segunda-feira, 11 de maio de 2015

Cultura indígena

Àṣà àti físíksì ti ẹ̀sìn ìbílẹ̀.
Cultura e física xamânica.




Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário).

Àṣà, s. Cultura.
Àti, conj. E. Usada entre dois nomes, mas não liga verbos. Físíksì, s. Física.
Ti, prep. De (indicando posse).
Ẹ̀sìn, ìsìn, s. Culto, religião.
Ẹ̀sìn  ìbílẹ̀, s. Religião nativa
Ọmọ-ìbílẹ̀,  ẹ̀yà abínibí, onílẹ̀, ìbílẹ̀, s. Índio, nativo,  aborígine, indígena.
Ti ìbílẹ̀, ti ilẹ̀, ti ìlú, ti ọmọ-ìbílẹ̀, adj. Indígena, aborígene.


1. FÍSICA XAMÂNICA



FISICA XAMÂNICA E REALIDADE MÍTICA

Fred Alan Wolf
imgAs ondas quânticas são invisíveis. São indutos do pensamento humano necessários ao nosso mundo moderno para permitir a compreensão da matéria atômica e subatômica. Sem embargo, ainda que cremos nelas, não as temos observado realmente. São parte de um sistema físico mítico. Por mítico que sejam, são vitais. Sem elas não há como compreender o universo.
Num sentido real, as ondas quânticas são fantamas no seio de uma maquina da realidade.
Para os físicos sua existência é parecida com a existência de espíritos para os xamãs.
Atualmente poucas pessoas do mundo moderno crêem nos espíritos do xamanismo. Os xamãs vêem o mundo de um modo distinto. De algum modo os xamãs são capazes de observar o mundo através de mitos e visões que em princípio, parecem contrários às leis físicas. São capazes de observar além da barreiras habituais que reprimem nossas mentes ocidentais. Em que consistem as visões dos xamãs ? Como se criam ? Estas visões xamânicas configuram a base para nossos mitos e histórias ?
Suspeito que no nível mítico da realidade, desde que foi escrito durante milênios, pode falar-se nas percepções dos xamãs sobre passado e futuro. Talvez em cenas míticas, visto que essas cenas são superposições de acontecimentos tomados dos passafos e futuros da cultura.
Como alguém pode ver o futuro ? Tenho algumas idéias a respeito. Escrevi algo em meu livro : Universos Paralelos. Resumindo, segundo a interpretação transacional da física quântica, estas ondas de probabilidade quântica invisíveis se originam no presente, no passado e futuro. Para que se manifeste qualquer acontecimento, estas ondas provenientes do futuro e do presente, do passado e presente, devem interferir uma com as outras no presente.
O padrão dessa interferência cria então, a matéria e a energia tal como percebemos.
De algum modo os xamãs são capazes de ver tanto as fontes passadas como futuras destas ondas. Desta forma são capazes de construir visões que tenham, proporções míticas e aparecem ante a eles como arquétipos no sentido junguiano.
Todos nós sonhamos. Segundo Jung, em muitas ocasiões nossos sonhos estão cheios de imagens arquetípicas. Por exemplo, todos nós temos sonhado algumas vezes que voamos pelo ar, sem nenhum tipo de instrumento mecânico. Suspeito que os xamãs são capazes de alterar a sua consciência invocando à vontade imagens arquetípicas.
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Creio que todos temos essa capacidade, mas para isso necessitamos aprender a alterar nossa consciência, um tema delicado para nós.
Algumas culturas tem utilizado, através da história, de substâncias que alteram a mente como guia visionária e espiritual .
Nossa cultura parece ter perdido o propósito que se manifesta como desejo por drogas e alcool.
Os xamãs percebem a realidade em estado de consciência alterada. Penso que se requer um papel para a consciência ordinária em qualquer modelo correto da física quântica. Nada pode escapar ao efeito do observador; em todo o momento há a eleição do observador para medir uma propriedade particular de um sistema de força e emergir um estado de probabilidade real. Isso é um ato de observação de um acontecimento quântico. Então, a consciência é capaz de ser compreendida, possivelmente do mesmo modo que entendemos a matéria, por meio da física quântica.
Assim, os xamãs se movem em distintos e amplos estados de consciência. Talvez os xamãs manipulem a matéria e a energia mediante certo poder observador quando estão num estado alterado de consciência.
Seguindo a senda que nos proporciona o efeito de observador, surge outra hipótese : os xamãs utilizam qualquer estratégiapara alterar a crença de seus pacientes acerca da realidade. O velho provérbio diz "ver para crer". A realidade xamânica dá uma volta : A gente só vê o que crê.
Os xamãs podem trabalhar no cerne das estruturas das crenças de um paciente com o fim de colocá-los além delas. Na hora de curar um paciente difícil, podem criar um truque com o fim de alterar as fixações.
Comprovei que alguns xamãs utilizam alguns truques, mas esses truques não são o que parecem para ascéticos. pelo contrário, talvez o truque é o efeito do observador em ação.
Tanto o xamã como a pessoa curada devem estar convencidos de que os poderes xamânicos existem, ainda que se utilizem truques com pacientes particularmente difíceis.
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Fred Alan Wolf é um fisico quântico que viajou nas asas da Ayahuasca, aos reinos do inconsciente humano e no mundo dos xamãs.
Seu livro "The Eaglés Quest" narra sua apaixonante viagem, descrevendo as diversas cerimônias que participou, e descubrindo verdades científicas no mundo do xamanismo
Vamos seguir com seu texto :
" Uma outra hipótese : os xamãs elegem o que é fisicamente significativo e vêem todos os acontecimentos como universalmente comunicados. A chave parece estar em como escolhem a a realidade que percebem como verdade. A resposta é que elegem prestar atenção àqueles acontecimentos de suas vidas que consideram significativos. Mas, o que significa isto ? O que é significativo ? Existe uma significativa quântica no significativo ?
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Creio que o significado surge como a relação entre os acontecimentos, e o que alguns xamãs podem experimentar como uma relação entre dois acontecimentos quaisquer, como se fosse os fios de uma teia de aranha.
Os xamãs anglo-saxões vêem o universo como uma gigantesca teia de aranha vibrante.
Alguns físicos como David Bohn, vêem o universo como um holograma. Talvez o holograma e a teia de aranha são os mesmos, à partir de distintos pontos de vista culturais.
Uma teia de Aranha é formada por fios vibrantes. Um holograma é formado por ondas de luz, vibrações de energia. Ao capturar as ondas de luz do laser que se emitiram desde uma cena que contia objetos, e ao fazer-las com ondas de luz pura de referência, apanha-se a informação e congela em uma emulsão de película. Quando a outra onda de referência volta a emitir sobre a película, vê-se a cena original em tres dimensões.
Bohm denomina o holograma na ordem na ordem desencadeada. esta ordem normalmente é visível mas, já contém todos os fenômenos possíveis que podem ser experimentados. Quando se produz uma experiência, a ordem varia. A esta nova ordem se denomina ordem manifesta. Visto que o manifesto é o que se observa.
Outra hipótese levantada por Wolf é : " os xamãs penetram mundos paralelos. Segundo uma interpretação da fisica quântica denominada a "Interpretação de Mundos Múltiplos", existem outros mundos presentes que afetam nosso mundo. Por mundo, entendo um conjunto de experiências que têm lugar numa região do espaço em um dado período de tempo.img
A região espacial pode ser muito grande ou muito pequena; tão grande como uma casa ou tão pequena como uma fibra muscular. Podem ter lugar no cérebro e no sistema nervoso.
De um modo semelhante, o intervalo temporal em que sucedem as experiências podem durar dias ou serem curtos como milésimos de segundos; o tempo que se necessita para enviar um impulso neuronal.
Portanto, o mundo que normalmente experimentamos é realmente uma realidade múltipla, um composto de muitas outras realidades.
Algumas delas são muito prováveis, e portanto, se temos acesso a elas, não observamos a diferença de uma à outra.
Estas realidades indistintas formam o que chamamos nossas experiências passadas, comuns, nossas recordações. A dita realidade múltipla, composta de realidades simples não diferenciadas, a chamamos, simplesmente, realidade : "o mundo tal qual o vemos".
Mas, algumas dessas realidades indistintas não são tão prováveis. Normalmente não lhes damos atenção. 
Por assim dizer, está fora dos caminhos trilhados. Quando as experimentamos, decidimos que temos acesso a uma realidade, o conjunto de experiências extraordinárias.
Estas realidades extraordinárias implicam processos que não são muito comuns, e nasceram no seio da nossa realidade comum, diríamos que as leis da física clássica seriam violadas. Mas, na física quântica devemos ter em conta estas estranhas realidades, com fim de explicar de um modo adequado os processos atômicos e moleculares mais simples.
Os xamãs são conscientes de um número de distintas, e improváveis, realidades paralelas. Estas incluem experiências fora- do- corpo, mudança de forma, transformação em animais, viagens através do tempo (passado ou futuro). Creio que suas realidades não-ordinárias, ou mundo paralelos, são similiares ao que foi descoberto pela física.
Wolf percebia que havia algo parecido com uma base de física quântica para interpretar como curava o xamã : img- Consistia em vibraçãoes quânticas, o efeito do observador e mundos paralelos.
Todos juntos equivaleria a arte de curar dos xamãs ?
Era capaz de construir um modelo ?
Este modelo devia explicar como o xamã e o paciente alcançam juntos um estado alterado de consciência.
Para construir um modelo necessitava de outra hipótese :
"todos os xamãs trabalham com uma sensação de grande poder".
Qual era o grande poder e como se manifestava ? Sabia que os xamãs viam-se a sí mesmos como parte de um grande Universo-Mãe. Tinham a sensação de que eram capazes de sintonizarem-se com um grande poder, quem sabe a Mente de Deus.
Eram capazes de reconstruir a realidade usando esse poder.
Mas, daonde vem esse grande poder ? Certamente todos podemos falar de um grande poder associado com o Céu e o inferior associado ao inferno. Mas, tenho a suspeita que os xamãs manejam poderes que estão entre os extremos.
Tenho a idéia que : o grande poder que experimenta provém de algum lugar do "intermédio"; a terra mesmo. Os xamãs são, em certo sentido, materialistas. Utilizam o planeta para melhorar seus poderes mágicos e de cura. Talvez utilizar seja uma palavra muito forte.
Comunicam com nosso planeta utilizando plantas sagradas e vivendo na cercania de lugares sagrados.
Na realidade, suspeito que os xamãs obtém seus poderes a partir das plantas sagradas e lugares sagrados.


2. Carta do Cacique americano ao Presidente dos Estados Unidos da América






Apresentação

Em 1854, o Governo dos Estados Unidos tentava convencer o chefe indígena Seatle a vender suas terras. Como resposta, o chefe enviou uma carta ao Presidente Franklin Pierce, que se tornou um documento institucional importante e que merece uma reflexão atenta pois é uma lição que deve ser cultivada por esta e pelas futuras gerações.

Decorridos quase dois séculos da carta do cacique indígena Seatle ao Presidente do Estados Unidos, seus ensinamentos permanecem atuais e proféticos, para todos aqueles que sabem enxergar no fundo do conteúdo de sua mensagem.

A carta do cacique Seatle é uma lição inesgotável de amor à natureza e à vida, que permanece na consciência de milhões de pessoas em todas as partes do mundo. É o hino de todos aqueles que amam a natureza e tudo o que nela vive. A cada leitura, renovamos os ensinamentos que ali estão. Serve para ler e reler e passar adiante para que todos a conheçam.

No Brasil, existiam em torno de 4 milhões de indígenas, quando os colonizadores chegaram. Hoje, restam cerca de 300 mil! Embora o indígena tenha contribuído de forma essencial para a miscigenação da raça brasileira, é certo que foram sendo expulsos de suas terras pelos exploradores e eliminados por doenças contraídas através do convívio com os brancos.

Atualmente, continuam sofrendo a invasão de suas terras por madeireiros, fazendeiros e garimpeiros, seus principais algozes.

É fundamental que seja preservada a riqueza de sua cultura, suas danças, ritos, conhecimentos sobre as plantas e animais e as formas de viver em harmonia com a natureza. Os indígenas possuem uma sabedoria milenar que precisamos aprender a cultivar e preservar.

A história dos indígenas em cada país onde existiam, antes do homem branco, é diferente nas suas particularidades, mas no seu conteúdo são iguais. Nos Estados Unidos ou no Brasil, os problemas enfrentados pelos indígenas foram os mesmos. Daí esse sentimento de solidariedade e cooperação que existe entre os diferentes povos indígenas e essa sabedoria milenar da qual todos nós temos muito que aprender.


CARTA DO CHEFE INDÍGENA SEATLE

 “O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro: o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro (...).

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem deve tratar os animais desta terra como seus irmãos (...)

O que é o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a Terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo estão cuspindo em si mesmos.  

Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.  

O que ocorre com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu o tecido da vida: ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos ( e o homem branco poderá vir a descobrir um dia): nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é possível. Ela é o Deus do homem e sua compaixão é igual para o homem branco e para o homem vermelho. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar o seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.

Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está a árvore? Desapareceu. Onde está a água? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece um pouco estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira, cada inseto a zumbir é sagrado na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho (...).

Essa água brilhante que corre nos rios não é apenas água, mas a idéia nos parece um pouco estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira, cada inseto a zumbir é sagrado na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho (...).

Essa água brilhante que corre nos rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, devem ensinar às crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa (...). Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei. Nossos costumes são diferentes dos seus.

A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater de asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece apenas insultar os ouvidos. E o que resta da vida de um homem, se não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.”

Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa (...). Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

3. A RELAÇÃO DE PODER ENTRE OS POVOS INDÍGENAS SEGUNDO PIERRE CLASTRES

FILOSOFIA
Segundo Pierre Clastres, a relação de poder entre os povos indígenas difere da visão ocidental por não ser baseada na dicotomia comando-obediência.



O etnocentrismo constitui uma barreira epistemológica porque apenas conseguimos ver a outra cultura a partir de nossas próprias categorias. A etimologia da palavra, por si só, já constitui uma explicação: seria uma etnia no centro, ou seja, ver todas as outras culturas a partir daquilo que tomamos como central, importante e verdadeiro. Isso impossibilita uma verdadeira apreensão de outras sociedades.

Segundo Pierre Clastres, é isso que ocorre na questão do poder. O Ocidente classifica as sociedades indígenas como sociedades sem poder. Elas apresentam um chefe, mas este chefe é desprovido de poder coercitivo. Para o autor, o grande problema é que para pensar o poder nessas sociedades, a etnologia (estudo das etnias) parte sempre do poder político que se baseia na dicotomia comando-obediência.

Para essas sociedades, nada seria mais estranho do que alguém mandar no outro e o outro obedecer. Elas não veem o poder a partir dessa categoria. A etnologia em seus estudos faz com que as sociedades primitivas girem em torno da civilização ocidental, como se o poder comando-obediência fosse a forma universal do poder. Para Clastres, universal é o fato de que não há social sem poder, pois essa é uma questão que teve de ser resolvida por todas as sociedades. Entretanto, a forma como cada uma enfrentou e resolveu seu próprio problema é uma forma particular de pensá-lo, assim como o poder que se apresentou no Ocidente é uma solução particular e que teve entre os selvagens uma solução diferente.

É nesse sentido que o autor fala de uma “revolução copernicana”, pois pensa ser necessário ver as sociedades indígenas a partir de si mesmas. A etnografia (registro das etnias) deve retirar o Ocidente do centro de suas indagações e ver a questão do poder através das soluções dos próprios indígenas. Da mesma forma que Copérnico retira a Terra do centro de seu sistema – assim operando uma verdadeira revolução na astronomia, o que possibilita todo o avanço da ciência – também a etnologia deve provocar esta revolução para, somente neste caso, tornar possível uma antropologia política.

É preciso ver essas sociedades através de sua positividade. Elas não chegaram até nossa forma de poder, não porque foram incompetentes; simplesmente negaram-se a ela, negaram-se a constituir um Estado como o modelo ocidental, que tem como base as categorias comando-obediência. O poder, como questão, foi resolvido de diferentes formas por diversas sociedades. São sociedades que não permitem uma divisibilidade, isto é, não criam divisões por idade, sexo, ou trabalho. Isto é algo que jamais será compreendido pelo Ocidente.

Clastres concorda com Lapierre que a inovação social produz o poder. Segundo este, o poder seria coercitivo, não um poder não coercitivo. Como a inovação é a produção de história, as sociedades sem poder coercitivo são sociedades sem história. Não estaria o autor sendo vítima do etnocentrismo? Ele questiona o poder comando-obediência para estudar nações sem esse poder coercitivo, mas quer tomar as categorias ocidentais para definir como se faz história.

Ao afirmar o poder político nessas sociedades, Clastres afirma a possibilidade da história. Para a existência do poder é necessária toda uma organização social a qual difere da organização social dos animais. Toda sociedade humana tem como pré-requisito conseguir educar as gerações futuras em sua cultura, para que possa manter a sua estrutura social. E isso representa a tradição, que é a primeira forma de produção histórica (compreender a sua própria sociedade a partir de suas próprias categorias) que foi elaborada no interior deste grupo e conseguir mantê-las é o que se chama cultura. E onde há cultura é porque há história.

O poder não coercitivo é realizado de forma que uma figura mítica represente o chefe nos rituais que servem para rememorar a organização social. Basta que seja uma figura, nem sempre a mesma, mas que apenas cumpra a função de líder. No entanto, ele não exerce poder nenhum sobre os membros da sociedade.


Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU

Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

4. Declaração Universal dos Direitos da Mae Terra

From the World People’s Conference on Climate Change and the Rights of Mother Earth,
Cochabamba, Bolivia, 22 April – Earth Day 2010



Preâmbulo

Nós, os povos da Terra:

Consideramos que todos somos parte da Mãe Terra, uma comunidade indivisível  vital dos seres interdependentes e inter-relacionados com um destino comum;

Reconhecemos com gratidão que a Mãe Terra é fonte de vida, alimento, ensino e fornece tudo aquilo que nós necessitamos para viver bem;

Reconhecemos que o sistema capitalista e todas as formas de depredação, exploração , abuso e contaminação causaram grandes destruições, degradações e alterações à Mãe Terra, pondo em risco a vida tal como a conhecemos hoje, produto de fenômenos como a mudança do clima;

Convencidos de que numa comunidade de vida interdependente não é possível reconhecer somente os direitos dos seres humanos, sim provocar um desequilíbrio na Mãe Terra.

Afirmamos que para garantir os direitos humanos é necessário também reconhecer e defender os direitos da Mãe Terra e de todos os seres que a compõe, e que existem culturas, praticas e leis que o fazem.

Conscientes da urgência de realizar ações coletivas decisivas para transformar as estruturas e sistemas que causam as mudanças climáticas e outras ameaças à Mãe Terra;

Proclamamos esta Declaração Universal dos Direitos da Mae Terra, e fazemos um chamado à Assembleia Geral das Nações Unidas para adota-la, como propósito comum para todos os povos e nações do mundo, com a finalidade de que tanto os indivíduos como as instituições, responsabilizem-se em promover através do ensino, a educação e a conscientização, o respeito para com estes direitos reconhecidos nesta Declaração e assim assegurar através de medidas  e mecanismos efetivos e progressivos de caráter nacional e internacional, o seu reconhecimento e aplicação universal entre todos os povos e países do Mundo.

Artigo 1: A Mãe Terra

A Mãe Terra é um ser vivo.

A Mãe Terra é uma única comunidade, indivisível e auto- regulada, de seres interrelacionados que sustem, contem e reproduz a todos os seres que a compõe.

Cada ser se define pelas suas relações como parte da integrante da Mãe Terra.

Os direitos inerentes da Mãe Terra são inalienáveis porque derivam-se da fonte mesma da existência.

A Mãe Terra e todos os seres que a compõe são titulares de todos os direitos inerentes reconhecidos nesta Declaração sem nenhum tipo de distinção, como pode ser entre seres orgânicos e inorgânicos, espécies, origem, usos para os seres humanos, ou qualquer outro status.

Assim como os seres humanos possuem os seus direitos, todos os demais seres da Mãe Terra também possuem direitos específicos da sua condição e apropriados para o seu papel e função dentro das comunidades em nas quais existem.

Os direitos de cada ser são limitados pelos direitos dos outros seres, e qualquer conflito entre estes direitos deve ser resolvido de maneira que seja mantida a integridade, equilíbrio e saúde da Mãe Terra.

Artigo 2: Direitos Inerentes da Mãe Terra

A Mae Terra e todos os seres que a compõe possuem os seguintes direitos inerentes:

Direito da Vida e a existir;

Direito a ser respeitados;

Direito à regeneração da sua bio-capacidade e continuação dos seu ciclos e processos vitais livre das alterações humanas;

Direito a manter a sua identidade e integridade como seres diferenciados, autorregulados e interrelacionados.;

Direito da agua como fonte de vida;

Direito ao ar limpo;

Direito da saúde integral;

Direito de estar livre da contaminação, poluição e resíduos tóxicos ou radioativos;

Direito a não ser alterada geneticamente e modificada na sua estrutura, ameaçando assim a sua integridade ou funcionamento vital e saudável;

Direito a uma plena e pronta restauração depois de violações aos direitos reconhecidos nesta Declaração e causados pelas atividades humanas;

Cada ser tem o direito a um lugar e a desempenhar o seu papel na Mãe Terra para o seu funcionamento harmônico;

Todos os seres possuem o direito ao bem estar e a viver livre de tortura ou trato cruel por parte dos seres humanos.

Artigo 3: Obrigações  dos seres humanos para com a Mãe Terra

Todos os seres humanos são responsáveis de respeitar e viver em harmonia com a Mãe Terra;

Os seres humanos, todos os Estados e todas as instituições públicas e privadas devem: atuar de acordo com os direitos e obrigações reconhecidos nesta Declaração;

Reconhecer e promover a aplicação e a plena implementação dos direitos e obrigações estabelecidos nesta Declaração;

Promover e participar na aprendizagem, analise, interpretação e comunicação sobre como viver em harmonia com a Mãe Terra de acordo com esta Declaração;

Assegurar que a procura do bem estar humano contribua ao bem estar da Mãe Terra, agora e no futuro;

Estabelecer e aplicar efetivamente normas e leis para a defesa, proteção e conservação dos Direitos da Mãe Terra;

Respeitar, proteger, conservar e onde seja necessário restaurar a integridade dos ciclos, processos e equilíbrios vitais da Mãe Terra.

Garantir que os danos causados pelas violações humanas dos direitos inerentes reconhecidos nesta Declaração sejam corrigidos e que os responsáveis prestem contas para restaurar a integridade e a saúde da Mãe Terra;

Autorizar a todos os seres humanos e as instituições a defender os direitos da Mãe Terra e de todos os seres que a compõe;

Estabelecer medidas de precaução e restrição para prevenir que as atividades humanas conduzam à extinção das espécies, à destruição dos ecossistemas ou a alteração dos ciclos ecológicos;

Garantir a paz e eliminar as armas nucleares, químicas e biológicas;

Promover e apoiar praticas de respeito para com a Mae Terra e todos os seres que a compõe, de acordo com as suas próprias culturas, tradições e costumes.

Promover sistemas econômicos em harmonia com a Mae Terra e de acordo com os direitos reconhecidos nesta Declaração.

Artigo 4: Definições

O termo “ser” inclui os ecossistemas, comunidades naturais, espécies e todas as outras entidades naturais que existem como parte da Mãe Terra. Nada nesta Declaração poderá restringir o reconhecimento de outros direitos inerentes de todos os seres o de qualquer em particular.

- See more at: http://www.rightsofmotherearth.com/declaracao/#sthash.V645L7aA.dpuf

5.Entenda o xamanismo de hoje: o neoxamanismo


Atualmente, os neoxamãs - os xamãs de hoje - vêm unir a sabedoria ancestral às conquistas científicas e tecnológicas da modernidade

As cinco leis do Xamanismo - clique aqui

Por Carminha Levy

Nos anos 60, o mundo acadêmico foi surpreendido pela publicação de um estudo de campo sobre Xamanismo do antropólogo Carlos Castañeda, que teve a força de uma revolução, pois veio abalar as crenças científicas materialistas vigentes.
Ao 1º livro, "A Erva do Diabo" (Ed.Record), seguiram-se vários ao longo dos anos que durou seu dolorido processo de iniciação no Xamanismo.

Carlos Castañeda, desafiando com muita coragem e pioneirismo a rigidez do *pensamento cartesiano, deu início ao retorno do herói da consciência - o xamã e do movimento neoxamanistico.

Paralelamente a esta impactante revelação, difundida principalmente entre o público leigo, um outro antropólogo norte-americano, Michael Harner, inicia-se no xamanismo na floresta amazônica através da **ayahuasca e surge assim uma outra via do neoxamanismo, que se expande nas universidades e corre como um rio tranqüilo no mundo acadêmico, por se basear em dados científicos.

Publica "O Caminho do Xamã" (Ed. Cultrix) e leva às suas aulas de antropologia o Xamanismo interno, aquele que é acessado ao toque do tambor (gravado numa fita cassete).

Posteriormente seu método de trabalho, sempre com o som do tambor, sai das universidades e fica à disposição dos interessados em xamanismo, inicialmente em Easalen - Ca-USA (onde me iniciei pelas mãos e sabedoria do próprio Michael Harner), de onde sai para se difundir de "costa-a-costa" dos USA e posteriormente em quase todo o planeta, inclusive na China.

Nasce e cresce assim a primeira escola de Xamanismo, "The Foundation for Shamanic Studies", na qual fiz minha formação inicial e da qual tenho a honra de ser membro honorário.

Este feito de Michael Harner só pode ser medido conhecendo a rigidez do pensamento dos seus pares e de sóbrios estudantes de antropologia que, ao som do tambor entravam no Universo Xamânico, fazendo as mesmas viagens que as nossas, através do "trote" do tambor, o "cavalo" do Xamã.

É neste "cavalo" que o Xamã faz as ligações entre os mundos do meio, profundo e superior.

O 1º é a nossa realidade cotidiana, o 2º é onde habitam os arquétipos do Ego (nossa criança interna, entre outros e dos reinos mineral, vegetal e humano, os animais e nosso Guia Xamã. O 3º é a morada dos grandes arquétipos mestres (Deus-Deusa) e dos seres iluminados cósmicos.

Transitar entre os três mundos sem perder a consciência é um talento específico do Xamã e o que o define.

A importância do tambor data da origem humana, pois o seu toque é o 1º som que o feto ouve na barriga da mãe: a batida do coração dela que ressoa com o coração da Mãe Terra.

O surgimento destes dois eventos marca, para os nativos norte-americanos, o momento determinado pelo Grande Espírito da liberação da sabedoria xamânica ao homem branco. Entretanto, necessário se faz esclarecer que o xamanismo não é um fenômeno indígena e pertence a toda humanidade. Ele vem do início dos tempos, de quando o ser humano dormia na inconsciência do Éden.

Nestes tempos, alguns homens e mulheres, já tocados pelo divino, ao som dos tambores entraram em êxtase, saíram do corpo e foram aos mundos superiores onde repousava o Arquétipo do Divino.

Tomados por um arrebatamento cósmico ao se defrontarem com o Sagrado, estes serem ganharam a iluminação - a consciência.

Começa assim um longo despertar da consciência da humanidade que se perde desde o início dos tempos e que segue até nós nos dias de hoje, através do xamã.

As primeiras manifestações do Xamanismo são matriarcais - o culto à Grande Deusa, a imersão na natureza o contato íntimo com os animais e a vida sendo regida fraternamente pela cooperação entre os membros da tribo.

Tudo mudou com o patriarcado que, com sua horda de bárbaros, para se estabelecer necessitou esmagar o poder do feminino através da destruição do culto à Grande Mãe - a Deusa.

O Xamanismo foi banido, mas mantido secretamente pelas tribos nômades que conseguiram escapar ao domínio dos bárbaros. São os ancestrais dos povos nativos que, orientados pelo Grande Espírito, recebem a missão de manter o Xamanismo como um grande segredo que só poderia ser revelado quando a humanidade tivesse o mérito de recebê-lo para salvar a Mãe Terra.

O momento é agora e nós, os xamãs, somos os responsáveis por honrar, divulgar e trabalhar por essa causa.

Xamanismo não é religião

Apesar do seu caráter sagrado e da sua natureza divina, o Xamanismo não é uma religião e nem está associado a um grupo étnico específico.

Vindo da aurora da humanidade, é uma herança de todos os povos.

É uma filosofia que nos ensina o re-ligare. Praticamos esta filosofia tendo-a como norte de nossa vida, atitudes, crenças e verdades.

Praticamos primeiramente a cura pessoal, por ser o Xamã o arquétipo da autocura e também a cura coletiva.

Somos os guardiões do equilíbrio ecológico interno (nossa consciência egóica) e externo - nossa responsabilidade com a Mãe Terra.

E como os antigos xamãs, somos os detentores das soluções criativas, única saída para resoluções de problemas da vida cotidiana e da vida planetária.

Alicerçados no tripé do sagrado, da cura e da criatividade, somos os 'guerreiros da luz', aqueles que batalham pela cura dos corações feridos dando rumo às almas que ainda não encontraram seu destino. Criamos um mundo de paz oferecendo a sabedoria dos nossos ancestrais e o respeito pela Mãe Natureza.

Somos buscadores do autoconhecimento e sentido de vida. Somos guiados pela responsabilidade de estabelecer a Paz na Terra. Somos alegres, amorosos, respeitamos todas as diversidades, praticamos o não julgamento, a tolerância entre os credos e as raças e temos um rígido e sábio código de ética - as cinco leis xamânicas que lhes oferecemos e convidamos a praticá-las:

As cinco leis do Xamanismo

1ª Lei - "O Xamã pratica a impecabilidade do Guerreiro". Essa impecabilidade é regida por um coração compassivo.

2ª Lei - "O Xamã pratica a entrega". Ele pede o que necessita já agradecendo o recebido, pois tem fé e confia na Lei do Cosmo "

3ª Lei - "O Xamanismo obtém o máximo de eficiência com o mínimo esforço" Por viver no aqui-agora e ter sempre um foco único no que faz, ele vive num nível de excelência.

4º Lei - "O Xamã pratica o desapego". Talvez a mais difícil das leis, pois temos a ilusão de praticá-la, o que nem sempre se torna realidade.

5ª Lei - "O Xamã deixa de viver causa e efeito (karma) e passa a viver a sincronicidade (dharma).

E o caminho vai sendo mostrado pelos sinais que nos levam à felicidade interna de se saber participante do Grande Plano Divino. Axé na Luz!

*Pensamento cartesiano: relativo aos pensamentos do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650). O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada.

** Ayahuasca: Pajés da Amazônia ocidental vem utilizando a planta Banisteriopsis caapi para produzir uma bebida cerimonial chamada "ayahuasca". Os pajés utilizam a ayahuasca (que significa "cipó da alma") em cerimônias religiosas de cura, para diagnosticar e tratar doenças, para encontrar com espíritos e adivinhar o futuro.

6. A Sabedoria Ecológica dos Indígenas

O Que Temos a Aprender com os Povos Tradicionais
Carlos Cardoso Aveline  
 
  
Em vários aspectos, o mais novo e o mais velho se unem hoje para renovar e ampliar radicalmente nosso modo de enxergar a realidade.
Nas últimas décadas do século 20, a vanguarda da física redescobriu a  filosofia esotérica através de Fritjof Capra,  David Bohm e outros. O químico da NASA Jim Lovelock  descobriu que o planeta Terra pode ser considerado um ser vivo - como pensava o mundo grego-   e criou a teoria de Gaia. Na biologia,  Rupert Sheldrake  resgatou velhos conceitos  da filosofia do oriente, especialmente o akasha e a luz astral, através de modernos métodos experimentais.  Estas mudanças na visão científica do mundo estabelecem as bases para uma relação inteiramente nova entre ser humano e ambiente natural, e nos fazem compreender, também,  que podemos aprender grandes  lições avaliando melhor a filosofia de vida dos primeiros  habitantes da América.
Segundo a ecologia profunda,  todos os seres têm - em princípio -  igual direito à vida. Esta corrente de pensamento aberta e sem dogmas foi criada  na Noruega no início da década de 70 pelo filósofo e músico Arne Naess.  Nos últimos anos os livros e seminários dedicados ao tema têm ganhado espaço rapidamente, inclusive no Brasil.
Embora seja moderno na aparência e inspire uma nova geração de cientistas,  este modo de enxergar a vida é antigo e tradicional. O maior e mais famoso  manifesto de ecologia profunda que conheço foi escrito  pelo chefe Seattle,  dos índios norte-americanos  Duwamish, em 1855, isto é, onze  anos antes de o biólogo alemão Ernest Haeckel propor pela primeira vez, em 1866, a criação de uma “nova disciplina” a ser chamada no futuro de “ecologia”. O chefe Seattle perguntou ao presidente norte-americano Franklin Pearce, que lhe havia proposto comprar as terras indígenas:
“É possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como você poderá comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada areia da praia, cada bruma nas densas florestas, cada clareira e cada inseto a zumbir são sagrados na memória do meu povo. A seiva que corre através das árvores carrega as memórias do homem vermelho.”
A ideia central da ecologia profunda é abandonar a ideia de que a natureza é apenas  um amontoado de “recursos naturais”. Todo egoísmo tem uma vocação inevitável para o fracasso, e as políticas de preservação ambiental implantadas no século 20 fracassaram amplamente  porque partiam de uma filosofia baseada na ideia de que o homem pode usar e abusar da natureza.   Quando você parte de uma premissa falsa, seu raciocínio e sua prática estão destinados à derrota. Só quando deixamos  de lado a  impressão ilusória de que o homem é o centro do universo passa a ser  possível, para nós, perceber  que pertencemos à natureza, somos seus filhos  e devemos respeitá-la.   A premissa correta, centro da  filosofia do futuro,  afirma que a alma da vida universal está presente em todas as coisas,  e o homem é parte dela. Cabe a ele, agora, ser consciente disso. Assim a preservação ambiental terá êxito. Nas palavras do chefe Seattle:
“Os rios são nossos irmãos, eles saciam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossas crianças.  Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar às suas crianças que os rios são nossos irmãos, e seus também, e vocês devem, daqui em diante, dar aos rios a bondade que dariam a qualquer irmão.”
Em uma análise comparativa, poucos deixariam de afirmar que nossa civilização tecnológica é mais avançada que a dos índios peles vermelha. Mas o que estamos fazendo com nossas crianças? Abandonando-as?  Matando-as? Prostituindo-as?  O que são os assaltantes das grandes cidades além de crianças abandonadas que cresceram aprendendo violência?
Considerando o que estamos fazendo com nossos rios e florestas  e também o grau de violência, corrupção e poluição que há em nossas cidades,  em  que coisas somos de fato melhores, e em que aspectos somos mais bárbaros,  mais violentos e atrasados que os indígenas das Américas tradicionais?
“Não há um lugar calmo nas cidades do homem branco”, afirma a carta dos duwamish: “Nenhum lugar para escutar o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreenda. O ruído parece apenas insultar os ouvidos. E o que resta da vida, se o homem não pode escutar o choro solitário de um pássaro ou o coaxar dos sapos em volta de uma lagoa à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio aroma do vento, limpo por uma chuva do meio-dia, ou perfumado pelos pinheiros.”
Recuperar a capacidade de conviver com o mundo natural  é avançar em direção àquele futuro em que as cidades trarão para si o melhor do campo,  e o campo terá em si o melhor das cidades. Então desaparecerão as doenças físicas e emocionais  causadas pela tensão nervosa das grandes cidades. Desaparecerão fenômenos como a síndrome do pânico, a insegurança das ruas modernas ou a violência contra os agricultores sem terra. E  ainda respiraremos melhor, como os indígenas faziam. Também neste aspecto, temos a aprender com eles:
“O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro. O animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. O homem branco parece não sentir o ar que respira. Como um animal que agoniza há vários dias, ele é incapaz de sentir o mau cheiro. (...) Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas crianças. Tudo o que ocorrer com a terra, ocorrerá com os filhos da terra. Se os homens desprezam o solo, estão desprezando a si mesmos. A terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra. (1)
Um testemunho menos conhecido, mas não menos belo, foi deixado a nós pelo chefe  Urso-em-pé, dos Lakota. Ele disse, lembrando de tempos anteriores:
“Os velhos Lakota amavam o solo e sentavam-se ou reclinavam-se no chão com o sentimento de estarem próximos de um poder maternal. Era bom para a pele tocar a terra, e os velhos gostavam de se descalçar e andar com os pés nus sobre a terra sagrada. As tendas eram erguidas sobre a terra, e os altares feitos de terra. O solo era tranquilizante, revigorador, purificador e medicinal. Por isso é que os velhos índios ainda se sentam diretamente na terra, fonte de suas forças vitais. Para eles, sentar-se ou deitar-se no chão permite pensar com mais profundidade e sentir com mais clareza; podem penetrar nos mistérios da vida e descobrir seu parentesco com outras formas de vida ao redor. (...) Os velhos Lakota eram sábios. Sabiam que o coração do homem distante da natureza se torna duro; sabiam que a falta de respeito pelas coisas vivas leva imediatamente à falta de respeito pelos humanos”. (2)
Urso-em-pé mencionou aqui uma causa central da violência e degeneração da vida emocional das grandes cidades. Dominadas hoje por meios eletrônicos de “comunicação” cuja influência parece crescer lado a lado com a falta de comunicação real entre seres humanos, as cidades degeneram pelo seu distanciamento da natureza e dos seus ritmos vitais básicos.  Como um animal em cativeiro que perde a alegria de viver, o ser humano distante da natureza é  preso por suas preocupações pessoais,  e dificilmente encontra paz, dentro ou fora de si.  O resultado é a violência: primeiro em pensamento e sentimento, e depois na realidade externa.
Por outro lado, temos alguns erros em comum com as sociedades indígenas e um deles é a superstição. A maior parte da população brasileira atual, herdeira da cultura europeia, ainda é guiada por fortes crenças ilusórias. Algumas das nossas superstições são materialistas (como pensar que o dinheiro traz felicidade), e outras são religiosas (como a de pensar que, para ser religioso, basta adorar e pedir favores a um Deus em forma humana).  Até mesmo nossos modernos pajés, os cientistas e intelectuais, participam em grande parte das superstições coletivas da nossa civilização.
Os indígenas também tinham uma visão relativamente estreita do mundo. Vemos com facilidade os erros do pensamento indígena tradicional,  porque  é sempre fácil enxergar os defeitos alheios e nossas limitações são outras. Mas apesar das cegueiras culturais, dos tabus e nacionalismos  tribais,  havia em todas as sociedades indígenas  - como há hoje na nossa - uma tradição de sabedoria transcendental. Ela permanecia  à disposição dos que estavam prontos e eram capazes de erguer os olhos para ela. Quando o aprendiz está pronto, a sabedoria aparece - em qualquer tempo e lugar.
Certo dia o indigenista brasileiro Orlando Villas Bôas ficou surpreso ao conversar com um pajé do rio Xingu, o mais versado, ali,  nos conhecimentos que vão além do saber comum. Ele conta o fato em seu livro “A Arte dos Pajés” (3). Um pajé de meia-idade, Arru, chegou  do mato cansado de caminhar e sentou-se ao lado de Orlando.
“Lá é o céu”, diz Arru, apontando para o alto.
“Sei”, responde Orlando.
“Lá é a aldeia dos que morrem”.
“Sei”, diz Orlando, conhecedor da cultura indígena.
Depois de um momento em silêncio, olhando bem para o alto, Arru acrescenta:
“Lá no céu do céu... ela está lá”.
Orlando pensa que quem está lá no céu do céu deve ser  um deus antropomórfico.
“Quem está lá? Um índio velho que sabe tudo?”
A resposta de Arru é enfática:
“Não, apenas uma sabedoria”.
O pajé do Xingu surpreendeu Orlando mostrando que acreditava na existência de uma lei ou sabedoria universal, e que estava livre da superstição de um deus em forma humana, de quem se pode obter favores pessoais fazendo-lhe  homenagens como a um rei todo-poderoso.
O diálogo entre Villas Bôas e Arru tem outros aspectos interessantes. A “aldeia dos que morrem”, que existe no céu dos índios xinguanos, é um conceito equivalente, de certo modo, ao kama loka da filosofia esotérica. Para o kama loka vão os níveis intermediários da consciência de um ser humano fisicamente morto. Ali, os níveis médios de consciência passam por  uma purificação que dará lugar ao devachan ou bem-aventurança, um longo período de descanso antes de um novo renascimento. O devachan  pode  ter uma relação com a “terra sem males” dos tupis brasileiros,  local mítico e  não-espacial. Ali ninguém morre ou adoece, a lavoura se trabalha sozinha e  a colheita ocorre sem que seja necessário fazer esforço.
Do ponto de vista esotérico, não se conhece muitas referências complexas ou exatas ao processo pós-morte na tradição indígena das Américas. Porém, na sua simplicidade, todos os povos indígenas reconhecem a existência de um mundo sutil ou astral em que são registrados os nossos atos e no qual  vivem seres invisíveis, ao lado das forças arquetípicas da natureza e dos seres  que se foram do mundo físico.
“Há na cultura indígena uma total dependência da criatura com o mundo sobrenatural”, escreveu Villas Bôas. Se trocarmos a palavra “sobrenatural” por “astral” a frase fica perfeita do ponto de vista esotérico e se aplica não só aos indígenas, mas a todos os povos e seres do mundo em todos os tempos. O mundo físico inteiro é reflexo do mundo astral e, por isso, depende dele. Todas as relações de causa e efeito operam no mundo astral, que é perfeitamente natural, porém invisível ao olhar físico, e que, em seus níveis superiores, leva à vida especificamente imortal e espiritual em que se localiza o devachan e se alcança o nirvana.
As culturas indígenas populares tinham acesso a uma versão simplificada da sabedoria espiritual dos descendentes de Atlântida. Depois da destruição daquele continente, o conhecimento iniciático e esotérico foi inteiramente reorganizado. Então, da Índia e Egito antigos surgiu uma nova série de civilizações que dura até hoje. Esotericamente, considera-se que os indígenas americanos são descendentes da tradição espiritual Atlântida, que corresponde à quarta raça-raiz, segundo Helena Blavatsky. A nossa quinta raça-raiz, mais racional, perdeu a antiga intuição humana. Mas já começa a recuperá-la em um nível superior, combinando o método científico experimental com a antiga capacidade de comunhão com a natureza e o respeito por todos os seres, habilidades que as sabedorias  indígenas, sobreviventes da tradição atlântida, ainda mantêm intactas.
As tradições do extremo oriente são outras tantas  ramificações da quarta raça-raiz e têm ensinado lições de grande valor ao nosso confuso ocidente através da medicina tradicional,  da meditação zen, das artes marciais de fundo espiritual, do taoísmo,  e do feng-shui, para citar alguns poucos exemplos.  Helena Blavatsky afirma em seu livro clássico “A Doutrina Secreta” que desde o século 19 surgem, aqui e ali, os primeiros cidadãos da sexta raça-raiz(4). Eles não podem ser identificados por qualquer característica física, mas sim por uma percepção intuitiva dos princípios da sabedoria e da fraternidade universal que guiarão a humanidade, de modo consciente,  no futuro. Para a ciência esotérica, a fraternidade universal da humanidade é uma lei, e a diversidade racial é indispensável à evolução.
Neste momento, é essencial que saibamos repensar nosso processo civilizatório. Que possamos parar a destruição dos ambientes naturais que permanecem vivos; que respeitemos os povos que preservam o conhecimento de como viver em intimidade com a natureza. É essencial que possamos proteger nossas crianças, símbolos do nosso futuro, e que possamos aprender aquela sabedoria universal que permeia a história de todos os povos, independentemente das características físicas, hábitos culturais ou níveis de desenvolvimento tecnológico dos seus cidadãos.
Devemos ter a humildade necessária para reconhecer que os povos mais desenvolvidos tecnologicamente nem sempre foram os mais sábios, e que hoje somos um notável exemplo disso. Devemos ser capazes de lembrar que, como escreveu o chefe Seattle, “os cumes rochosos, os sulcos úmidos do campo, o calor do corpo do potro e o homem, todos pertencem à mesma família”.   

NOTAS
(1) “Preservação do Meio Ambiente – Manifesto do chefe Seattle ao Presidente dos EUA”, Editora Interação/Fundação SOS Mata Atlântica, SP, 1989.
(2) “Pés Nus Sobre a Terra Sagrada”, Compilador: T.C. McLuhan, Ed. L&PM, Porto Alegre, 1994, ver pp. 13-14.
(3) “A Arte dos Pajés”, de Orlando Villas Bôas, Editora Globo, 2000, ver pp. 89-90.
(4) “A Doutrina Secreta”, de H. P. Blavatsky, Ed. Pensamento, SP, edição em 6 volumes, ver volume 3, p. 462.
7. Carlos Castaneda


Entrevista para a Revista Psychology Today, 1972.


Tradução: Miguel Duclós

Esta entrevista saiu logo depois da publicação do terceiro livro do autor, Viagem a Ixtlan. Ele estava procurando desvencilhar-se da alcunha de guru das drogas psicodélicas que havia recebido com a publicação dos primeiros livros. Este entrevistador, Sam Keen, talvez tenha sido o mais competente na formulação de perguntas. Sua formação em filosofia e teologia em Harvard e Princeton o fazem buscar paralelos entre os ensinamentos e as tradições ocidentais e orientais já conhecidas. Aparece aqui até uma curiosa afirmação de Don Juan a respeito do filósofo austríaco Wittgenstein. Leia a seguir.

Sam Keen:
Como eu acompanhei Don Juan através de seus três livros, suspeitei, às vezes, que ele era uma criação de Carlos Castaneda. Ele é quase bom demais para ser verdade . Um índio velho e sábio cujo conhecimento da natureza humana é superior ao de quase todo mundo.
Carlos Castaneda:
A idéia de que eu forjei uma pessoa como Don Juan não é convincente. Ele dificilmente seria o tipo de figura que minha tradição intelectual européia levaria a conceber. A verdade é sempre algo muito estranho. Eu não estava sequer preparado para fazer as mudanças na minha vida que a minha associação com Don Juan requisitou.
Sam Keen:
Como e quando você encontrou Don Juan e tornou-se seu aprendiz?
Carlos Castaneda:
Eu estava terminando meu trabalho de conclusão de curso na UCLA e planejando ir para a graduação em antropologia. Estava interessado em me tornar professor e pensei que poderia começar de maneira apropriada publicando um ensaio curto sobre plantas medicinais. Não podia ter me importado menos por encontrar um esquisitão como Don Juan. Eu estava em uma estação de ônibus no Arizona com um amigo do tempo do colégio. Ele apontou um velho índio yaqui e disse que ele tinha conhecimento sobre peiote e plantas medicinais. Fiz a melhor cara que pude e me apresentei a Don Juan dizendo: . Entendo que você sabe muito acerca do peiote. Eu sou um especialista em peiote (Eu havia lido o livro de Weston La Barre's, O ritual do peiote) e pode ser gratificante para você almoçar e passar um tempo comigo.. Bem, ele apenas me lançou um olhar e minha audácia dissolveu-se.
Fiquei completamente tímido e paralizado. Eu normalmente era muito vigoroso e falante, então foi um negócio sério ser silenciado com um olhar. Depois disso, comecei a visitá-lo e cerca de um ano depois ele disse-me que gostaria de me repassar o conhecimento da feitiçaria que havia obtido com seu mestre.
Sam Keen:
Então Don Juan não é um fenômeno isolado, mas faz parte de um grupo de feiticeiros que compartilham um conhecimento secreto?
Carlos Castaneda:
Certamente. Conheço três feiticeiros e sete aprendizes e existem muitos mais. Se você pesquisar a história da conquista espanhola no México, encontrará que os inquisidores católicos tentaram acabar com a feitiçaria porque a consideraram como uma coisa do demônio. Ela tem estado por aí há muitos milhares de anos. A maioria das técnicas que Don Juan me ensinou é muito antiga.
Sam Keen:
Algumas das técnicas que os feiticeiros usam é amplamente usada também por outros grupos secretos. As pessoas às vezes usam os sonhos para encontrar objetos perdidos, e vão para jornadas fora-do-corpo durante seu sono. Mas quando você diz como Don Juan e seu amigo Don Genaro fizeram o carro desaparecer durante a plena luz do dia, eu poderia apenas coçar a cabeça. Eu sei que um hipnotista pode criar a ilusão de presença ou ausência de um objeto. Você acredita que foi hipnotizado?
Carlos Castaneda:
Talvez, alguma coisa deste tipo. Mas temos que começar por perceber, como diz Don Juan, que existe muito mais no universo do que normalmente confessamos conhecer. Nossas expectativas usuais acerca da realidade são criadas por um consenso social. Nos ensinam como ver e perceber o mundo. A truque da socialização consiste em nos convencer que as descrições que estamos de acordo definem os limites do mundo real. O que chamamos de realidade é apenas um modo de ver o mundo, um modo que é sustentando pelo consenso social.
Sam Keen:
Então um feiticeiro, como um hipnólogo, cria um mundo alternativo construindo diferentes expectativas e fornecendo pistas premeditadas para produzir um consenso social.
Carlos Castaneda:
Exatamente. Eu comecei a entender feitiçaria nos termos da idéia de .interpretação. [glosses] de Talcott Parsons. Uma interpretação [gloss] é um sistema completo de percepção e linguagem. Por exemplo, esta sala e é uma interpretação. Nós reunimos juntos uma série de percepções isoladas . chão, teto, janela, luzes, tapete, etc . para compor uma totalidade. Mas nós temos que ser ensinados a dispor o mundo junto desta forma. Uma criança experimenta o mundo com poucos pré-conceitos até que é ensinada a vê-lo de uma forma que corresponde à descrição que todos compartilham. O sistema de interpretações parece um pouco com caminhar. Nós temos que aprender a caminhar, mas uma vez que aprendemos ficamos sujeitos à sintaxe da linguagem e ao modo de percepção que ela contém.
Sam Keen:
Então a feitiçaria, assim como a arte, ensina um novo sistema de anotações. Quando, por exemplo, Van Gogh rompe com a tradição artística e pinta .O Céu Estrelado. [The Starry Night], ele estava efetivamente dizendo: aqui está uma nova maneira de ver as coisas. As estrelas estão vivas e rodam em volta de seus campos energéticos.
Carlos Castaneda:
De uma certa forma. Mas existe uma diferença. Um artista normalmente apenas rearranja as velhas anotações que são apropriadas para seu grupo.
Sam Keen:
Don Juan estava lhe dessocializando ou ressocializando? Ele estava lhe ensinando um novo sistema de significados ou apenas um método para esvaziar o antigo sistema para que assim você pudesse ver o mundo como uma criança fascinada?
Carlos Castaneda:
Don Juan e eu discordamos quanto a isto. Eu digo que ele está me .reinterpretando. [reglossing]. Ensinando-me feitiçaria me deu um novo conjunto de interpretações, uma nova linguagem e uma nova maneira de ver o mundo. Uma vez eu li um pouco da filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein e ele riu e disse .Seu amigo Wittgenstein amarrou o nó com muita força em torno de próprio pescoço, assim ele não pode ir muito longe..
Sam Keen:
Wittgenstein é um dos poucos filósofos que poderia ter entendido Don Juan. Sua noção de que existem muitos tipos diferentes de jogos de linguagem . ciência, política, poesia, religião, metafísica, cada um com sua própria sintaxe e regras . poderia ter permitido a ele entender a feitiçaria como um sistema alternativo de percepção e entendimento.
Carlos Castaneda:
Mas Don Juan pensa que o que ele chama de .ver. é apreender o mundo sem nenhuma interpretação. Este é o fim almejado pela feitiçaria. Para quebrar a certeza do mundo que sempre lhe foi ensinado, você deve aprender uma nova descrição do mundo . feitiçaria . e então manter a velha e a nova juntas. Então você percebe que nenhuma das duas é final. No momento que você desliza entre as descrições; você para o mundo e vê. Você é deixado com o assombro, o verdadeiro assombro de ver o mundo sem nenhuma interpretação.
Sam Keen:
Você pensa que é possível ultrapassar as interpretações usando drogas psicodélicas?
Carlos Castaneda:
Eu penso que não. Está é minha briga com gente como Timothy Leary. Eu penso que ele estava improvisando dentro da sociedade européia e rearrumando meramente velhos sistemas de interpretação. Eu nunca tomei LSD, mas o que entendi dos ensinamentos de Don Juan é que os psicotrópicos são usados para interromper o fluxo das interpretações ordinárias, para aumentar as contradições dentro das interpretações e para romper as certezas. Mas somente as drogas não possibilitam você parar o mundo. Por isso que Don Juan teve de me ensinar feitiçaria.
Sam Keen:
Existe uma realidade normal que nós, ocidentais, pensamos que é .o. único mundo, e existe também a realidade a parte do feiticeiro. Quais as diferenças essenciais entre elas?
Carlos Castaneda:
Na sociedade européia o mundo é construído em grande parte pelo que os olhos informam à mente. Na feitiçaria o corpo todo é usado como percipiente. Como europeus vemos o mundo ao redor de nós e falamos sobre ele. Nós estamos aqui e o mundo está lá. Os nossos olhos alimentam a razão e não temos conhecimento direto das coisas. De acordo com a feitiçaria esta sobrecarga dos olhos é desnecessária.
Nós percebemos com o corpo total.
Sam Keen:
Ocidentais partem do pressuposto que sujeito e objeto são separados. Nós existimos a parte do mundo e temos de cruzar o vácuo para chegar até ele. Para Don Juan e a tradição dos feiticeiros, o corpo já está no mundo. Nós estamos unidos ao mundo, e não alienados dele.
Carlos Castaneda:
Isso mesmo. A feitiçaria tem uma teoria diferente de personificação. O problema da feitiçaria é o de harmonizar e arrumar seu corpo para ser um bom receptor. Os europeus lidam com seus corpos como se eles fossem um objeto. Nós os enchemos de álcool, comida ruim e inquietações. Se alguma coisa está errada nós pensamos que germes de fora invadiram o corpo e então importamos algum medicamento para curá-lo. A doença não é parte de nós. Don Juan não acreditava nisso. Para ele a doença é a desarmonia entre um homem e seu mundo. O corpo é consciente e deve ser tratado impecavelmente.
Sam Keen:
Isto parece similar à idéia de Norman O. Brown's onde as crianças, esquizofrênicos e aqueles com loucura  divina da consciência  dionisíaca estão cientes das coisas e das outras pessoas como extensões de seu corpo. Don Juan sugere algo do tipo quando diz que os homens de conhecimento têm fibras de luz que conectam seu plexo solar ao mundo.
Carlos Castaneda:
Minha conversa com o coiote é um bom exemplo das diferentes teorias de personificação. Quando ele chegou para mim eu disse: .Olá, pequeno coiote. Como você está?. E ele respondeu de volta: .Estou bem. E você?.. Aqui eu não escutei as palavras da forma normal.
Mas meu corpo sabia que o coiote estava dizendo alguma coisa e eu traduzi isto em um diálogo. Como um intelectual, minha relação com o diálogo é tão profunda que meu corpo automaticamente transpôs para palavras o sentimento que o animal estava comunicando a mim. Nós sempre vemos o desconhecido nos termos do conhecido.
Sam Keen:
Quando você estava no modo mágico de consciência onde os coiotes falam e tudo é adequado e entendido parece que o mundo todo está vivo e o ser humano está em comunicações que incluem animais e plantas. Se abandonarmos nossas concepções arrogantes de que somos a única forma de vida que conhece e comunica talvez conseguíssemos perceber toda a sorte de coisas se comunicando conosco. John Lilly falava com os golfinhos. Talvez nos sentíssemos menos alienados se pudéssemos acreditar que não somos a única forma inteligente de vida.
Carlos Castaneda:
Nós podemos nos tornar capazes de falar com qualquer animal. Para Don Juan e os outros feiticeiros não havia nada de estranho na minha conversa com o coiote. Na verdade eles disseram que eu deveria ter pegado um animal mais confiável paraamigo.Coiotes são trapaceiros e não pode se confiar neles.
Sam Keen:
Quais animais são os melhores para serem amigos?
Carlos Castaneda:
Cobras são amigos estupendos.
Sam Keen:
Uma vez conversei com uma cobra. Uma noite sonhei que havia uma cobra no sótão da casa onde eu vivia quando era criança. Peguei um pau e tentei matá-la. De manhã falei sobre o sonho a um amigo e ela me disse que não era uma coisa boa matar cobras, mesmo se elas estivessem no sótão em um sonho. Ela me sugeriu que na próxima vez que aparecesse uma cobra em sonho eu deveria alimentá-la ou fazer alguma coisa para atrair sua amizade. Cerca de uma hora depois eu estava dirigindo meupatinete motorizado numa estrada pouco usada e lá, esperando por mim, estava uma cobra de quatro pés, estirada no seu banho de sol. Eu a contornei e ela não se mexeu Depois de nos olharmos um nos outros por um tempo eu pensei que deveria fazer algum gesto para mostrar que estava arrependido de ter matado seu irmão em meu sonho. Eu cheguei perto e toquei sua cauda. Ela se enrolou mostrando que eu havia invadido sua intimidade. Então eu voltei e fiquei apenas olhando. Cinco minutos depois lá se foi ela atrás dos arbustos.
Carlos Castaneda:
Você não a espetou?
Sam Keen:
Não.
Carlos Castaneda:
Era uma amiga muito boa. Um homem pode aprender a chamar as serpentes. Mas você precisa estar em excelente forma, calmo, controlado, com um humor amigável, sem nenhuma dúvida ou assuntos pendentes.
Sam Keen:
A cobra me ensinou que eu sempre tinha pensamentos paranóicos em relação à natureza. Eu considerava animais e cobras perigosos. Após meu encontro jamais mataria outra cobra e começou a ser mais plausível para mim que nós possamos ter uma espécie de conexão viva. Nosso ecossistema pode muito bem incluir comunicações com outras formas de vida.
Carlos Castaneda:
Don Juan tinha uma teoria muito interessante acerca disso. As plantas, assim como os animais, sempre afetam você. Ele dizia que se você não pedisse desculpas para as plantas por colhê-las você provavelmente ficaria doente ou sofreria um acidente.
Sam Keen:
Os índios americanos tem crenças similares sobre os animais que eles matam. Se você não agradece o animal por dar a vida para que você possa viver, seu espírito pode lhe causar problemas.
Carlos Castaneda:
Nós temos uma associação com toda forma de vida. Alguma coisa se altera toda vez que machucamos a vida vegetal ou animal. Nós tiramos a vida para sobreviver mas devemos querer abrir mão de nossa própria vida sem ressentimentos quando chegar nossa vez. Nós somos tão importantes e nos levamos tão a sério que esquecemos que o mundo é um grande mistério que pode nos ensinar se escutarmos.
Sam Keen:
Talvez as drogas psicodélicas momentaneamente limpem o ego isolado e permitam uma fusão mítica com a natureza. A maior parte das culturas que conservam um senso de união entre o homem e a natureza também fez uso cerimonial das drogas psicodélicas. Você estava usando peiote quando falou com o coiote?
Carlos Castaneda:
Não, de maneira alguma.
Sam Keen:
Esta experiência foi mais intensa das que teve quando Don Juan lhe ministrou plantas psicotrópicas?
Carlos Castaneda:
Muito mais intensa. Todas as vezes que eu tomei plantas psicotrópicas eu sabia que havia ingerido algo e sempre podia questionar-me acerca da validade das minhas experiências. Mas quando o coiote falou comigo eu não tinha desculpas. Não podia explicar isso. Eu realmente parei o mundo e, saí completamente do meu sistema de interpretações europeu.
Sam Keen:
Você acredita que Don Juan vive neste estado de atenção a maior parte do tempo?
Carlos Castaneda:
Sim, ele vive num tempo mágico e ocasionalmente volta para o tempo normal. Eu vivo no tempo normal e ocasionalmente entro no tempo mágico.
Sam Keen:
Qualquer um que tenha viajado tão longe além do desgastado consenso deve ser alguém muito solitário.
Carlos Castaneda:
Penso que sim. Don Juan vive num mundo impressionante e deixou as pessoas rotineiras bem longe. Uma vez eu estava junto com Don Juan e seu amigo Don Genaro e vi a solidão que eles dividiam e sua tristeza em deixar para trás os enfeites e pontos de referência da sociedade normal. Penso que Don Juan transformou sua solidão em arte. Ele contém e controla seu poder, mistério e solidão e os transforma em arte. Sua arte é o caminho metafórico em que ele vive. É por causa disso que seus ensinamentos temtanta carga dramática e unidade. Ele deliberadamente constrói sua arte e sua maneira de ensinar. 
Sam Keen:
Por exemplo, quando Don Juan levou-o às montanhas para caçar animais estava conscientemente encenando uma alegoria?
Carlos Castaneda:
Sim. Ele não estava interessado em caçar por esporte ou por comida. Há 10 anos  que o conheço, e o vi matar apenas quatro animais, e apenas nas vezes em que ele viu que suas mortes eram um presente para ele, assim como sua própria morte um dia será um presente para alguma coisa. Uma vez apanhamos um coelho numa armadilha, ficamos imóveis e Don Juan achou que eu devia matá-lo, pois seu tempo havia acabado. Fiquei desesperado porque eu tinha a sensação de que eu mesmo era o coelho. Eu tentei libertá-lo mas não conseguia abrir a armadilha. Então eu pisei na armadilha e quebrei acidentalmente o pescoço do coelho. Don Juan estava tentando me ensinar a assumir a responsabilidade por estar neste mundo maravilhoso. Ele inclinou-se e sussurrou no meu ouvido: .Eu lhe disse que este coelho não tinha mais tempo para vagar por este lindo deserto.. Ele conscientemente construiu a metáfora para me ensinar sobre os caminhos de um guerreiro. Um guerreiro é alguém que caça e acumula poder pessoal. Para fazer isto ele deve desenvolver a paciência e se mover deliberadamente sobre o mundo. Don Juan usou a situação dramática da caçada para me ensinar porque estava se dirigindo diretamente ao meu corpo.
Sam Keen:
Em seu livro mais recente, Viagem a Ixtlan, você revê a impressão dada nos primeiros livros de que o uso de plantas psicotrópicas era o método principal usado por Don Juan no intuito de ensiná-lo sobre a feitiçaria. Como você vê agora o lugar dos psicotrópicos em seus ensinamentos?
Carlos Castaneda:
Don Juan usou plantas psicotrópicas no período intermediário do meu aprendizado porque eu era muito estúpido, sofisticado e arrogante. Eu me agarrava à minha descrição do mundo como se ela fosse a única verdade. Os psicotrópicos criaram um vácuo no meu sistema de interpretações. Eles destruíram minha certeza dogmática. Mas eu paguei um enorme preço. Quando a cola que segurava meu mundo unido foi dissolvida, meu corpo estava fraco e eu demorei meses para me recuperar. Eu fiquei ansioso e funcionava a um nível muito baixo.
Sam Keen:
Don Juan usa drogas psicotrópicas regularmente para parar o mundo?
Carlos Castaneda:
Não. Ele pode agora mesmo pará-lo com a sua vontade. Ele me disse que para mim a tentativa de ver sem a ajuda das plantas seria inútil. Mas se eu me comportasse como um guerreiro e assumisse a responsabilidade não precisaria delas; elas apenas enfraqueceriam meu corpo.
Sam Keen:
Isso pode soar um pouco chocante para vários admiradores seus. Você é uma espécie de santo patrono da revolução psicodélica.
Carlos Castaneda:
Eu tenho seguidores e eles têm idéias estranhas a respeito de mim. Eu estava andando para dar uma palestra no Califórnia State,em Long Beach, outro dia e um rapaz que me conhecia me apontou para uma garota e disse .Ei, esse é o Castaneda.. Ela não acreditou nele porque tinha a idéia de que eu deveria parecer muito sobrenatural. Um amigo estava reunindo algumas das histórias que circulavam sobre mim. O consenso era que eu havia feito uma façanha mística.
Sam Keen:
Façanha mística?
Carlos Castaneda:
Sim, que eu andava de pés descalços como Jesus e não tinha calos. As pessoas acham que devo estar doidão a maior parte do tempo. Eu também cometi suicídio e morri em vários lugares diferentes. Um colega de departamento quase fez um escândalo quando eu comecei a falar sobre fenomenologia e sociedade e explorar o conceito de percepção e socialização. Eles queriam que eu falasse pausadamente, os deixasse altos e fizesse suas cabeças. Mas para mim o entendimento é importante.
Sam Keen:
Os rumores voam no vácuo de informações. Sabemos alguma coisa de Don Juan e muito pouco de Castaneda.
Carlos Castaneda:
Isto é uma parte proposital da vida do guerreiro. Para escapulir dentro e fora de diferentes mundos você deve permanecer discreto. Quanto mais você ser conhecido e identificado, mais sua liberdade vai ser reduzida. Quando as pessoas tiverem idéias definitivas sobre quem é você e como você vai agir, você não poderá mais se mexer. Uma das primeiras coisas que Don Juan me ensinou foi que eu tinha que apagar minha história pessoal. Se aos poucos você criar uma névoa em torno de si então você não vai ser tomado como garantia e você tem mais espaço para se mexer. É por causa disso que eu impeço gravações de áudio e fotografias quando dou palestras.
Sam Keen:
Talvez possamos ser pessoais sem sermos históricos. Você agora minimizou a importância da experiência psicodélica em relação ao seu aprendizado. E você não parece sair por aí fazendo o tipo de truques disponíveis no estoque dos feiticeiros. Que elementos dos ensinamentos de Don Juan são importantes para você? Você foi mudado por eles?
Carlos Castaneda:
Para mim as idéias de ser um guerreiro e um homem de conhecimento, com a esperança de eventualmente parar o mundo e ver, têm sido as mais adequadas. Elas tem me dado paz e confiança na minha capacidade de controlar minha vida. Na época que encontrei Don Juan eu tinha muito pouco poder pessoal. Minha vida havia sido muito errática. Eu percorri um longo caminho desde o local do meu nascimento no Brasil. Exteriormente eu era agressivo e arrogante, mas interiormente era indeciso e incerto acerca de mim. Estava sempre forjando desculpas para mim mesmo. Don Juan uma vez me acusou de ser uma criança profissional porque eu estava cheio de auto-piedade. Eu me sentia como uma folha ao vento. Como com a maioria dos intelectuais, minhas costas estavam contra o muro. Eu não tinha lugar para ir. Eu não podia perceber nenhuma forma de vida que realmente me excitasse. Eu pensei que tudo o que poderia fazer era uma acomodação amadurecida para uma vida de tédio ou encontrar formas mais complexas de entretenimento como usar drogas psicodélicas, maconha e ter aventuras sexuais. Tudo isso era aumentado pelo meu hábito de ser introspectivo. Eu estava sempre olhando para dentro de mim e falando comigo mesmo. O diálogo interno raramente parava.
Don Juan abriu meus olhos para o exterior e ensinou-me a acumular poder pessoal.
Não creio que haja outro pode de vida para alguém que queira estar cheio de energia.
Sam Keen:
Parece que ele fisgou você com o velho truque dos filósofos de segurar a morte diante dos seus olhos. Eu estava impressionado em perceber quão clássica a abordagem de Don Juan é. Eu ouvia ecos da idéia de Platão de que um filósofo deve estudar a morte antes que possa ganhar acesso ao mundo real e da definição de Martin Heidegger de um homem como um ser-para-a-morte.
Carlos Castaneda:
Sim, mas a abordagem de Don Juan tem um aspecto diferente, que vem da tradição da feitiçaria, que é o de considerar a morte como uma presença física que pode ser sentida e vista. Uma das interpretações da feitiçaria é: a morte está à sua esquerda. A morte é um juiz imparcial que lhe dirá a verdade e lhe dará conselhos precisos.  Afinal, a morte não está com pressa. Ela lhe pegará em um dia, uma semana, ou 50 anos. Não faz diferença para ela. No momento que você pensa que eventualmente deve morrer está reduzindo o lado direito.
Eu acho que ainda não tornei esta idéia vívida o bastante. A interpretação .A morte está a sua esquerda. não é uma questão intelectual na feitiçaria, é percepção. Quando seu corpo está adequadamente sintonizado com o mundo e você vira os olhos para a esquerda, você pode testemunhar um evento extraordinário, a presença sombria da morte.
Sam Keen:
Na tradição existencial, as discussões sobre responsabilidade geralmente se seguem às discussões sobre a morte.
Carlos Castaneda:
Então Don Juan é um bom existencialista. Se não há como saber se eu tenho apenas mais minuto de vida, devo agir como se cada instante fosse o último. Cada ato é a última batalha do guerreiro. Então tudo deve ser feito impecavelmente. Nada pode ser deixado pendente. Esta idéia foi muito libertadora para mim. Eu estou aqui falando com você e talvez nunca volte para Los Angeles. Mas não importa porque eu cuidei de tudo antes de vir para cá.
Sam Keen:
Este caminho de morte e determinação é distante da utopia psicodélica na qual a percepção do final do tempo destrói a qualidade trágica da escolha.
Carlos Castaneda:
Quando a morte permanece à sua esquerda você deve criar o mundo a partir de uma série de decisões.
Não existem decisões grandes ou pequenas, apenas decisões que devem ser tomadas agora. E não há tempo para dúvidas ou remorsos. Se eu passar o meu tempo lamentando o que fiz ontem eu evito as decisões que tenho de tomar hoje.
Sam Keen:
Como Don Juan lhe ensinou a ser determinado?
Carlos Castaneda:
Ele falou com meu corpo através de atos. Meu modo antigo de ser deixava tudo pendente e nunca decidia nada. Para mim, tomar decisões era algo feio. Parecia injusto para um homem sensível ter de decidir. Um dia Don Juan me perguntou: .Você acha que você e eu somos iguais?. Eu era um estudante universitário e um intelectual e ele era um velho índio, mas eu fui condescendente e disse: .Claro que somos iguais.. Ele disse: .Eu não acho que somos. Eu sou um caçador e um guerreiro e você é um frouxo. Eu estou pronto a abreviar minha vida a qualquer instante. Seu mundo débil de indecisão e tristeza não é igual ao meu..  Eu fiquei muito insultado e teria voltado, mas nós estávamos no meio do nada. Então eu sentei e fiquei absorvido nas armadilhas do meu ego. Eu ia esperar até ele decidir voltar. Após várias horas percebi que Don Juan ficaria ali para sempre se precisasse. Por que não? Para um homem sem assuntos pendentes este é o seu poder. Eu finalmente percebi que este homem não era como meu pai, que podia tomar 20 resoluções de ano-novo e não cumprir nenhuma. As decisões de Don Juan eram irrevogáveis enquanto durasse seu interesse. Elas podiam ser canceladas apenas por outras decisões. Então cheguei perto e o toquei, ele desistiu e voltamos para casa. O impacto deste ato foi tremendo. Ele me convenceu de que o caminho do guerreiro é um modo de vida poderoso e vigoroso.
Sam Keen:
O conteúdo da decisão não é tão importante quanto o ato de ser determinado.
Carlos Castaneda:
Isto é o que Don Juan entende por fazer um gesto. Um gesto é um ato deliberado que é responsável pelo poder que advém de tomar uma decisão. Por exemplo, se um guerreiro encontra uma cobra que está dormente e fria, ele pode esforçar-se por levar a cobra para um lugar quente sem ser mordida. O guerreiro pode decidir fazer um gesto sem nenhum motivo. Mas ele vai fazê-lo perfeitamente.
Sam Keen:
Parecem existir muitos paralelos entre a filosofia existencialista e os ensinamentos de Don Juan.
O que você disse sobre decisões e gestos sugere que Don Juan, como Nietzsche e Sartre, acredita que a vontade, ao invés da razão, é a faculdade mais fundamental do homem.
Carlos Castaneda:
Acho que sim. Deixe-me falar por mim mesmo. O que eu quero fazer, e talvez consiga executar, é superar o controle da minha razão. Minha mente tem estado no controle a minha vida toda e ela preferiria me matar a abandonar este controle. Em um dado ponto de meu aprendizado, eu fiquei profundamente deprimido. Eu estava cheio de medo, obscuridade e pensamento sobre suicídio. Então Don Juan me alertou que este é um dos truques da razão para manter o controle. Ele disse que minha razão estava fazendo meu corpo sentir que não havia sentido na vida. Uma vez que minha mente travou esta última batalha e perdeu, a razão começou a assumir o local apropriado de ser apenas uma ferramenta do corpo.
Sam Keen:
.O coração tem razões que a própria razão desconhece., e também o resto do corpo.
Carlos Castaneda:
Este é o ponto. O corpo tem vontade própria. Ou melhor, a vontade é a voz do corpo. Este é o motivo de Don Juan consistentemente colocar suas lições em uma forma dramática. Meu intelecto poderia facilmente descartar o mundo da feitiçaria como sem sentido. Mas meu corpo foi atraído por este mundo e este modo de vida.
E quando o corpo toma o controle, um reino novo e mais saudável se estabelece.
Sam Keen:
As técnicas de Don Juan para lidar com os sonhos me interessam porque ele sugeste a possibilidade de voluntariamente controlar as imagens do sonho. Dessa forma ele propõe estabelecer um observatório estável e permanente dentro do espaço interior. Fale-me sobre o treinamento de sonhos de Don Juan.
Carlos Castaneda:
O truque nos sonhos é sustentar as imagens tempo o bastante para que possamos examiná-las cuidadosamente. Para adquirir este controle você deve escolher uma coisa antes e aprender a encontrá-la nos seus sonhos. Don Juan sugeriu que eu usasse minhas mãos como ponto fixo e alternasse entre elas e as imagens. Após alguns meses eu aprendi a usar minhas mãos e parar o sonho. Fiquei tão fascinado por esta técnica que espero ansioso pela hora de dormir.
Sam Keen:
Parar as imagens nos sonhos é parecido com parar o mundo?
Carlos Castaneda:
É similar. Mas existem diferenças. Uma vez que você se torna capaz de achar suas mãos quando quiser, você percebe que isto é apenas uma técnica. O que você quer na verdade é o controle. Um homem de conhecimento deve acumular poder pessoal. Mas isto não é suficiente para parar o mundo. É necessário algum abandono. Você precisa parar a conversa que está ocorrendo internamente e render-se ao mundo exterior.
Sam Keen:
Das várias técnicas que Don Juan lhe ensinou para parar o mundo, qual você ainda pratica?
Carlos Castaneda:
Minha maior técnica no momento está em romper as rotinas. Eu sempre fui uma pessoa muito rotineira. Eu comia e dormia sempre nos mesmos horários. Em 1965 comecei a mudar meus hábitos. Eu escrevia nas horas quietas da noite e dormia quando sentia necessidade. Agora eu desmantelei tanto meus hábitos usuais que posso me tornar imprevisível e surpreendente até mesmo para mim.
Sam Keen:
 Sua disciplina me lembrou de uma história Zen de dois discípulos vangloriando-se de feitos milagrosos. Um dos discípulos alegava que o fundador da seita a que pertencia podia ficar em uma das margens do rio e escrever Buda num pedaço de papel segurado por seu assistente do outro lado do rio. Um outro discípulo alegava que esse milagre não era muito impressionante. .Meu milagre., disse ele, .é que quando tenho fome, eu como, e quando tenho sede, eu bebo..
Carlos Castaneda:
É este elemento de compromisso com o mundo que me mantém seguindo o caminho que Don Juan me mostrou. Não há necessidade de transcender o mundo. Tudo o que você precisa saber está aqui defronte nós, se prestarmos atenção. Se você entrar num estado de realidade extraordinária, como faz quando usa plantas psicotrópicas, está apenas usando a força que precisa para ver o caráter milagroso da realidade ordinária. Para mim o modo se viver . o caminho com coração . não é introspectivo ou de transcendência mística, mas a presença no mundo. Este mundo é o campo de caçada do guerreiro.
Sam Keen:
O mundo que você  e Don Juan pintaram é cheio de coiotes mágicos, corvos encantados, e magníficos guerreiros. É fácil de ver como ele pode lhe atrair. Mas, e em relação ao mundo de uma pessoa urbana moderna? Onde está a mágica nele? Se todos nós pudéssemos viver em montanhas talvez conseguíssemos manter o mistério vivo. Mas como poderemos fazer isso se estamos perto de uma estrada?
Carlos Castaneda:
Uma vez formulei a mesma questão para Don Juan. Nós estávamos sentados em um café em Yuma e eu insinuei que eu poderia me tornar apto a parar o mundo e ver se pudesse viver no ermo junto com ele. Ele olhou para a janela, viu os carros passando e disse: .Ali, lá fora, é o seu mundo.. Eu vivo em Los Angeles agora e sinto que posso usar o mundo para favorecer minhas necessidades. É um desafio viver sem rotinas em um mundo rotineiro. Mas é possível.
Sam Keen:
O nível do barulho e a pressão constante de massas de pessoas parecem destruir o silêncio e a solidão que poderiam ser essenciais para parar  o mundo.
Carlos Castaneda:
Não de todo. Na verdade, o barulho pode ser usado. Você pode usar o barulho da buzina para treinar a si mesmo ouvir o mundo exterior. Quando paramos o mundo, o mundo que paramos geralmente é o que é mantido pelo diálogo interno. Uma vez que você para o blá-blá-blá interno você para de manter este mundo. A descrição entra em colapso. É quando começa nossa mudança de personalidade.
Quando você se concentra nos sons, percebe que é difícil para o cérebro categorizar todos os sons, e em pouco tempo você para de tentar. Não é como a percepção visual que nos mantém formando categorias e pensando. É tão revigorante quando você consegue parar de falar, categorizar e julgar.
Sam Keen:
O mundo interno muda, mas e em relação ao externo? Nós podemos revolucionar a consciência individual, mas ainda assim não conseguir tocar as estruturas sociais que criam nossa alienação. Existe um lugar para a reforma social e política no seu pensamento?
Carlos Castaneda:
Eu vim da América Latina onde os intelectuais estão sempre falando sobre revolução política e social e onde um muitas bombas são lançadas. Mas a revolução não mudou muita coisa. Requer pouca coragem bombardear um prédio, mas para desistir de cigarros, parar de ser ansioso ou parar a tagarelice interna, você tem que reconstruir-se. É  aí que começa a verdadeira reforma. Don Juan e eu estávamos em Tucson não muito tempo atrás quando estava tendo a Semana da Terra. Alguns homens estavam palestrando sobre ecologia e os males da guerra do Vietnã. Enquanto isto, eles fumavam. Don Juan disse: .Não posso imaginar como eles podem se preocupar com os outros se eles não se gostam de si.. Nossa primeira preocupação deve ser com nós mesmos. Eu posso gostar dos meus semelhantes apenas quando estiver no auge do meu vigor e sem depressão. Para estar nesta condição devo manter meu corpo preparado. Toda revolução deve começar aqui, neste corpo. Eu posso mudar minha cultura masapenas através de um corpo impecavelmente sintonizado com este mundo estranho. Para mim, a verdadeira realização é a arte de ser um guerreiro, a qual, como diz Don Juan, é o único meio de balancear o terror de ser um homem com a maravilha de ser um homem.


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Pai nosso

                    Àdúrà  baba wa.
                    Oração do pai nosso.

 Baba wa tí ń bẹ ní ọ̀run, kí orúkọ rẹ di sísọ di mímọ́. Kí ìjọba rẹ dé. Kí ìfẹ́ rẹ ṣẹ, gẹ́gẹ́ bí ní ọ̀run, lórí ilẹ̀ ayé pẹ̀lú. Fún wa lónìí oúnjẹ wa fún ọjọ́ òní; kí o sì dárí àwọn gbèsè wa jì wá, gẹ́gẹ́ bí àwa pẹ̀lú ti dárí ji àwọn ajigbèsè wa. Má sì mú wa wá sínú ìdẹwò, ṣùgbọ́n dá wa nídè kúrò lọ́wọ́ ẹni burúkú náà. 

                            Ààmin



Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, como no céu, assim também na terra.  Dá-nos hoje o nosso pão para este dia;  e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos os nossos devedores.  E não nos leves à tentação, mas livra-nos do Maligno.

                          Amém




Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário).

1. Baba wa tí ń bẹ ní ọ̀run.
   Pai nosso, que estás nos céus.

Baba, bàbá = pai, mestre.
Wa = nosso.
= que.
Ń bẹ = estás.
Mbẹ = estar.
= no, na, em.
= ter, possuir. 
= antiga forma que a palavra   tomava quando seguida por palavra iniciada por vogal diferente de i.
Ọ̀run = céu.

2. Kí orúkọ rẹ di sísọ di mímọ́.
  Santificado seja o teu nome.

= que.
Orúkọ = nome.
Tìrẹ, rẹ, ẹ = teu, seu, sua, de você.
Tirẹ̀, tiẹ̀,  rẹ̀, ẹ̀ = dele, dela.
Di = tornar-se.
Sísọ = fala, pronunciamento, discurso.
Mímọ́ = santificado, santo, puro.
Bọ̀wọ̀ fún = honrar, mostrar respeito.

3.  Kí ìjọba rẹ dé.
 Venha o teu Reino.

= que.
Ìjọba = reino.
Tìrẹ, rẹ, ẹ = teu, seu, sua, de você.
= vir, chegar, atingir.

4. Kí ìfẹ́ rẹ ṣẹ.
  Seja feita a tua vontade.

= que.
Ìfẹ́ = vontade.
Tìrẹ, rẹ, ẹ = teu, seu, sua, de você.
= tornar-se realidade.

5. Gẹ́gẹ́ bí ní ọ̀run, lórí ilẹ̀ ayé pẹ̀lú.
  Como no céu, assim também na terra.

Gẹ́gẹ́ bí = como, assim, de acordo com, exatamente.
= no, na, em.
Ọ̀run = céu.
Lórí  = sobre.
Ilẹ̀ ayé = planeta terra.
Ayé, àiyé = mundo, planeta.
Pẹ̀lú = também.
Bí...ti = depois que, quando
Bí...ti = tanto quanto
Aṣe = seja feita.
Nṣe = fazendo.
Ṣe = fazer, agir, causar, desempenhar. 


6. Fún wa lónìí oúnjẹ wa fún ọjọ́ òní.
  Dá-nos hoje o nosso pão para este dia.

Fún wa = dá-nos.
Lóní = hoje, neste dia.
Oúnjẹ = comida, refeição.
Wa = nosso, nossa.
Fún = para, em nome de.
Ọjọ́ = dia.
jọ́ ò = este dia


7.  Kí o sì dárí àwọn gbèsè wa jì wá.
  E perdoa-nos as nossas dívidas.

= que.
O = você.
e, além disso, também. Liga sentenças, porém, não liga substantivos; nesse caso, usar " àti". É posicionado depois do sujeito e antes do verbo.
Àti = e.
Dáríjì = perdoar.
Àwọn = eles, elas. Indicador de plural.
Gbèsè = débito, divida.
Ẹ̀ṣẹ̀ = pecado, ofensa, crime, iniquidade.
Ọṣẹ́ = injúria, ofensa, afronta.
Wa = nosso, nossa.
= vir.

8. Gẹ́gẹ́ bí àwa pẹ̀lú ti dárí ji àwọn ajigbèsè wa.
  Assim como nós também perdoamos os nossos devedores.

Gẹ́gẹ́ bícomo, assim, de acordo com, exatamente
Àwa, a = nós.
Pẹ̀lú = também.
Ti = já. Indica uma ação realizada. 
Dárí jìperdoar.
Àwọneles, elas. Indicador de plural.
Ajigbèsè = devedor. 
Wa = nosso, nossa.

9. Má sì mú wa wá sínú ìdẹwò.
 E não nos leves à tentação.

= não.
e, além disso, também. Liga sentenças, porém, não liga substantivos; nesse caso, usar " àti". É posicionado depois do sujeito e antes do verbo.
Mà, ma = sem dúvida, com certeza. É usada para expressar uma forçasupresa ou ênfase, indicando uma ação positiva. 
Máa, maa = colocado antes do verbo, dá um sentido polido a uma ordem.
Mafà wa = livra- nos.
= tirar, remover, puxar.
= levar. 
Wa = nos. 
= procurar por, buscar, vasculhar. Vir. Tremer de nervoso. Preparar. Dividir, partir em pequenos pedaços.
Sínú = para dentro de.
Ìdẹwò = tentação, armadilha.
Ìdánwò = tentativa, experiência, exame.

10. Ṣùgbọ́n dá wa nídè kúrò lọ́wọ́ ẹni burúkú náà.
  Mas livra-nos do Maligno.

Ṣùgbọ́n, àmọ́ = mas, porém.
= cessar, interromper, parar, ser raro, ser escasso. Atingir, acertar, bater. Abandonar, desertar. Estar bem. Causar. Arrancar o inhame. Quebrar o que é compacto, rachar. Derrubar em uma luta. Contribuir. Confiar. Estar inativo. Consultar. Criar, fazer, favricar.
= indica uma ação que se faz sozinho. Ó dá jó - Eu fiz um solo de dança.
= partícula que pode ser traduzida por "fazer com que"e usada com nomes ligados às partes do corpo, emoções etc. Ó dá mi lágara - Ela cansou minha paciência.
Dá wa nídè kúrò = livrai-nos do.
Nídè = ter vínculo, ter ligação.
= unir, ligar, apertar.
= por.
Kúrò = afastar-se, mover-se para, distanciar-se.
Lọ́wọ́ = mãos. Usado no sentido de dar apoio  e segurança a alguma coisa.
ni burúkú = malígno, perverso, ímpio.
Bìlísì = mal (do hauçá e do árabe iblis). Kí Ọlọ́run gbà wa lọ́wọ́ bìlísì - Que Deus nos livre das mãos do mal.
Náà = também, o mesmo.
Náà = o, a, os, as.
Náà = aquele, aquela, aquilo.
Àmí, ààmin = amém, assim seja.

domingo, 19 de abril de 2015

Congresso nacional

Kọ́ngrésì ti orílẹ̀-èdè  ọta, màlúù àti Bíbélì Mímọ́.
Congresso nacional da bala, do boi e da bíblia.

Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).
Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário).

Kọ́ngrésì Onítọmọorílẹ̀-èdè, s. Congresso nacional.
Ti orílẹ̀-èdè, ti ilẹ̀, adj. Nacional.
Ọta, s. Bala.
Màlúù, s. Boi.
Àti, conj. E. Usada entre dois nomes, mas não liga verbos.
Bíbélì mímọ́, s. Bíblia.
Mímọ́, adj. Limpo, puro, íntegro, sagrado.



 Elegemos parlamentares que, unidos, formaram o que vem sendo vulgarmente conhecido como Congresso BBB.  Seus  membros estão comprometidos com os interesses da Bala, do Boi e da Bíblia

Por Gabriela Cunha Ferraz*
bancada da bala
bancada da bala

O país está dividido, e, em meio a tantas incertezas, nossa única certeza é que, hoje, existem, escancaradamente, bancadas parlamentares estruturadas e com pautas claramente conservadoras, fundamentalistas e machistas.

Elegemos parlamentares que, unidos, formaram o que vem sendo vulgarmente conhecido como Congresso BBB porque seus membros estão comprometidos com os interesses da Bala (indústria armamentista); do Boi (ruralistas) e da Bíblia (evangélicos). Aqui, para reduzir o estresse mental, vamos nos ater ao impacto destrutivo da chamada Bancada da Bala.

Na tarde do dia 25 de março, a bancada da bala, depois de bradar pela redução da maioridade penal de manhã, se reuniu na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados para debater a situação dos haitianos e os problemas sanitários (doenças) e criminais que trazem para o país.

Essa discussão, além xenófoba e discriminatória, atesta que temos uma bancada de parlamentares, eleitos pelo povo, sim, mas que legislam em causa própria e de acordo com interesses escusos e nada democráticos. Interesses estes motivados por rechonchudos financiamentos privados de campanha, oriundos de empresas que precisam manter representantes particulares no Congresso.

Significa dizer que o discurso sobre a suposta impunidade que explica o permanente estado de insegurança no qual hipoteticamente vivemos é, no frigir dos ovos, uma grande falácia que encobre o verdadeiro foco do problema. Os financiamentos privados de campanha fazem com que alguns dos parlamentares eleitos precisem se manter fiéis aos discursos das empresas que ajudaram a elegê-los.

É preciso manter um discurso alarmista sobre a segurança pública porque a criação desse estado social é lucrativo e favorece um grupo determinado de pessoas que, ao longo dos anos, vem se tornando cada vez mais rico e poderoso. Muitos dizem saber disso, mas poucos parecem ter noção das reais implicações e consequências dessas relações. Esclarecendo: Quem manda nesse país não são os parlamentares, eles apenas fazem cena e chamam os holofotes para si, tentando apagar que os verdadeiros donos do país: o capital.

Dos 33 titulares da comissão de segurança pública, 17 (51%) são parlamentares pertencentes a corporações patriarcais e conservadoras como as Polícias Militar, Civil e Federal, Exército e Bombeiros. Sendo maioria, eles conseguem estar presentes em todas as importantes votações apoiando uns aos outros, concordando com os votos dos colegas e afastando a participação dos movimentos sociais de base, que passam a ser sumariamente excluídos do grupo seleto de pessoas com direito a voz. Considerando que os militantes dos direitos humanos não estão abertos a serem financiados por empresas que violam diuturnamente esses direitos e liberdades individuais, talvez sejamos definitivamente rechaçados dentro da própria casa do povo.

O cenário está longe de ser razoável. Na pauta do dia temos um Projeto de Emenda Constitucional que reduz a idade da maioridade penal, ferindo uma importante cláusula pétrea e desconsiderando o maior texto da nossa República. De outro lado, marcos legais que ampliariam direitos, como o fim das revistas vexatórias, a regulamentação das audiências de custódia e o fim dos autos de resistência, caminham com extremo vagar no Congresso.

O que esperamos do Poder Legislativo são parlamentares que escutem a voz da sociedade, se informem sobre as necessidades e anseios do povo, mas sem com isso descuidar dos direitos de grupos minoritários e vulneráveis. O que não precisamos são de fantoches guiados por grandes conglomerados econômicos. Queremos representantes participativos e assíduos que defendam os direitos humanos, mas estamos fartos de deputados que priorizam suas patentes, medalhas e uniformes.

Não, não precisamos de uma bancada com indivíduos que ratificam um discurso de ódio, o recrudescimento de penas e o estado de controle máximo, ao passo em que eles mesmos cometem verdadeiros crimes de racismo, além de incitação pública da violência institucional e do crime de estupro em plena sessão parlamentar, como no episódio que envolveu a ex-ministra Maria do Rosário.

Mas, o que esperar de um poder que organiza seus representantes em castas temáticas pela defesa de interesses particulares? Que rasguem a Constituição, oras.



*Gabriela Ferraz é advogada, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Strasbourg e coordenadora de advocacy do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Também atua como coordenadora do Cladem Brasil e como advogada da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (SP)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Consciência cósmica

 Ọkàn ti  ayégbogbo ẹ̀dáàgbáyé.                             Consciência cósmica.


Àkójọ́pọ̀ Itumọ̀ (Glossário).

Ìwé gbédègbéyọ̀  (Vocabulário).


Ọkàn, s. Coração, espírito, consciência.
Ti, prep. de ( indicando posse). Quando usado entre dois substantivos, usualmente é omitido. Ilé ti bàbá mi = ilé bàbá mi ( A casa do meu pai).
Ayégbogbo ẹ̀dáàgbáyé, s. Universo, cosmo.
Àgbáyé, s. Mundo, universo, planeta terra.
Ayé, àiyé, s. Mundo, planeta.
Ilẹ̀-ayé, ayé, àiyé. ilé-ayé, plánẹ́tì ilẹ̀-ayé, s. Planeta Terra.
Àwọn, wọn, pron. Eles elas.
Ìwò ojúàbùdá, s. Característica.
Àsopọ̀ kúántù, s. Conexão quântica.









1. Ọkàn ti  ayégbogbo ẹ̀dáàgbáyé (consciência cósmica).


   

     Condição ou percepção interior pela qual a consciência sente a presença viva do Universo e se torna una com ele, numa unidade indivisível; satori (Zen-Budismo); samadhi (Ioga).



2. Àwọn ìwò ojúàbùdá ti ọkàn ti  ayégbogbo ẹ̀dáàgbáyé (características da consciência cósmica).
                                             Richard Maurice Bucke







1. Luz subjetiva; a sensação de o indivíduo estar imerso numa nuvem luminosa.

2. Elevação moral, uma sensação de júbilo, de êxtase.

3. Iluminação intelectual, uma compreensão do TODO.

4 Senso de imortalidade, desaparecendo o medo da morte.

5. Instantaneidade e imprevisibilidade da experiência.

3. Àsopọ̀ kúántù (conexão quântica).
                                                                                          Fred Alan Wolf



      Há uma consciência superior? Podemos unir-nos a ela, tornarmo-nos conscientes da sua presença? Ao longo do de toda a história, os seres humanos sonharam e aspiraram a unir-se com seu Deus, qualquer que fosse o nome usado para invocá-lo. Talvez essa unidade esteja relacionada com a conexão quântica, ou conexão de Einstein, entre todos nós. Com certeza, a Física quântica ampliou nosso ponto de vista.
      Então, como devemos proceder? Como podemos aprender a sentir essa conexão? Como podemos aperfeiçoar nossa inteligência, nossa sensibilidade e o entendimento que temos de nós mesmos e do universo em que vivemos? A resposta é simples. Em primeiro lugar, devemos escolher entre alternativas. Queremos realmente ser mais inteligentes? Uma sensibilidade maior é algo que todos nós desejamos? Queremos de fato, entender o universo em que vivemos? Se uma resposta é afirmativa a todas essas pergunta lhe é importante, então você já está em contato com a consciência superior. Se, ao contrário, essas ideias não são importantes para você não haverá evidência alguma de consciência superior capaz de atingi-lo. A escolha não depende "dela", depende de você. Para ouvir as notícias, você precisa ligar o receptor. Para ligá-lo, você precisa, antes, querer ouvir as notícias.
      Creio que o processo de "sintonização" da consciência superior consiste numa auto-reflexão mais aprofundada.