọ̀ = tribunal federal.
Ìdájọ́ = justiça.
Àsọyé = explicação, definição.
Wípé = dizer que.
= que, para que, a fim de que.
= que, o qual, do qual, cujo.
Ẹ̀sìn òrìṣà = religião de orixá ( candomblé e umbanda).
= não. Faz a negativa dos verbos regulares.
Kò sí = forma negativa do verbo wà (estar,existir, haver).
Kọ́   = não ser. Negativa do verbo ni ( ser).
Ẹ̀sìn, ìsìn = religião.






1- Justiça Federal define que cultos afro-brasileiros não são religião.

MPF solicitou a retirada na Internet de vídeos de cultos evangélicos que foram considerados intolerantes e preconceituosos contra os práticas religiosas de matriz africana.


O Dia / IG 16 Mai de 2014 - 13:05










A Justiça Federal no Rio de Janeiro emitiu uma sentença que considera os cultos afro-brasileiros não fazem parte de uma religião. Além disso, relatou que as manifestações religiosas não possuem características de uma religião. O juiz responsável entendeu que, há a necessidade de um texto base - uma Bíblia Sagrada, Torá ou Alcorão, por exemplo -, e ter uma estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado.
Essa definição aconteceu em resposta a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que pedia a retirada no YouTube os vídeos de cultos evangélicos que foram considerados intolerantes e preconceituosos contra os praticantes de umbanda, candomblé e outras religiões afro-brasileiras.

2- Bíbélì ẹ̀sìn òrìṣà ( A bíblia do candomblé).






O ESTADO, QUE SE DIZ LAICO!
Por: Maristela Farias
Quilombo Raça e Classe/RJ

O povo negro no Brasil, tem uma história de luta e resistência, que mesmo passados 126 anos da abolição da escravatura, não podemos ainda dizer que estamos livres da escravidão, que hoje se dá, das mais diversas formas, e se expressa concretamente na total ausência de políticas públicas de reparações aos negros, que mesmo sendo ainda hoje a maioria da população do país, ainda vemos os negros condenados a um processo de escravidão moderna, que pode ser tão brutal e perversa quanto a escravidão colonial. Onde, as mulheres negras ainda são vistas como objeto sexual, ou são discriminadas por sua estética afro, ou são relegadas a funções domésticas mantendo o ranço histórico da casa grande e senzala, ou mesmo quando temos a maioria da população negra ainda relegada as periferias e favelas das cidades, ao abandono e ataques que vem sofrendo nas comunidades quilombolas, e sujeitos aos piores e mais precarizados extratos de trabalho ou compondo os maiores índices de desemprego. Impondo ainda a necessidade de resistência e luta do povo negro, pela sua sobrevivência mínima nesta sociedade capitalista.

O Candomblé é uma religião originária da África, trazida ao Brasil pelos negros escravizados na época da colonização brasileira, desembarcados principalmente, na Bahia e em Pernambuco. Inicialmente tolerada porque os senhores julgavam as danças e os batuques simples divertimentos de negros nostálgicos, mas na realidade úteis para que eles guardassem a lembrança de suas origens diversas e de seus sentimentos de aversão recíproca, ou seja, era uma também uma forma de organização e resistência dos negros escravizados. Mas sofreram muito com a perseguição da igreja católica, com a inquisição, com as irmandades criadas, como tentativas de anular toda a sua cultura. O que foi em vão, já que se fortaleciam pelas levas de escravos que não paravam de chegar, adeptos ao culto aos Orixás.

Mas luta que a população negra ainda trava até os dias de hoje, para ter sua religião (cultos africanos) reconhecida e desmistificada de tantos mitos criados por outras religiões (tal como a Católica e a Protestante) para cumprirem seu ideal de dominação. Reforçadas por todas as ideologias de opressão e exploração igualmente impostas pelos poderes e instituições do estado, que se diz Laico. A exemplo do recente episódio executado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra decisão judicial que desconsiderou as manifestações religiosas afro-brasileiras como religiões e negou o pedido do MPF para que o Google Brasil retirasse do You Tube vídeos de intolerância e discriminação religiosas. Que estariam disseminando o preconceito, a intolerância e a discriminação a religiões de matriz africana com mensagens que transmitem discursos do ódio e incitam a violência. - Para se ter uma ideia dos conteúdos, em um dos vídeos, um pastor diz aos presentes que eles podem fechar os terreiros de macumba do bairro. Em outro, ele afirma que não existe como alguém ser de bruxaria e de magia negra, ou ter sido, e não falar em africano – Ocorre que nos deparamos com uma sentença judicial que é um retrocesso frente a nossa história negra de resistência do povo dos terreiros e da luta contra o racismo. – Resultado que só serve para fortalecer o ódio e a violência de setores que defendem o fundamentalismo religioso!

Segundo Jefferson Mendes-Quilombo Raça e Classe/SP - isto foi “Uma lição de como dar um nó gigantesco na constituição: Como justificar que ataques grotescos que demonizam religiões de matriz africana não demandem a proteção a liberdade de opinião, reunião e religião garantida na constituição dos ricos? O malabarismo da Justiça Federal é simples. Diga que os cultos africanos não são uma religião.
Segundo o juiz federal EUGENIO ROSA DE ARAUJO, os cultos africanos não possuem um texto-base, nem hierarquia, nem um Deus (sim... com letra maiúscula) a ser venerado. Para cada um dos três elementos que ele destaca, caberia uma longa explicação... mas teria que partir do princípio que o juiz desconhece a importância da tradição oral para as diversas manifestações religiosas, desconhece as formas de organização internas das religiões de matriz africana e suas complexas e ricas estruturas hierárquicas, como também desconhece a possibilidade de manifestações religiosas que não sejam monoteístas (diga-se de passagem, o cristianismo não é: presume no mínimo duas divindades, uma boa e uma má). Na prática, "Extra ecclesiam nula salus". Tudo o que não é o cristianismo branco europeu, não deve ser considerado religião, portanto não está resguardado pela proteção da lei. A decisão do juiz é racista, como é também a justiça burguesa. ”

- Deus ... responde a vários nomes e sabe da fé que cada um tem, onde dois ou mais disser seu nome, ali ele estará! Deus não fundou a igreja, falou da fé e do caminho, seu maior templo é o coração de quem nele crê.

O Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe se coloca na defesa da religiosidade de Matrizes africanas por entender que esta luta faz parte de todo o processo de reivindicação do povo negro!


3 - Justiça Federal do Rio declara que não existe intolerância religiosa se o alvo forem religiões de origem africana




Publicado em 16/05/2014 por Maurício
Em decisão absurda, o Juízo da 17ª Vara Federal (Rio de Janeiro) toma decisão em que afirma que cultos afro-brasileiros não constituem religião e, portanto, atacá-los e incentivar o ódio a eles não constitui intolerância religiosa.

O Juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro acaba de dar uma demonstração de que sua capacidade de “burlar” a lei não conhece limites. Ao julgar um pedido do Ministério Público Federal para que o Google retirasse do Youtube vídeos que propagandeiam e incentivam a intolerância religiosa contra religiões de origem africana (associando essas religiões à figura do “diabo” e de “demônios”), o juiz simplesmente afirma que não há “malferimento de um sistema de fé” ao atacar cultos de origem africana, já que “cultos afro-brasileiros não constituem religião” pois não conteriam “traços necessários de uma religião” Segundo a decisão, esses “traços” seriam um texto base (corão, bíblia etc..), estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado.


Não me arrisco a adivinhar em que o tal juiz se baseia para fazer tal afirmação, mas com certeza não é na lei. A lei não faz distinção e não estabelece regras para a existência de religiões. Mais do que isso, a Constituição, em seu artigo 5º, afirma: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Perceba que a Magna Carta, não garante somente o direito às “religiões”, ela se refere à liberdade de consciência, crença e culto.

Agora, levando-se em conta os pré-requisitos para considerar uma crença como uma religião, teríamos que afirmar que a arrasadora maioria das religiões do mundo não são, de fato, uma religião! Todas as religiões pré-históricas e a arrasadora maioria das religiões da antiguidade estariam fora dessa lista. Todas as religiões baseadas na oralidade e ancestralidade estariam fora dessa lista. Em outras palavras, todos os tipos de xamanismo, todas as religiões pré-colombianas, todas as religiões não-teístas (incluindo o budismo, taoísmo e confucionismo) e até as religiões abraâmicas primitivas!

Já seria um erro pretender discutir teologia em uma decisão judicial. Pior ainda quando a tal teologia é uma invenção sem base teórica nenhuma.

É um desrespeito crasso ao Estado Democrático de Direito, à liberdade religiosa e à laicidade do Estado.

O Ministério Público Federal, corretamente, entrou com recurso à segunda instância da Justiça Federal. O próprio texto do recurso lista o texto dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, além da própria lei. Segundo o MPF, a decisão da 17ª Vara Federal desrespeita:

Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP)
Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções
Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)
Lei 12.288, de 20 de julho de 2010
Em sua decisão, o juiz argumenta que os vídeos citados seriam exemplos de liberdade de opinião, reunião e religião, ou seja, não se poderia violar o direito dos autores dos vídeos de atacar as crenças africanas. Será?

Em um dos vídeos, o Bispo Macedo afirma que todos os males que acometem as pessoas estão relacionados à influência das religiões em que orixás, caboclos e guias se manifestam. Em outro, o mesmo bispo vincula o uso de drogas a um suposto ex-pai de santo que estaria possuído por uma “legião de demônios”. Em um terceiro, relaciona-se a “casa da umbanda” à servidão a demônios. Afirma-se também que os búzios são a “mentira do capeta”, que “macumbeiros” comeriam olhos humanos, que todos os vícios teriam ligações com entidades da umbanda, todos os babalorixás são demônios, Omolu é um demônio… Chaga ao absurdo de afirmar que a AIDS e o homossexualismo são manifestações de possessão pela Pomba Gira.

Os mais graves defendem que é preciso humilhar Oxossi mutalombó e que “não existe como alguém ser de bruxaria e de magia negra, ou ter sido, e não falar em africano”.

Fica claro nesse ponto que não é apenas a expressão cabal do ódio religioso, mas o ódio étnico, racista.

O MPF já havia feito pedido diretamente ao Google para que retirasse os 15 vídeos. A empresa respondeu que  “nada mais seria do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro” e que “os vídeos discutidos não violariam as políticas da companhia”. A resposta do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos não poderia ser diferente: “Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil”. Leia a íntegra do recurso do MPF.

É preciso dizer: tal decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro é inaceitável! É um atentado à democracia e à laicidade do Estado.

É preciso que a sociedade brasileira se mobilize contra os ataques à liberdade religiosa, inclusive à liberdade de não-crença.

4 - Religiões afro-brasileiras, uma questão filosófica – por Nei Lopes.




O juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, rejeitou a retirada da internet de 15 vídeos contra o candomblé e a umbanda, alegando que os cultos afro-brasileiros “não constituem religião”, pois não se baseiam em apenas um livro nem têm apenas um deus. Os vídeos foram postados por representantes de igrejas evangélicas. No artigo abaixo, o escritor Nei Lopes explica os fundamentos dos cultos de origem africana e seu caráter religioso.


Em junho de 1993, a Suprema Corte dos Estados Unidos garantiu aos praticantes de cultos de origem africana o direito de sacrificar animais em suas cerimônias religiosas. Esse relevante fato histórico deveu-se, certamente, à articulação das casas de culto de origem cubana estabelecidas no país a partir da década de 1950, as quais na década de 1970 já tinham, entre si, a Church of The Lukumi Babalu Ayé, a qual se propunha, quando de sua fundação, a ter sede, escola, centro cultural e museu, para sua comunidade e público em geral. Na contramão de conquistas como essa, no Brasil atual chega-se a negar aos cultos afro-originados até mesmo a condição de religiões.

Ritual de iniciação das filhas-de-santo. Bahia, Brasil, 1951. Fotografia de José Medeiros/Acervo IMS.
Ritual de iniciação das filhas-de-santo. Bahia, Brasil, 1951. Fotografia de José Medeiros/Acervo IMS.

Filosofia. Em 1949 era publicado em Paris o livro La philosophie bantoue, obra em que o padre Placide Tempels dava a conhecer o resultado de suas pesquisas de campo realizadas no então Congo Belga. Contrariando toda uma concepção preconceituosamente negativa a respeito do pensamento dos povos africanos, o livro revelava a existência, entre os pesquisados, de uma filosofia baseada na hierarquia das forças vitais do Universo, a partir de uma Força Superior. Assim, quanto aos seres humanos, aprendia o missionário, entre outros postulados, que todo ser humano constitui um elo vivo na cadeia das forças vitais: um elo ativo e passivo, ligado em cima aos elos de sua linhagem ascendente e sustentando, abaixo de si, a linhagem de sua descendência. Consoante esses princípios, todos os seres, vivos ou mortos, se inter-relacionam e influenciam. E a influência da ação de forças tendentes a diminuir a energia vital se neutraliza através de práticas que façam interagir harmonicamente todas as forças criadas e postas à disposição do homem pela Força Suprema.

 Meio século depois, outro missionário, o padre espanhol Raúl Ruiz Altuna, pesquisando a partir de Angola, conseguia estabelecer outra hierarquia, traduzida nos seguintes ensinamentos:
A Força Suprema reconhecida pelo pensamento africano corresponde ao Ser Supremo das religiões monoteístas. Criador do universo e fonte da vida, esse Ser infunde respeito e temor. Mas é tão infinitamente superior e distante que não é cultuado, ou seja: não pode nem precisa ser agradado com preces nem oferendas. Abaixo desse Ser situam-se, no sistema, seres imateriais livres e dotados de inteligência, os quais podem ser gênios ou espíritos.
Os gênios são seres sem forma humana, protetores e guardiões de indivíduos, comunidades e lugares, podendo temporariamente habitar nos lugares e comunidades que guardam, e também no corpo das pessoas que protegem. Já os espíritos são almas de pessoas que tiveram vida terrena e, por isso, são imaginados com forma humana. Podem ser almas de antigos chefes e heróis, ancestrais ilustres e remotos da comunidade, ou antepassados próximos de uma família.
Ao contrário do Ser supremo, gênios e espíritos precisam ser cultuados, para que, felizes e satisfeitos, garantam aos vivos saúde, paz, estabilidade e desenvolvimento. Pois é deles, também, a incumbência de levar até o Deus supremo as grandes questões dos seres humanos. Assim, já que contribuem também para a ordem do Universo, eles devem sempre ser lembrados, acarinhados e satisfeitos, através de práticas especiais. Essas práticas, que representam um culto em si, podem, quando simples, ser realizadas pelo próprio interessado. Mas, quando complexas, devem ser orientadas e dirigidas por um chefe de culto, um sacerdote.
Dentro dessas linhas gerais, segundo entendemos, foi que se desenvolveu a religiosidade africana no Brasil e nas Américas.
Relevância. Os estudos dos padres Tempels e Altura desenvolveram-se entre povos do grupo Banto, do centro-sudoeste africano. Mas outros estudos, inclusive de sábios e cientistas nativos, nos deram conta de que, embora as religiões negro-africanas tenham suas peculiaridades, todas elas comungam de uma ideia central, a da inter-relação entre as forças vitais, sendo vivenciadas segundo princípios comuns.
Por conta dessas formulações, em 1950, no texto Philosophie et religion des noirs (revista Présence Africaine, nº especial 8-9), o antropólogo francês Marcel Griaule primeiro indagava se seria possível aplicar as denominações “filosofia” e “religião” à vida interior, ao sistema de mundo, às relações com o invisível e ao comportamento dos negros. Perguntava-se, ainda, sobre a existência de uma filosofia negra distinta da religião e de uma religião independente, de uma metafísica, enfim.
Ao final de sua indagação, o cientista afirmava a existência de uma verdadeira ontologia (parte da filosofia que estuda a existência) negro-africana, concluindo pela antiguidade do pensamento nativo, nivelando algumas de suas vertentes a concepções filosóficas asiáticas e da Antiguidade greco-romana; e ressaltando a necessidade e a importância do estudo desse pensamento. Quatro décadas depois, o já citado Altuna, fazendo eco a Griaule, afirmava: “Basta debruçarmo-nos sobre esse conjunto de crenças e cultos para encontrar uma estrutura religiosa firme e digna”.
Definição. O termo “religião”, segundo N. Birbaum, referido no Dicionário de Ciências Sociaispublicado pela Fundação Getúlio Vargas, em 1986, define um conjunto de crença, prática e organização sistematizadas, compreendendo uma ideia que se manifesta no comportamento dos seguidores. Daí aferimos que toda religião se define, em princípio, por um culto prestado a uma ou mais divindades; pela crença no poder desses seres ou forças cultuados; e em uma liturgia, expressa no comportamento ritual; e finalmente pela existência de uma hierarquia sacerdotal.
Pelo menos desde meados do século XIX, as religiões chegadas da África ao Brasil, apesar de todas as condições adversas, conseguiram recriar, no novo ambiente, as crenças e as práticas rituais de sua tradição ancestral, dentro dos princípios científicos que definem o que seja religião.
Na própria África já se distinguia, por exemplo, o feiticeiro (ndoki, entre os bantos), agente de malefícios, do ritualista (mbanda ou nganga), manipulador das forças vitais em benefício da saúde, do bem-estar e do equilíbrio social de sua comunidade. E no Brasil, como em outros países das Américas, as diversas vertentes de culto chegaram a tal nível de organização que constituíram, de modo geral, categorias sacerdotais altamente especializadas. Por exemplo, no candomblé: um babalorixá (“pai daquele que tem orixá”, e não “pai de santo”, como se traduziu derrogatoriamente) não tem a mesma função de um “babalaô” (“pai do segredo”), responsável por interpretar as determinações do oráculo Ifá. Uma equede (sacerdotisa que atende os orixás quando incorporados) não tem as mesmas funções de uma iá-tebexê (a responsável pelos cânticos rituais). Da mesma forma que um axogum (sacrificador ritual) não tem as mesmas funções de um alabê (músico litúrgico), por exemplo.
As religiões de matriz africana no Brasil, em suas várias vertentes, praticam uma liturgia complexa, que compreendem rituais privados e públicos. Nas práticas privadas, todo ritual se inicia pela invocação nominal dos ancestrais, remotos e próximos, dos fundadores do templo, em listas tão mais longas quanto mais antigo for o “fundamento” da casa. Nas festas públicas, notadamente no chamado candomblé jeje-nagô, oriundo da região africana do Golfo do Benin, as divindades (orixás ou voduns) se manifestam numa ordem rigorosamente obedecida, da primeira à última a entrar na roda das danças. E por aí vamos.
Constitucionalidade. Não é o monoteísmo que caracteriza uma religião. Se assim fosse, as religiões orientais como o hinduismo, o taoísmo etc. não seriam como tal consideradas. Muito menos o é a circunstância de as práticas religiosas serem ou não baseadas em textos escritos. A propósito, o historiador nigeriano I.A. Akinjogbin, em artigo na coletânea Le concept de pouvoir em Afrique (Paris, Unesco, 1981), assim se manifestou: “O conhecimento livresco tem um valor formal e importado, enquanto o saber informal é adquirido pela experiência direta ou indireta. Os conhecimentos livrescos não conferem sabedoria (…) O ensinamento tradicional deve estar unido à experiência e integrado à vida, até porque há coisas que não podem ser explicadas, apenas experimentadas e vividas”.
Vejamos, em conclusão, que toda a tradição africana de culto aos orixás, da qual no Brasil se originaram principalmente o candomblé da Bahia (nagô e jeje), o xangô pernambucano, o batuque gaúcho e a umbanda fluminense, tem uma base filosófica. Esse fundamento é, em essência, o vasto conhecimento que emana da tradição iorubana de Ifá, o oráculo que tudo determina, em todos os momentos da vida de uma pessoa, de uma família, de uma cidade, de uma nação etc. Da tradição de Ifá é que vêm, por exemplo, a origem dos orixás, sua mitologia, suas predileções, suas cores etc. O popular jogo de búzios é uma forma simplificada de consulta ao oráculo.
Esse corpo de doutrina, compreendendo muitos milhares de parábolas, foi transmitido de geração a geração entre os antigos babalaôs, na África e nas Américas. E nos tempos atuais, embora não unificado, já começa a ter circulação inclusive na internet.
Pois essa tradição remonta a muitos séculos; e sua história se conta a partir do momento em que Oduduá, o grande ancestral dos iorubás, cuja presença histórica, no século XII d.C., é atestada cientificamente (cf. A. F. Ryder, História Geral da África, Unesco/MEC/UFScar, vol. IV, 2010, p. 389), após fundar a antiga cidade de Ifé, enviou seus diversos filhos em várias direções, para fundar cada um o seu reino.
Mas esta é apenas uma parte da alentada e sábia tradição religiosa que os antigos africanos legaram ao Brasil. A qual, como um todo, goza da proteção constitucional do artigo 5º da Constituição Federal, bem como daquela assim enunciada: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, parágrafo 1º).
Nei Lopes é autor de, entre outros livros, Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africanos (Ed. Senac-Rio, 2005).

Fonte: Blog do IMS









Nenhum comentário:

Postar um comentário